22.4.07

Retrato social de Portugal nas últimas décadas ( série de documentários-video)

Nota prévia: apesar de todas as reservas que levantamos à figura de proa e reponsável máximo desta série de documentários sobre as mudanças sociais registadas em Portugal, um trabalho encomendado da RTP ao coveiro da Reforma Agrária em Portugal, o certo é que nunca é demais proporcionar à população em geral os elementos, as informações e os dados para que estejamos em posição de analisar a História contemporânea do país. E se consideramos que isto não é propriamente sociologia, não negamos que pode ter virtualidades para abrir os olhos a muita gente, mostrar a historicidade da nossa sociedade...


Retrato social de Portugal nas últimas décadas

As grandes transformações sociais


As mudanças sociais verificadas em Portugal ao longo das últimas quatro décadas foram profundas e mais rápidas do que na maioria dos países europeus. Em certos casos, como na demografia, certas mudanças, medidas através dos indicadores sociais clássicos, ultrapassaram os valores médios dos países vizinhos.

A emigração, a guerra colonial, uma revolução política e social, a fundação do Estado democrático, a descolonização, uma contra-revolução, a adesão à União Europeia e a imigração foram alguns dos acontecimentos ou fenómenos históricos que marcaram estas quatro décadas e que resultaram ou aceleraram mudanças sociais profundas.

O sentido geral destas mudanças sociais foi o da aproximação dos padrões de vida europeus. Os indicadores demográficos, sociais e económicos portugueses parecem-se, cada vez mais, com os dos membros da União Europeia. Ainda há sinais relevantes que traduzem uma história específica, diferenças permanentes, um atraso real e circunstâncias especiais.

Mas nada permite afirmar hoje, como seria possível há poucas décadas, que Portugal mais parecia um país de outro continente. Os domínios do social e do económico foram mais dinâmicos do que o do político. Ainda a sociedade parecia imutável, nos anos sessenta, por causa do imobilismo político, e já as forças sociais, económicas e culturais registavam mudanças profundas, invisíveis à primeira vista.

A mudança política de 1974, a mais visível e a mais dramática, acelerou as mudanças sociais em curso. Mas foi ela própria preparada por aquelas. As mudanças sociais foram permanentes e contínuas. E começaram antes de 1974. A própria integração europeia, cujo início é costume datar de 1977, com a candidatura à Comunidade, ou de 1986, com a adesão efectiva, começou muito antes: com a emigração e o turismo dos anos sessenta, com a fundação da EFTA em 1959/60 e com o desenvolvimento das relações económicas e empresariais dos anos setenta.

As mudanças sociais e demográficas podem ser mais profundas do que as políticas, mas estas são mais perceptíveis, aparentemente mais radicais e têm um efeito acelerador. Removidos, com a democracia e a integração europeia, os obstáculos políticos, a mudança social e económica prosseguiu, depois de 1974, a um ritmo ainda mais rápido. Em todo este processo de mudanças rápidas ou graduais, invisíveis ou dramáticas, assistiu-se a uma permanente oscilação entre factores internos e externos. Mas sublinha-se a importância predominante dos factores externos: a emigração, o turismo, o comércio externo, os investimentos estrangeiros, os costumes, as modas, a ciência, a técnica, as artes, as mentalidades, a religião, etc.

Em certas situações, as sociedades não têm, dentro de si, forças, dinâmicas e dimensão suficientes para gerar uma mudança social acelerada. Sobretudo nos casos de sociedades pequenas, fechadas ao exterior, politicamente autoritárias, culturalmente viradas para si próprias, dotadas de insuficientes elites e com uma reduzida expressão das classes médias. Como era o caso de Portugal. Gradualmente exposto ao mundo exterior, mesmo contra ou apesar da vontade dos dirigentes políticos, o país encetou processos de mudança não programados. A abertura ao exterior terá sido a mais importante causa e consequência das transformações ocorridas.

Mas a sociedade não se limitou a digerir ou assimilar passivamente as influências externas. Pelo contrário, foi atravessada por acontecimentos e movimentos próprios, através dos quais teve de resolver os seus problemas atávicos, ultrapassar contradições, dirimir conflitos, encontrar as suas soluções e adaptar-se a novas situações. No que revelou uma notável plasticidade. Não era, com efeito, fácil, libertar-se um país de tanto quanto o condicionou durante décadas: a ignorância e a reverência; a delação e o medo; o autoritarismo e a repressão. Ao mesmo tempo que se separava de África e se voltava para a Europa; e que sacudia o paternalismo e criava uma República de cidadãos.

Ao fim de quarenta anos de uma quase correria, a sociedade, tão diferente do que era, encontra, não obstante, velhas questões. Mesmo se menor, a pobreza relativa de Portugal não deixa de ser causa das maiores ansiedades da população e dos seus dirigentes. Vivendo numa sociedade aberta de informação e conhecimento, de modas e de padrões de comportamento cosmopolitas, os portugueses partilham, as expectativas e as aspirações dos países mais desenvolvidos do mundo. Mas não têm, na sua economia, na sua cultura e na sua sociedade, capacidades suficientes para as satisfazer e concretizar.

As suas deficiências de organização, de formação técnica, de cultura, de produtividade, de rendimento económico e de eficácia dos serviços públicos são fonte de desequilíbrio e de frustração. Os portugueses habituaram-se, há séculos, a comparar-se com os europeus. E, apesar de muitas vezes resignados, não se conformam com os resultados das comparações: por mais depressa que andem, continuam muito atrás. Para um país que já foi pioneiro, é um pesadelo permanente.

É esta consciência do atraso que ajuda a alimentar a mitologia de uma identidade nacional muito especial. A de um país diferente, na dimensão, na glória passada e no carácter. A de um povo que, para se manter, deveria resistir à mudança e ao exterior. E, no entanto, o país moveu-se. A ponto de ficar um país como os outros.


Causas e efeitos da mudança
O que explica a rapidez das mudanças? Em primeiro lugar, o atraso inicial em que o país se encontrava. De certo modo, “queimaram-se etapas”, dado que os factores de mudança, sobretudo os externos, eram já dos novos tempos (comércio externo, turismo, emigração, etc.).

Portugal não era um “país subdesenvolvido” típico do Terceiro Mundo, onde os factores de mudança podem não ter grande impacto. Portugal encontrava-se já num estado de desenvolvimento capaz de absorver as influências externas e de, num primeiro momento, reagir e aproveitar o estímulo dos países e das economias mais avançadas. Segundo, o facto de alguns acontecimentos históricos terem acelerado a mudança, como por exemplo a guerra colonial, a revolução política, a descolonização e a integração europeia. Em terceiro lugar, as elites portuguesas (reduzidas, relativamente pobres e pouco cultas) já conheciam as possibilidades do mundo mais moderno.

Os portugueses (elites, classes médias, emigrantes, técnicos, etc.) tinham aspirações e expectativas muito acima das possibilidades que o país lhes oferecia. A mudança rápida tem, só por ser rápida, implicações e consequências. Representa uma espécie de “atalho”, na medida em que se podem saltar etapas de desenvolvimento e crescimento. Condiciona a solidez do desenvolvimento (aquilo a que os economistas contemporâneos gostariam de chamar “sustentação”). Na verdade, o que de mais evidente se revela é a falta de preparação, de ordenamento e de planeamento. As escolas superiores e as universidades, por exemplo, cresceram muito rapidamente em dez ou vinte anos (em unidades e instituições, em número de estudantes e de professores, em número de cursos, etc.). Acontece que, para esse crescimento, não havia edifícios, salas, professores, cursos, técnicos, laboratórios, etc., em condições, com qualidade e experiência suficientes. Foi necessário construir à pressa, recrutar docentes (desqualificados) à pressa, criar instituições à pressa, estabelecer “numerus clausus” com o único objectivo de limitar o acesso depois de verificado o excesso.

O resultado está à vista: ensino de má qualidade, cursos e diplomas desqualificados, desperdício de recursos, multiplicação de cursos e instituições, investigação muito deficiente, deficiente ligação das escolas à sociedade e às empresas, etc. O paralelo pode ser estabelecido com outras áreas e sectores de actividade. A urbanização rápida, acompanhada de especulação, de corrupção, de falta de experiência no ordenamento urbano, de ausência de hábitos e tradições de envolvimento colectivo no ordenamento, etc., criou a desordem urbana que hoje caracteriza as áreas metropolitanas de Lisboa, Porto, Setúbal e outras.

O crescimento económico dos anos sessenta e setenta criou oportunidades inéditas em Portugal e conduziu ao aparecimento de empresas e negócios, sem, todavia, bases suficientes: de capital, tradição, experiência, organização da produção, regras de comportamento entre patrões e trabalhadores, métodos de trabalho com o mercado, etc. O que contribuiu para que aquele crescimento económico notável repousasse sobretudo na força de trabalho barata, com reduzido investimento. O crescimento económico rápido, a mudança social rápida e a expansão rápida dos sistemas fizeram-se com reduzido sentido de acumulação e consolidação. Nos anos de crescimento europeu, Portugal cresceu sempre mais do que os outros. Mas, nos anos de estagnação e recessão (ou de choques, como os do petróleo), Portugal sofreu as consequências muito mais marcadamente.

A “nação” é a mesma. Pela cultura e pelo património; pela língua e pela memória; pelos valores e pelos mitos; pelas referências históricas e culturais; pelo sentimento de pertença e pela herança dos antepassados. Mas a sociedade é muito diferente. Mesmo se há costumes que se mantém. Há ainda traços especiais que criam a ilusão de que a mudança foi pouca. Por exemplo, o sentimento de atraso diante dos países europeus. A obsessão com a comparação com os outros povos mais desenvolvidos. A síndrome de fidalgo arruinado: a sensação de que Portugal foi, noutros tempos, um “grande país” e uma “nação desenvolvida”, tendo conhecido nos últimos dois ou três séculos um processo de regressão relativa. A desilusão contemporânea é motivada pelo abrandamento do progresso e do melhoramento.

Dos anos sessenta aos noventa, as melhorias foram constantes e muito significativas, em todos os domínios (emprego, rendimentos, qualificações, educação, saúde, cultura, comunicação, etc.). A partir dos anos noventa, surgiram regressões, estagnação, abrandamento e sobretudo o sentimento de esgotamento. Ainda por cima com a perda de ritmo relativamente aos países europeus. Nasceu a incerteza. Nasceu a dúvida. Os períodos de recessão ou de estagnação que se seguem a períodos de crescimento e desenvolvimento têm efeitos psicológicos muito profundos. Quem conheceu melhores tempos, quem viveu ritmos de progresso muito marcados, sente-se ameaçado pelo abrandamento, pelo esgotamento; sente que pode perder o que ganhou.

Há quarenta ou cinquenta anos alguns traços marcavam fortemente a sociedade: país pequeno, pobre, periférico e fechado. A pequenez manteve-se (eventualmente agravada pela descolonização). A pobreza também (mesmo se muito reduzida). A periferia também (mas esbatida pelas novas características das sociedades modernas, com a rapidez das comunicações, as estradas e auto-estradas, a globalização). O carácter fechado é que foi radicalmente alterado. Os factores externos tiveram decisiva influência: tornaram relativos os efeitos da pequenez; estimularam o crescimento económico, o que aliviou consideravelmente a pobreza; reduziu e esbateu as implicações da periferia; e provocou a abertura da sociedade. Na verdade, ainda hoje a sociedade sofre os efeitos desses traços ainda patentes: pequenez, pobreza e periferia. A pobreza dos portugueses é, por um lado, criada (Jorge de Sena: “Empobreceram-nos”!). Mas, por outro, tem origens de facto. As capacidades agrícolas são fracas, os solos estão cansados e são pobres e ácidos e chove de modo pouco propício à actividade agrícola. As capacidades pecuárias, por via do clima e da actividade agrícola, são reduzidas. Não existem recursos naturais nem matérias-primas próprias das eras industriais: carvão, ferro e outros minérios; nem da civilização de altos consumos energéticos: petróleo e recursos hidroeléctricos.

De certo modo pode dizer-se que o sentido geral de evolução da sociedade e da demografia (e da economia ou da cultura...) foi o de aproximação dos padrões de vida e comportamento dos europeus mais desenvolvidos, assim como da sociedade americana (neste caso, sobretudo nos aspectos económicos e culturais, menos na demografia). Qualquer que seja o ponto de vista ou de observação, o mais provável é que os indicadores de evolução portuguesa revelem essa aproximação. Por exemplo: mortalidade, fecundidade, dimensão das famílias, integração das mulheres na população activa, expansão do sistema escolar, aumento dos rendimentos familiares, terciarização, declínio das actividades agrícolas, abrandamento relativo das actividades industriais, desenvolvimento do Estado de protecção social, etc.

Em todos estes aspectos, a evolução rápida de Portugal foi sempre no sentido de se aproximar dos padrões europeus. No entanto, cada país, cada sociedade, em cada momento, faz esse caminho à sua maneira, com características próprias. O caso da integração das mulheres na sociedade pública e na economia é revelador deste duplo ponto de vista. Por um lado, passou-se em Portugal exactamente o que se passou nos outros países ocidentais. Por outro lado, os traços específicos foram reais: mais tarde no tempo; mais rápido; motivado directa e imediatamente pela emigração dos homens para a Europa e pela guerra colonial que retirava umas centenas de milhares de homens das actividades produtivas. Nação velha e Estado antigo. Povo com indelével sentimento de identidade e de independência. Povo com permanente sentido do seu passado e de uma grandeza pretérita. Gente com a sensação, desde finais do século XVIII e inícios do século XIX, de um atraso crónico e crescente relativamente aos outros países vizinhos.

O atraso económico, social, político e cultural dos portugueses é, há muito, um dos traços do património mental colectivo. Sociedade tradicionalmente muito hierarquizada e centralizada. O essencial da economia e da sociedade dependia do Estado central. Este (monarca ou Administração Pública) raramente conheceu rivais (senhores, príncipes, autarquias, empresas, grupos económicos, instituições) que desafiassem o seu poder. O poder central em Portugal teve sempre muito pouco contrapesos ou moderadores. A Igreja (a mais forte instituição fora do Estado) esteve, na maior parte do tempo moderno (século XVIII para cá), ligada ao Estado: foi um fiel parceiro. Quando assim não foi (em parte Pombal, os Liberais do século XIX, a 1ª República), estava afastada ou dominada pelo Estado. Hierarquias sociais muito rígidas e verticais ligadas a sistemas de patrocinado de Estado (aliança de poderes locais pessoais ou autárquicos ao Estado central).

Autoria: António Barreto; Produção: Rui Branquinho; Realização: Joana Pontes; Pesquisa Documental: Maria João Silva; Director de Som:Marcelo Tavares e Armanda Carvalho; Pós-Produção Audio: Paulo Mendes; Assistente de Produção: Marta Tavares; Fotografia: João Ribeiro; Música: Rodrigo Leão



Episódio 1 - ver aqui
Gente diferente: Quem somos, quantos somos e onde vivemos

Os portugueses são hoje muito diferentes do que eram há trinta anos. Vivem e trabalham de outro modo. Mas sentem pertencer ao mesmo país dos nossos avós. É o resultado da história e da memória que cria um património comum. Nascem em melhores condições, mas nascem menos. Vivem mais tempo. Têm famílias mais pequenas. Os idosos vivem cada vez mais sós.

Episódio 2 - ver aqui
Ganhar o pão: O que fazemos

O trabalho mudou muito nestas últimas décadas. A maioria dos portugueses trabalha nos serviços. Poucos trabalham na agricultura e ainda menos nas pescas. Muitos emigraram. As mulheres são metade das pessoas que trabalham, o que é uma grande diferença com o passado recente. Com a integração europeia, a economia portuguesa fez uma grande mudança. Todos vivem melhor, mas há muitas empresas que não conseguiram adaptar-se às novas condições
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Mudar de vida: O fim da sociedade rural

A sociedade contemporânea, urbana, era ainda há pouco tempo rural. Mudou muito depressa. Muitos portugueses emigraram, a maior parte saiu das aldeias e foi viver para as cidades e para o litoral. O campo está despovoado. As cidades cresceram. As estradas aproximaram as regiões. Nas áreas metropolitanas, organizou-se uma nova vida quotidiana. Há mais conforto dentro das casas, mas as condições de vida nas cidades são difíceis.
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Nós e os outros: Uma sociedade plural

Há quarenta anos, havia só um povo, uma etnia, uma língua, uma cultura, uma religião e uma política. Hoje, Portugal é uma sociedade plural. Primeiro a emigração e o turismo, depois a democracia, finalmente os imigrantes estrangeiros, fizeram de Portugal uma sociedade aberta. Falam-se todas as línguas, reza-se a todos os deuses, há todas as convicções políticas. Os Portugueses aprendem a viver com os outros


Episódio 5 - ainda não disponibilizado
Cidadãos
Com a sociedade aberta, a democracia, a integração europeia e o crescimento económico, os Portugueses são hoje cidadãos plenos pela primeira vez na sua história. Têm os direitos políticos e sociais e as respectivas garantias. As mulheres são iguais aos homens. Mas a justiça, que deveria acompanhar este progresso e adaptar-se à nova sociedade, tem dificuldades em garantir os direitos dos cidadãos.


Episódio 6 - ainda não disponibilizado
Igualdade e conflito: As relações sociais

As famílias portuguesas têm hoje mais rendimentos e mais conforto. Em vinte ou trinta anos, o bem-estar melhorou mais que nos cem anteriores. Cresceram as classes médias. Desenvolveu-se a sociedade de consumo de massas. O comércio, as modas, a escola, a televisão e a cultura fazem uma sociedade onde todos parecem iguais. Mas subsistem diferenças muito importantes de classes, de poder económico, de geração, de sexo e de região.


Episódio 7 - ainda não disponibilizado
Um país como os outros: A formação de uma sociedade europeia

Portugal já não se distingue, na Europa, como o país da ditadura, da pobreza e do analfabetismo. Embora ainda atrasado, os Portugueses são hoje cidadãos livres e têm acesso aos grandes serviços do Estado de Protecção Social. A educação, a segurança social e a saúde são para todos. Mas ainda há insuficiências, corrupção e desperdício. E deficiências na saúde, na educação, na segurança social e na justiça.
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www.rtp.pt/wportal/sites/tv/portugal_retrato/index.shtm