18.1.09

Breve história da revolta operária do 18 de Janeiro de 1934


A insurreição de 18 de Janeiro de 1934 resulta indirectamente de um longo processo de luta social e sindical pela melhoria das condições de vida da classe trabalhadora, e surge especificamente como movimento nacional de contestação à ofensiva corporativa contra os sindicatos livres, por força do recém-publicado “Estatuto do Trabalho Nacional e Organização dos Sindicatos Nacionais” em Setembro de 1933 pelo Estado Novo, regime responsável por milhares de vítimas, mortos em confrontos, prisões ou em situações de tortura, prisões em campos de concentração no continente, ilhas e colónias, perseguições, expulsões do país, degredos e deportações para as ilhas e colónias, semeando um rasto de terror entre várias gerações de portugueses.

O sindicalismo corporativo contra o qual as principais centrais sindicais lutavam obedecia assim aos seguintes princípios:
- Unicidade sindical corporativa, sendo apenas permitidos os sindicatos nacionais, resultantes da prévia aprovação pelo Governo dos seus estatutos. Os que não se submetessem e/ou não correspondessem ao modelo pretendido pelo Estado Novo seriam encerrados e dissolvidos;
- Colaboração das classes sociais com vista à harmonia do capital e do trabalho, sob a bandeira do “interesse nacional”, implicando, entre outros, a proibição da greve o do lock-out e todos os contactos com as filiações internacionais dos sindicatos;
- Controlo dos sindicatos pelo Governo, a quem cabia aprovar as direcções eleitas, podendo demiti-las, dissolver administrativamente os sindicatos ou as secções “que se desviassem dos seus fins” ou nomear comissões administrativas para dirigir os sindicatos. O Governo tinha ainda poderes de fiscalização, intervenção e orientação de toda a actividade sindical e da contratação colectiva do trabalho, através do também recém-criado Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

Para a grande parte das organizações sindicais era impensável a dependência do Estado e a perda de autonomia e liberdade, bem como a colaboração entre patronato e classe operária, num equilíbrio extremamente desigual de forças. Esta realidade acaba por gerar elos de união entre elas: a Confederação Geral do Trabalho (de cariz anarco-sindicalista), a Federação Autónoma Operária (socialista) a Comissão Intersindical (comunista) - filiadas em organizações sindicais internacionais - bem como alguns sindicatos autónomos, em torno de objectivos comuns, e por fim, em torno do objectivo da greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934 - a qual deveria ter irrompido em simultâneo com uma sublevação militar republicana que não chegou a acontecer.

Apesar do difícil entendimento entre as organizações sindicais, das medidas preventivas tomadas pelo Estado e da actuação da polícia (que consegue prender os principais dirigentes que se encontravam à frente de toda a preparação e articulação da revolta), o movimento sai para a rua e desenrola-se, embora desarticulado. Contudo, a falta de apoio militar e a fraca adesão e repercussão nacional condenou-o ao fracasso.

Registaram-se greves gerais de carácter pacífico em Almada, Barreiro, Sines, Silves, e manifestações operárias, mais ou menos um pouco violentas na Marinha Grande, Seixal, Alfeite, Cacilhas e Setúbal. Foram sabotadas estruturas de transportes, comunicações e de energia entre Coimbra e o Algarve (com destaque para Leiria, Martingança e Póvoa de Santa Iria), e confrontos armados com forças policiais em Lisboa e Marinha Grande - onde o movimento atingiria grandes repercussões.

Pese embora as grave situação de crise económica e social que a Marinha Grande viveu em períodos alternados nas três primeiras décadas do século XX, dos graves períodos de falta de trabalho, fome e doença, e do descontentamento do seu operariado, a presença de um forte associativismo entre a comunidade marinhense, em particular junto do operariado vidreiro, teria sido determinante na consciencialização dos valores sociais em causa e no surgimento das várias associações de classe operárias. Influenciadas pelas várias vertentes politicas e ideológicas do momento (anarquistas, socialistas e comunistas) e respectivas centrais sindicais – Confederação Geral do Trabalho, Comissão Inter-Sindical, Federação Autónoma Operária - as associações haveriam de se fundir em 1931 no Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro. Composto pelas Associações de Classe dos Manipuladores de Cristal, Associação de Classe dos Garrafeiros e o Sindicato Único dos Lapidários de Vidraria (já existentes) veio a acolher mais tarde a Associação de Classe dos Manipuladores de Vidraça.

Quando em finais de 1933 se iniciam os preparativos da insurreição e Greve Geral do dia 18 de Janeiro de 1934, o centro industrial vidreiro da Marinha Grande não ficaria de fora: em articulação com as organizações sindicais nacionais, o movimento foi liderado por José Gregório, Teotónio Martins, Manuel Baridó, António Guerra, Pedro Amarante Mendes, Miguel Henrique e Manuel Esteves de Carvalho.

O número de detidos na Marinha Grande teria ascendido no mínimo, a 131 pessoas:
- 49 detidos - libertados posteriormente ao longo do mês de Janeiro por falta de provas;
- 4 detidos - libertados em meados de Março, atendendo à sua pouca idade e ao tempo de prisão já realizado;
- 45 detidos, processados e condenados pelo Tribunal Militar Especial com penas pesadas - condenados ao desterro, com penas entre 3 e 14 anos de prisão na Fortaleza de São João Baptista em Angra do Heroísmo, e ao pagamento de pesadas multas;
- 33 presos dos quais não se encontrou referência à sua hipotética libertação ou julgamento.
“Os revoltosos da Marinha Grande, pelos alvos que haviam escolhido e pela natureza e gravidade dos seus actos, podem ter sido designados como o objecto de um castigo exemplar.
Mas o facto de o movimento ter ficado confinado a uma minoria activa e o facto de, desde a primeira hora, a imprensa ter qualificado o movimento de comunista, qualidade que os próprios comunistas se apressam a reivindicar, é como se tivessem facilitado a escolha do Governo. Seja como for, a vaga de prisões, o elevado número de condenados e sobretudo a indiscutível dureza das penas iam constituir para os sectores populares da Marinha Grande uma hecatombe.”
Fátima Patriarca, O 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande, Marinha Grande, Estudos e Documentos n.º 6, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Outubro de 1997, pp. 36 e 37.

Os revolucionários do 18 de Janeiro foram derrotados num combate em que a heroicidade não bastava para vencer a enorme desigualdade de forças, mas, como muitas vezes aconteceu na história, foi do amargo da derrota que o movimento operário revolucionário extraiu as lições para melhorar a sua organização e elevar a sua capacidade de luta.

Assinalar o 18 de Janeiro é também prestar a devida homenagem aos revolucionários dessa gloriosa jornada e à causa da liberdade e do socialismo e cujos nomes permanecerão na memória do povo marinhense.

Nesta conjuntura inicia-se assim um longo processo de luta contra o Estado Novo, contra a ditadura, a censura e o estado corporativo, pelo direito elementar à liberdade, do qual resultaram milhares de presos políticos, considerados de “especial perigosidade” - alguns deportados para a ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde, nomeadamente para a Colónia Penal do Tarrafal, conhecida como o “campo da morte lenta”, um regime prisional inspirado no modelo nazi, assente na arbitrariedade, na violência organizada, nos trabalhos forçados.

Dos 152 presos que a 29 de Outubro foram inaugurar o sinistro Campo da Morte Lenta, 57 tinham participado na jornada do 18 de Janeiro, e entre os 32 presos assassinados no Campo do Tarrafal, estavam os marinhenses Augusto Costa, assassinado em Setembro de 1937, e António Guerra, assassinado em Dezembro de 1948, já depois da derrota de Hitler e Mussolini. A estas mortes dos revolucionários do 18 de Janeiro da Marinha Grande há que acrescentar as dos Francisco da Cruz e Manuel Carvalho, a primeira ocorrida na prisão de Angra do Heroísmo e a segunda no Hospital de Leiria, na sequência dos maus-tratos infligidos na altura da prisão.
Alojados em tendas de lona que albergavam 12 prisioneiros cada, latrinas construídas com bidões de gasolina enterrados no solo, não tinham condições de higiene, água potável ou electricidade, e a alimentação era bastante deficiente. Um conjunto de factores responsável pela propagação de doenças – como o paludismo. Eram ainda submetidos a tortura e a carcereiros cruéis, numa tentativa desumana de os aniquilarem física e psicologicamente, inviabilizando qualquer hipótese de fuga.

Um dos métodos de tortura era o da “frigideira”: pequeno compartimento em betão armado com uma porta de ferro, com arejamento mínimo, onde os prisioneiros eram colocados e deixados durante dias sujeitos a condições de temperatura extremas (do dia para a noite), praticamente sem água e comida (embora fossem servidas duas “refeições” por dia).
Inaugurado, como se referiu, em 1936, acabaria por ser encerrado em 1954, reabrindo posteriormente no inicio dos anos 60 com o propósito de deter prisioneiros suspeitos de apoiarem os movimentos de libertação das colónias, encerrando definitivamente após o 25 de Abril de 1974, colocando fim ao horror vivido por muitos marinhenses, cidadãos portugueses e africanos durante o regime do Estado Novo.


Trechos do texto da exposição "Breve Retrospectiva sobre a revolta nacional do 18 de Janeiro de 1934", que esteve patente na Casa-Museu 18 de Janeiro de 1934, de 18 de Janeiro a 3 de Fevereiro de 2008.