Logo que chegou à chefia do poder, em 5 de Julho de 1932, António de Oliveira Salazar começou a elaborar a Constituição sobre a qual assentaria o seu novo regime, o Estado Novo. Após ser plebiscitado, o texto constitucional foi promulgado em Abril de 1933, no ano em que o novo regime salazarista criou a polícia política (PVDE) e o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e lançou as bases da legislação corporativa, que assentaria, depois da proibição das associações operárias, em Sindicatos Nacionais (SN) únicos e Grémios patronais todo-poderosos. Na luta contra o processo da chamada «fascização» dos sindicatos e num movimento de recusa de dissolução das organizações operárias nos SN e de formação de comités de base de luta por reivindicações económicas e liberdades políticas, ergueram-se os anarco-sindicalistas, os comunistas e alguns socialistas, respectivamente organizados na Confederação Geral do Trabalho (CGT), na Comissão Inter-Sindical (CIS) e na Federação das Associações Operárias (FAO), bem como elementos do Comité das Organizações Sindicais Autónomas (COSA).
No PCP, a linha de Bento Gonçalves e da direcção foi inicialmente de aproveitamento das assembleias-gerais que deveriam realizar-se para decidir da aprovação dos novos estatutos sindicais e aprovar moções de repúdio da nova legislação e dos sindicatos nacionais, gerando um movimento de massas que poderia vir a desembocar numa greve geral contra a «fascização dos sindicatos». O certo é que a táctica do PCP teve pouca aceitação na própria CIS, dirigida por José de Sousa, que aderiu à táctica da «greve geral insurreccional» e a partir de então os sindicalistas comunistas concentraram-se nos preparativos desta.
No processo de organização do movimento de resistência aos decretos sindicais do Estado Novo, revelar-se-ia assim dominante um projecto insurreccional, programado inicialmente pelos comunistas e anarquistas, organizados em Comités Sindicalistas Revolucionários (CSR), em conjunção com forças reviralhistas. Mas logo em Novembro de 1933, a PVDE conseguiu prender e deportar Sarmento de Beires e outros reviralhistas, participantes numa tentativa falhada de intentona que deveria coincidir com a «greve geral revolucionária», que após conhecer sucessivos adiamentos devido à repressão, foi marcada para 18 de Janeiro de 1934.
A polícia e o governo comportaram-se como se desejassem que o movimento deflagrasse para, em seguida, desmantelá-lo e reprimir os envolvidos. Parecendo estar ao corrente dos preparativos da «greve geral revolucionária» de 18 de Janeiro de 1934, a PVDE prendeu, na véspera, alguns dos principais dirigentes sindicalistas, entre os quais se contaram os anarco-sindicalistas Mário Castelhano e Acácio Tomás de Aquino e o reviralhista Carlos Vilhena, detido na madrugada desse dia. Em Lisboa, na noite de 17 para 18 de Janeiro, Salazar abandonou a sua residência, acolhendo-se, primeiro no Governo Civil e, em seguida, ao quartel de Caçadores 5, em Campolide, enquanto os pontos nevrálgicos da capital eram de imediato ocupados pelo Exército. As adesões à «greve geral» de dia 18 acabaram por se revelar reduzidas, registando-se paralisações e acções diversas em Lisboa, Coimbra, Leiria, Barreiro, Almada, Martingança, Silves, Sines, Vila Boim (Elvas), Algoz-Tunes-Funcheira e na Marinha Grande.
Na noite de dia 17, em Lisboa, rebentou uma bomba no Poço do Bispo e foi cortado o caminho-de-ferro em Xabregas, ao mesmo tempo que explodiam duas bombas na central eléctrica de Coimbra, colocada por anarquistas. Só na Marinha Grande, onde as lutas anteriores dos vidreiros tinham criado um ambiente propício, se foi mais longe: sob o impulso do sindicato (onde predominavam os comunistas), grupos de operários ocuparam o posto da GNR, o edifício da Câmara Municipal e os CTT, proclamando o «soviete da Marinha Grande». Tropas vindas de Leiria tomariam conta da vila poucas horas depois, ficando-se «greve geral insurreccional» por aí, com o governo a aproveitar para intensificar a caça aos libertários e comunistas.
Após a PVDE ter desmantelado as movimentações operárias, Salazar propôs, ao Conselho de Ministros, no dia 19, diversas medidas repressivas e sanções para os envolvidos nas acções da véspera. Considerados como participantes num «acto revolucionário», todos os dirigentes mas também qualquer mero aderente do movimento foram «sujeitos aos tribunais especiais». Numa nota oficiosa, o governo avisou também que iria «reprimir eficazmente a propaganda e as ideias dissolventes e atentatórias da moral pública e da ordem, bem como «promover a demissão de funcionários públicos» civis e militares envolvidos. Dos acontecimentos de 18 de Janeiro, resultou também a decisão de o governo criar, no sul de Angola, junto à foz do Cunene, um campo para os responsáveis revolucionários, e a vontade de erguer uma colónia penal em Cabo Verde. Esta viria a ser criada em 1936 no Tarrafal, para onde seriam enviados, logo em Setembro desse ano, os principais dirigentes detidos nos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934[1].
Nos dias subsequentes a 18 de Janeiro, houve porém um afrouxamento da censura e o governo não colocou limites à divulgação dos acontecimentos violentos da véspera. Pelo contrário, tudo fez para dar conta de um pretenso clima insurreccional, potenciando o impacto das acções violentas, em detrimento das greves, com o objectivo de assustar a população e apelar ao seu repúdio pelos acontecimentos. Além disso, o governo foi atribuindo crescentemente a autoria dos acontecimentos ao PCP, omitindo a participação dos elementos dos antigos partidos, dos reviralhistas e dos anarco-sindicalistas. Por exemplo, depois de ter referido estes últimos como os organizadores da «greve revolucionária», o ministro do Interior Gomes Pereira já quase não os nomeou, na conferência de imprensa realizada por ele no dia 19 de Janeiro.
O «18 de Janeiro» marcaria uma ruptura histórica no movimento operário português e o fim de uma época. Em primeiro lugar, foi o fim de mais de meio século de um sindicalismo sempre perseguido mas livre. O fracasso dos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934 levaria também ao fim da hegemonia do anarco-sindicalismo no movimento operário e sindical português, devido à violenta repressão que desabou sobre a CGT e o movimento libertário, que revelaram grandes dificuldades de sobrevivência na clandestinidade. Mais apto em actuar nessas condições adversas e passando a partir de então a hegemonizar a oposição ao regime, o PCP também viria a sofrer uma mudança, abandonando gradualmente o seu carácter ainda «pré-leninista», muito marcado pela herança anarco-sindicalista e pela colagem ao reviralhismo.
Finalmente, a partir de então, a nível do regime salazarista, derrotados os anarco-sindicalistas e os reviralhistas à sua esquerda, e os nacionais-sindicalistas à sua direita, o Estado Novo erigiria os comunistas como seus principais inimigos. Efectivamente, após o desmantelamento do movimento revolucionário de 18 de Janeiro de 1934, Salazar introduziu, pela primeira vez no seu discurso, um novo elemento - o comunismo e o perigo comunista. Foi Franco Nogueira que o disse, ao acrescentar que, através desse discurso, o País compreendia que estava «perante uma nova opção: a ordem social existente ou uma ordem social» que a destruísse por inteiro. O certo é que esse novo tema foi lançado por Salazar, no final do próprio mês de Janeiro de 1934, numa sessão de apresentação da nova organização de juventude estatal, a Acção Escolar Vanguarda (AEV). Depois de avisar que o Estado Novo não reconhecia as «liberdade contra a Nação, contra o bem comum, contra a família contra a moral», afirmou, aos jovens, que constituiriam «a geração do resgate» de que haveria de «nascer o mundo novo», que o comunismo se havia convertido na «grande heresia da nossa idade».
[1] Entre os participantes no «18 de Janeiro de 1934», morreriam no campo de concentração do Tarrafal, Pedro Matos Filipe e Augusto Costa, em 1937, Arnaldo Simões Januário, em 1938, Casimiro Ferreira e Ernesto José Ribeiro, em 1941, Joaquim Montes, em 1943, Mário dos Santos Castelhano e Manuel Augusto da Costa, em 1945, bem como António Guerra, em 1948.