21.3.07

Manifesto - Por uma nova política para o trabalho sexual

Este manifesto foi publicado no jornal Público de 15/03/2007 e é subscrito por Alexandra Oliveira, Manuel Castro Silva e Fernando Bessa (Universidade do Porto, Universidade do Minho, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douto), com Johanna Schouten (UBI), Ana Lopes (Universidade de Coimbra) e Octávio Sacramento (UTAD)



No momento político e social em que vivemos, marcado por um debate intenso sobre o trabalho sexual, entendemos que devemos mobilizar os conhecimentos resultantes de anos de reflexão e interacção com os actores sociais que vivem do comércio do sexo. Como cientistas sociais defendemos uma acção articulada dos académicos críticos com os movimentos sociais e as suas lutas, combinando o saber académico com o engajamento, segundo o sentido atribuído por Bourdieu: o saber socialmente comprometido, que desafia e transcende a fronteira, definida como sagrada e inscrita nas nossas mentes, da separação entre o conhecimento científico e a intervenção no mundo exterior à academia.
A assunção generalizada de que a prostituição constitui por si mesma uma forma de violência sobre as mulheres não tem consistência teórica e empírica. A maioria das pessoas que exerce trabalho sexual não se define como vítima, nem considera que é sexualmente explorada, o que, independentemente de o ser ou não objectivamente, pressupõe respeito pelo seu modo de vida. Bastantes destas mulheres, homens e transgéneros têm considerável poder sobre si e a sua vida, entendendo que fazem um trabalho como qualquer outro, mas sem direitos.
A prostituição não se confunde com o tráfico de mulheres, embora por vezes se cruzem. Algumas das pessoas que se prostituem são vítimas desse crime, mas a grande maioria dos trabalhadores do sexo não tem qualquer ligação às redes de tráfico e exploração sexual, considerando-se no exercício da sua liberdade, ainda que eventualmente condicionada. A imagem da mulher imigrante enganada por redes de tráfico e exploração sexual, além de abusivamente generalizada, oculta as políticas restritivas da emigração e os problemas dos imigrantes.
São as leis em vigor que levam a situações abusivas e criminosas face aos candidatos a imigrantes e que impedem a justa legalização de todos os homens, mulheres e transgéneros que trabalham, incluindo os da indústria do sexo.As leis proibicionistas e abolicionistas são igualmente repressivas. Embora diferentes, elas aproximam-se quando instituem a criminalização da procura, forma indirecta de impedir o livre exercício do sexo mercantil. Os apoiantes destas leis simplificam conceitos, deformam factos, desqualificam os trabalhadores do sexo e colocam sob suspeita os que se lhes opõem.
Repudiamos tais medidas discriminatórias e conducentes a uma maior estigmatização e marginalização dos trabalhadores do sexo. Para além de não terem em consideração os seus interesses e as suas reivindicações, não combatem formas de exploração, dominação e violência a que estão sujeitos.A descriminalização de todos os aspectos do trabalho sexual e a sua aceitação como profissão são a melhor forma de defender os adultos que trabalham neste sector e que têm graves problemas por falta de condições de trabalho adequadas, protecção jurídica, representação sindical e interesse das autoridades em as proteger.
Defendemos a adopção de medidas de intervenção social e psicológica para os casos de exclusão, bem como o apoio a projectos de vida realistas e alternativos para os que desejem deixar o trabalho sexual. Consideramos importante haver programas de ajuda efectiva e de protecção às vítimas de redes de tráfico e exploração sexual, em articulação com medidas policiais e judiciais de repressão dos traficantes, e ainda a sua prevenção nos países de origem.
Como cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade mais tolerante, desafiamos o poder político a trabalhar na definição duma agenda progressista e inclusiva para o trabalho sexual, reconhecendo o direito de dispor do seu próprio corpo e de utilizar para satisfação do prazer de outros em troca de remuneração.