8.7.08

«G8 à mesa - um mundo à fome» eram os dizeres de uma faixa colocada no alto da embaixada do Japão em Lisboa por activistas anti-G8


Na passada 6ª feira, 4 de Julho, um grupo de activistas tomou o edíficio onde se situa a embaixada do Japão em Lisboa, e munidos de uma faixa de 6 metros onde se lia “G8 à mesa – um mundo à Fome”, com o objectivo de denunciar as consequências da política anti-democrática neo liberalista do G8, e as suas falsas receitas para as crises actuais. alimentar, climática e social.

Bloqueando-se suspensos numas escadas de emergência durante mais de três horas, estendendo uma faixa de 18 m2 em frente ao andar da Embaixada do Japão, os activistas responderam à chamada internacional da Via Campesina, para assinalar o dia de luta pela “Soberania Alimentar”, juntando-se assim à contestação global ao G8, que verá as principais cidades do mundo, palco de dezenas de acções directas anti-globalização.

Esta acção directa, consistia em denunciar as desonestas acções do G8, em especial à política de produção de comida, entregando o comunicado de imprensa ao público à volta e à Embaixada do Japão.

Enquanto a segurança em conjunto com a polícia, lograva retirar os actvistas da plataforma, outros activistas informavam o público e a imprensa do motivo desta acção. Apesar das negociações para descer da platforma terem falhado, o documento chegou a ser entregue em mão a membros da Embaixada. No final, apesar da resistência possível, os seguranças do edíficio conseguiram jogar as mãos à faixa rasgando-a e pondo assim um ponto final a esta acção – os activistas foram apenas identificados e o proprietário decidiu não apresentar queixa.

Os orgãos de imprensa, após chamados ao local, foram impedidos de fazer o seu trabalho, defendendo-se o proprietário e a polícia do estatuto de propriedade privada. (Viva o Indymedia!) No entanto foi com surpresa, que a acção foi notciada em outros meios de comunicação social! Qual será a atenção que os media darão aos acontecimentos que rodeiam o G8 no Japão nos próximos dias?

Embora o discurso do G8 possa soar promissor, na verdade, os resultados destas reuniões têm-se traduzido em acordos bilaterais com países fragilizados, por séculos de colonização e desastres naturais. Em troco de perdões da sua dívida externa (já paga há muitos anos pela usurpação dos recursos naturais desses mesmos países) são obrigados a: retirar as taxas alfandegárias que protegem a sua economia local e a abrir mão dos seus campos agrícolas para monoculturas para exportação e agrocumbustíveis. Campos esses, que de outra forma seriam usados como sempre foram: para a subsistência alimentar das comunidades. Este direito à produção dos nossos próprios alimentos, pode parecer garantido na Europa, mas é um pouco por todo o mundo, o maior ataque às comunidades rurais que dependem da agricultura para a sua sobrevivência.

O Japão, anfitrião desta reunião dos 8 que se julgam os senhores do mundo, foi ainda recentemente na 9ª convenção da Biodiversidade das Nações Unidas, o fórum que engloba quase todos os países do mundo (fora por vontade própria: EUA, Argentina, Austrália, Canadá - maiores produtores de OGM´s!), o maior bloqueador de um consenso que se encontrava praticamente acordado. A conclusão seria um protocolo comparável ao de Quioto, onde os países se comprometeriam a tomar medidas necessárias e pouco ambiciosas, numa tentativa imperativa de travar já a dramática perca de Biodiversidade. A conclusão destas negociações (COP9) ficou adiado devido ao bloqueio do Japão e de uma pequena minoria de outros países que serviram de porta-vozes aos interesses comerciais representados por países como EUA e Canadá.

Esta foi uma acção de solidariedade com as lutas que movimentos sociais, como a Via Campesina, travam no dia-a-dia pela sobrevivência no meio rural contra a industrialização da agricultura, a monocultura do modelo de exportações imposto, a privatização do património natural por multinacionais.

Em solidariedade também com 13 activistas italianos que enfrentam uma acusação nos tribunais que pode levá-los a cumprir penas de 50 anos! São acusados de tomarem parte nas organizações do G8 em Génova 2001. A sua liberdade está em risco por lutarem por um mundo mais justo, democrático e transparente onde a liberdade seja genuína.
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Apelo da Via Campesina
«G8 à mesa é um mundo à fome»

Pela soberania alimentar - um pedido de reviravolta no sistema global de produção de comida.

“A Soberania Alimentar é o direito dos povos, das comunidades e dos países de definirem as suas próprias políticas agrícolas, pastorais, laborais, piscatórias, alimentares e territoriais, que se adeqúem às suas circunstâncias ecológicas, sociais, económicas e culturais. Inclui o direito genuíno à alimentação e à produção alimentar, o que significa que todas as pessoas possuem o direito a comida segura, nutritiva e culturalmente apropriada, aos recursos para produzir alimentos e ainda à capacidade de auto-sustentarem-se a si e as suas sociedades.”
in Declaração do Fórum para a Soberania Alimentar, Roma, Junho 2002

Nos dias 7 a 9 de Julho 2008, os oito países mais ricos do mundo vão reunir em Hokkaido, Japão, para discutir as actuais crises alimentar, petrolífera, climática e financeira.

Para eles chegou o momento mais propício de sempre para implementar o que a autora Naomi Klein intitulou ‘capitalismo do desastre’ (1) . Com o mundo incrédulo perante o colapso dos mercados, e com mão-cheia de argumentos cuidadosamente preparados e disseminados há meses, os representantes destes países e os seus aliados intergovernamentais, o Banco Mundial, o Instituto Financeiro Mundial e a Organização Mundial do Comércio, para além do lobby das grandes empresas transnacionais, vão insistir em replicar a receita que envenenou o planeta: mais liberalização do comércio, a eliminação de qualquer réstia de política de protecção do mercado interno por parte dos países em desenvolvimento, a promoção intensificada de fertilizantes e sementes industriais, a aceleração da incursão de organismos geneticamente modificados, a industrialização da agricultura africana e um pouco mais de ajuda alimentar como paliativo para a exclusão crónica dos mais pobres do sistema alimentar.

Os espantosos aumentos dos preços de cereais estão no entanto completamente dissociados dos problemas apontados pelos governantes e analistas: uma agricultura insuficientemente industrializada, o aumento da procura de comida em países em crescimento, as alterações climáticas, o aumento da população e mesmo a produção do etanol. A produção de cereais conheceu um recorde absoluto o ano passado (2), o suficiente para alimentar o mundo mais de duas vezes se distribuído equitativamente (3), os biocombustíveis, certamente uma ameaça a breve prazo, ainda só representaram 5% da produção de cereais em 2007 (4); a produção de carne consome de facto um terço dos cereais e monopoliza as terras agrícolas e a água, mas só tinha aumentado 3% (6) e a procura de cereais para consumo aumentou exactamente um porcento desde 2006 (6).

Os cereais estão mais caros não porque há mais bocas para alimentar, mas porque há mais dinheiro a competir por eles, em mercados de futuros onde se aposta numa escassez vaticinada. A crise alimentar é o resultado de políticas nefastas implementadas desde os anos setenta pelos países ricos e não de uma falta de produtividade: as pessoas morrem à fome não porque não há comida, mas porque não a podem pagar.

Os G8 e seus aliados instalaram um sistema de produção e distribuição alimentar de alcance global que deu primazia ao lucro sobre as necessidades humanas e correu milhões de produtores das suas terras, minou irremediavelmente a produtividade do solo enquanto envenenou o ar e a água e condenou perto de mil milhões de pessoas à fome crónica e malnutrição. Fez depender 70% (7) dos países em desenvolvimento das importações de produtos subsidiados do Norte, enquanto retirou o apoio às agriculturas locais, arrasando assim os mercados dos pequenos agricultores, favorecendo as monoculturas para exportação e eliminando eficazmente a auto-suficiência de dezenas de países na produção de comida. Ao abrigo dos acordos bilaterais e das políticas impostas em troca do saneamento da sua dívida, os países em desenvolvimento ficaram à mercê das empresas transnacionais, sendo as suas políticas agrícolas e tarifas aduaneiras completamente desmanteladas. A auto-suficiência foi substituída por um sistema verticalmente integrado de produção, distribuição e especulação de comida, inteiramente privatizado e patenteado e nas mãos de poucas dúzias de empresas gigantes.

A comida é demasiado crucial para ser uma comodidade sujeita à volatilidade do mercado liberalizado, tal como a agricultura é demasiado essencial à governância do nosso planeta para ser gerida como uma fábrica de produção em série.
Em solidariedade com La Via Campesina, com aquela metade do nosso mundo que vive na ruralidade, e em nome da humanidade, subscrevemos as seguintes medidas de inversão do rumo traçado pelos G8:

-Um regresso à independência e auto-suficiência dos povos em matéria de produção alimentar com o direito de determinarem as suas próprias politicas agrícolas.
-Uma nova governância das terras que inclui sobretudo os que as trabalham.
-O fim da dependência dos químicos, monoculturas e de sistemas de produção intensivos.
-A desprivatização dos recursos naturais como o solo, a água e as sementes, proibindo os assaltos ao solo fértil e à biodiversidade, a bio-pirataria e as patentes sobre as formas de vida.
-O fim das politicas intergovernamentais que entreguem o controlo sobre a agricultura a empresas transnacionais.
-O cancelamento imediato da obrigação de importar 5% do consumo interno e das cláusulas de acesso desprotegido aos mercados dos países em desenvolvimento.
-Retirar a negociação sobre a produção e distribuição alimentar do foro da Organização Mundial do Comércio, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, regulamentando o comércio alimentar dentro de mecanismos internacionais genuinamente democráticos, respeitando a soberania alimentar de cada país.
-O fim da especulação em torno da comida.

O mundo seria capaz de se alimentar a si próprio desde que as políticas alimentares e agrícolas se baseassem em factos e não em mitos. Chegou o momento dos países mais ricos assumirem a responsabilidade pela crise que geraram. Chegou o momento da soberania alimentar.

(1) Naomi Klein, “The Shock Doctrine”, 2007
(2)
FAO, Abril 2008
(3) ‘How we could feed the world’ – World Socialist Movement, 2006
(4)
FAO, Abril 2008
(5) World Watch Institute
(6) FAO, Abril 2008
(7) Katarina Wahlberg, “Are we approaching a global food crisis?”, World Economy & Development in Brief, Global Policy Forum, 3 March 2008

Outras fontes:

“Getting out of the food crisis’’- Revista GRAIN, Maio 2008

“Making a killing from hunger” – Revista Grain, Abril 200

Unnatural roots of the food crisis” - Gonçalo Oviedo in BBC news, Junho 2008

“Food Aid or Food Sovereignty? Ending World Hunger in Our Time” - Frederic Mousseau, Oakland Institute, 2005

Sites

Vídeo BBC World Debate: Food, who is paying the price?

Artigos

“Getting out of the food crisis’’- Revista GRAIN, Maio 2008

“Making a killing from hunger” – Revista Grain, Abril 2008

Unnatural roots of the food crisis” - Gonçalo Oviedo in BBC news, Junho 2008

“Food Aid or Food Sovereignty? Ending World Hunger in Our Time” - Frederic Mousseau, Oakland Institute, 2005

“How we could feed the world” – World Socialist Movement, 2006

Can Organic Farming Feed Us All?” – WorldWatch Institute, 2006