15.7.05
As Pedagogias Novas (ou pedagogias activas)
Contrariamente aos modelos pedagógicos baseados em concepções transmissivas do saber, onde a tarefa do aluno consiste na aplicação de um saber transmitido pelo professor, as pedagogias activas (pedagogia Freinet, pedagogia institucional, e GFEN) pretendem não tanto a apropriação de saberes do outro mas antes a construção dos seus próprios conhecimentos.
Como e sob que forma a reflexão sobre as diferentes práticas e teorias em matéria de educação poderá desembocar numa diferentes orientação do grupo educativo (turma, por exemplo)?
Um pouco de história
No fim do século XIX, Jules Ferry consagrou a escola obrigatória, laica e gratuita. Em 1899 é criado em Genebra a Secção Internacional das Escolas Novas com o objectivo de estabelecer relações de apoio científico entre as diferentes escolas novas.
Já na época quer os pedagogos quer o movimento operário nascentes se revoltavam contra a acção da Igreja e do Estado ( recordemos Ferrer, Paul Robin e Sébastien Faure). Os sindicatos organizavam, por seu turno, aulas à noite, universidades populares, tertúlias…Aparece depois a 1 Grande Guerra que acabou por ser um verdadeiro balde de água fria sobre todo o movimento operário e o internacionalismo. Foi necessário esperar pelo pós-guerra para o ressurgir do movimento pedagógico da Educação Nova.
Em 1921 é criada a Liga Internacional para a Educação Nova que passa a constituir um ponto de encontro das várias secções dos diferentes países e cujo objectivo era:
-preparar e ajudar a criança a realizar na sua vida a supremacia do espírito
- respeitar a individualidade da criança
- dar livre curso aos interesses inatos da criança
-reforçar o sentimento da responsabilidade individual e social
- fazer desaparecer a competição egoísta e substitui-la pela cooperação
-praticar a coeducação dos sexos
-preparar o futuro cidadão (…) como ainda tornar o ser humano consciente da sua dignidade de homem.
Em 1929 a secção francesa adopta a designação de GFEN e passa a ter como finalidades a difusão das ideias da Educação Nova e preparar os congressos internacionais.
No seio da GFEN desenvolvem-se cooperativas escolares graças à acção de Roger Cousinet e Célestin Freinet. A GFEN participa em numerosas comissões de trabalho e interpela a Frente Popular. As suas actividades cessam durante a guerra.
Os combates políticos
Os anos 30 são anos de fortes tensões sociais devido, por um lado, ao avanço do fascismo, e por outro, às expectativas criadas com o governo da Frente Popular assim como com a Revolução Espanhola. A derrota das democracia e o início da guerra vão interromper a acção dos movimentos emancipatórios. Será preciso esperar por 1945 para ver a retomada destas iniciativas e encontrarmos aplicações concretas nascidas no seio dos comités de resistência. Mas a situação está longe de ser a ideal apesar de nunca terem deixado de surgir grupos cujo objectivo era melhorar a sociedade por via da melhoria do indivíduo, através da construção de novas relações.
A Pedagogia Freinet
Célestin Freinet (1896-1966) é um dos pioneiros. Em 1920 é professor em Bas-sur-Loup onde começa a experimentar novas técnicas para os seus alunos ( trabalho de grupos, passeios de descoberta, etc).
A verdadeira revolução aparece com a tipografia na escola. Toda a pedagogia Freinet se baseia neste suporte. O trabalho cooperativo é necessário no momento da utilização da máquina. Assim como na escolha dos textos a imprimir. A distribuição das tarefas faz-se durante as reuniões da cooperativa. A escrita dos textos é feita em atelier de escrita livre. A leitura e a escolha dos textos são feitos colectivamente. A difusão e envio dos jornais impressos exigem a criação de outros ateliers, com a consequente estruturação escolar.
Para Freinet trata-se de realizar uma pedagogia do trabalho. O seu empenho político mostra a determinação em estar com os filhos das classes populares.
Em 1948 é fundado em Dijon o Instituto cooperativo da Escola Moderna que passa a ter como objectivo divulgar as técnicas Freinet. Tais técnicas assentam fundamentalmente dos seguintes princípios:
- A expressão, a comunicação e a criação em todos os níveis, sejam eles o dos textos livres, da correspondência escolar, das conferências organizadas pelos jovens, seja no uso de técnicas radiofónicas e cinematográficas…
- A autonomia, a responsabilização e a cooperação tanto ao nível da vida do grupo educativo como na distribuição das tarefas, no emprego do tempo e nas realizações.
- Aprendizagens personalizadas através de fichas autocorrectivas, e outros documentos que o grupo possa criar para a sua biblioteca de trabalho.
- A actividade experimental em matéria científica e tecnológica. O jovem constrói os seus saberes, através do seu exercício.
- O método natural e as saídas para actividades na natureza que partem sempre das vivências dos próprios jovens a fim que estes as possam trabalhar e adquirir novos conhecimentos.
A Pedagogia Institucional
Nos anos 60 e 70, e face aos bloqueios da escola-caserna nas cidades, surge uma cisão no movimento Freinet, visto como demasiadamente apegado às escolas de bairro. Surge então a Pedagogia Institucional graças ao encontro de Fernand Oury e Aida Vasquez. A Pedagogia Institucional reclama-se da pedagogia Freinet (correspondências, jornal escolar, cooperativa, conselho) acrescentado todo um trabalho em matéria de psicologia dos pequenos grupos, recorrendo à sociologia, psicanálise e desenvolvimento da personalidade.
Os responsáveis da Pedagogia Institucional recorrem à análise da práticas e de comportamentos (as monografias) e apoiam-se numa grelha triconceptual:
- as técnicas inspiradas em Freinet
- a dinâmica de grupos e os contributos da psicologia social
- a psicanálise e os trabalhos de Lacan, Dolto, Freud, etc
Porém, a Pedagogia Institucional diferencia-se claramente da pedagogia Freinet nos vários modos organizacionais:
- a utilização de meios que permitam a passagem a níveis de conhecimento e comportamento social
- o papel dos conselhos de jovens que gerem todos os problemas da vida colectiva, incluindo os conflitos.
-o papel do professor que chama a si o direito de veto quanto às decisões do conselho
- os tempos de uso da palavra que garantem um retorno do grupo sobre si mesmo ( diálogos pela manhã ou balanços do dia)
- a institucionalização de actividades ( ou serviços) geridos pelos jovens.
Ao fim e ao cabo o institucional é uma estrutura elaborada pela colectividade, tendendo à manutenção da sua existência, e assegurando o funcionamento de trocas de natureza muita diversa.
Na própria Pedagogia Institucional sobrevêm posteriormente uma cisão entre os que ficam ligados à psicologia e à psicanálise, virados essencialmente para o ensino especializado; e aqueles que defendem uma prática autogestionária.
O GFEN na actualidade
Foi nos anos 60-70 que se assiste a uma redefinição do seu campo de acção. Partindo da experiência de um conjunto de escolas do 20º bairro (arrondissement) de Paris, e graças ao trabalho desenvolvido pelo casal Bassis, o GFEN acaba por se definir como sócio-construtivista.
O jovens constrói o seu saber em confronto com o outro. Ele desenvolve acções que lhe permite apreender o sentido daquilo que ele próprio aprende. A realização de sessões de aprendizagem é feita mediante uma fase de questionamento colectivo, e uma outra de pesquisa individual, que convergem depois em colocar em comum as respectivas experiências através da confrontação de ideias. O importante não é tanto o resultado, quanto a tentativa.
A actual GFEN resume o seu programa e o seu desafio com um lema: todos capazes, todos investigadores, e todos criadores. Quem se reclama do GFEN apoia-se numa metodologia baseada em:
- tentativas de auto-socio-construção em todos os domínios
- projectos de alunos que mobilizam os esforços e dão sentido às aprendizagens
- os conselhos de alunos que gerem a vida colectiva, e estabelecem as regras de vida.
As 3 correntes apoiam-se em instituições, no sentido dado ao termo pela Pedagogia Institucional - caderno de acções, conselho, projectos, lugar à palavra, afixação das tarefas e seu tempo, regras de vida, tomada de decisões, organização cooperativa, trabalho de grupo e individual, debates, investigação e ensaio, direito ao erro, respeito por todos – e inspiram-se em trabalhos da pedagogia, da sociologia e da psicologia. Mas não deixam de ter importantes diferenças quer no seu historial, nas suas respectivas definições ( escola activa, moderna ou nova; centro de interesses, projectos) quer nas suas prioridades.
Importante é não esquecer o contexto histórico em que se enquadram estes movimentos a fim de não se perder de vista as implicações destas pedagogias no ambiente social e político envolvente. Não é certamente por acaso que todos os grupos da Educação Nova se referem à cidadania e às implicações sociais que estão subjacentes às suas propostas. A isso também não é estranho todos os movimentos que apostam na cooperação tais como o OCCE, os CEMEA, as associações e redes de cidadãos, as universidades populares, escolas experimentais e alternativas.
Os pressupostos
A educação nova desenvolve as suas práticas com base em pressupostos, assim como em determinadas representações sobre a educação, o seu papel e o seu funcionamento.
Um pessoa em construção
A criança não chega à escola sem nada consigo. Ele já vêm impregnado por tudo o que viveu antes da escola e por tudo o que vive fora do tempo escolar, o que implica que o professor o considere como um ser em transformação, que se constrói todo os dias de maneira diferente.
As metodologias que o professor escolhe para ajudar a criança a construir-se são importantes, para que mais tarde ela possa ter confiança em si mesma, e seja capaz de investir toda a sua individualidade nas tarefas solicitadas sem receio de fracasso.
«A escola deve ser um meio protegido em que as crianças constroem relações de qualidade com as outras crianças e adultos. Quando se sentem reconhecidos, tomam consciência que se vão tornando cada vez mais adultos, e vão aprendendo, as crianças vão ganhando confiança neles próprios e logo experimentam o prazer de virem à escola»
Tudo isso implica que no grupo educativo e na escola existam adultos responsáveis que aspiram a formar «indivíduos capazes de inovar em lugar de travar o passo às novas gerações, e com espírito inventivo e criador, verdadeiros descobridores».
Princípios de base são comuns a todas as Pedagogias Novas: reconhecer cada crianças como um pessoa; dar a cada criança espaço e o reconhecimento que ela tem necessidade para se desenvolver; permitir à criança ser responsável e actor da sua vida em torno da comunidade educativa.
No grupo educativo ( na turma, por exemplo) deve haver um espírito que permita às crianças de se construir a si mesmas, através de um percurso pessoal, na medida em que cada qual evolui de modo diferentes segundo o estádio em que se encontra (conferir Piaget). A crianças deve ter a possibilidade de aprender a aprender de forma a que a construção da criança e do saber se façam ao mesmo tempo. Isto significa que o professor deve adaptar regularmente os saberes que pretende que a criança construa, permitindo que a criança se situe na sua construção e no seu desenvolvimento individual.
Todas as crianças são capazes
Trata-se antes de mais de fazer uma aposta no futuro e na capacidade das crianças. Todos sabem, desde as investigações de Bourdieu, que as desigualdades sociais constituem outros tantos factores de desigualdades escolares: as classes populares falham quando as classes favorecidas possuem os instrumentos conceptuais e culturais próprios da escola. A escola assenta numa violência simbólica e cultural sobre as crianças provenientes destas categorias sociais. Ao invés desta tendência, a Educação Nova defende uma lógica de sucesso para todos.
O que significa ter sucesso
Não significa avaliar as crianças segundo uma norma única mas levar em conta o seu trajecto e a sua evolução. Se o critério do sucesso é o domínio da cultura burguesa, certamente que muitas crianças encontrarão à partida um handicap. Mas se o sucesso é saber posicionar-se enquanto individuo na colectividade, sabendo defender as suas ideias, com base na sua própria cultura, então está tudo por definir. Sublinhe-se ainda que a dimensão temporal, evolutiva, é importante. É preciso levar em conta a evolução da criança. Algumas delas adquirem certas noções menos rapidamente que outros, mas isso não tem grande relevância.
Os interesses das crianças
É preciso, em segundo lugar, partir das vivências das crianças, da sua cultura de origem, qualquer que ela seja ( estrangeira ou operária). Partir dos centros de interesse das crianças, valorizar os elementos que se considera interessantes na cultura dos pais, associando estes à vida da turma (do grupo educativo) convidando-os regularmente, eis uma prática que permite a integração da criança e não a coloca em conflito com a instituição escolar. É completamente falso pensar que as crianças não tenha, nenhum interesse especial. Ora trata-se de as deixar emergir.
Uma aposta pascaliana
A aposta é sobre a capacidade de todos nós em melhorarmo-nos e disponibilizar os meios para que tal seja possível. Daí a necessidade de lançarmos sempre um olhar sobre a criança como alguém capaz.
Não o rejeitar ou o categorizar como alguém a quem não há mais nada a fazer. O uso de contratos de trabalho individuais, de projectos individuais ou colectivos, permitirão dar à criança a sensação de progressão e de sucesso. Para um será não incomodar os seus colegas; para outro, compreender a multiplicação; para um terceiro será conseguir exprimir-se melhor. Cada qual tem objectivos em função da situação em que se encontra. Claro que existem aulas colectivas para todos avançarem, mas nada de uniformizações. Além disso, actividades de remediação serão realizadas assim como se organizarão grupos de entre ajuda.
A criança constrói-se com os outros
A criança como o adulto tem necessidade do outro para existir, pois é graças à imagem que o outro me envia que eu posso construir-me a mim próprio, identificar-me como um indivíduo, e como um ser social.
Há vários modos para aprender a utilizar o outro para se construir. Na escola isso acontece no meio de grupo educativo. É vivendo com o outro que a criança compreende a necessidade de regras colectivas para reger o grupo. A criança aprende pouco a pouco, pela cooperação, a confrontar-se com o outro, depois a afirmar a sua pessoa ao mesmo tempo que aprende a trabalhar em comum para se enriquecer. O grupo permite aprender a falar, exprimir ideias, a dar opiniões, argumentar e mostrar o seu desacordo. É graças ao outro que a criança aprende a situar-se e a exercer a cidadania.
O papel do professor
O professor é o que institui a sua turma ( grupo educativo), as regras, o funcionamento geral cujas regras são definidas pelos alunos no seio das instituições: conselhos, ateliers, balanços, etc. Ele é o garante de um espaço privilegiado de encontro, de confrontação, de troca. A nível legal, ele é o responsável de tudo o que tem a ver com a segurança, a aquisição de conhecimentos definidos pelos programas. Ele não se desresponsabiliza, mas coloca o seu poder na colectividade de indivíduos. E, como indivíduo, tem uma palavra a dizer, a fazer valer. O que prescinde é de ser o dono da palavra relativamente às crianças.
As tentativas
O professor realiza tentativas para a construção do saber. Tem toda uma preparação atrás de si para poder mobilizar. Mas uma boa ficha de preparação não basta: a maneira como se comporta é fundamental. Deve criar as condições para cada um possa confrontar-se com a problemática em causa, as suas realidades e as suas contradições.
O ambiente de trabalho, a organização do espaço e dos tempos são o seu domínio, e todos sabem quanto o domínio do espaço e do tempo são um verdadeiro poder naquilo que induzem como relações sociais.
Dar sentido
O professor desempenha pois um papel no ambiente da turma. Quebrando relações de competição, instaurando relações cooperativas, fazendo emergir problemas, os não-ditos, e lançando-os para o debate, o professor coloca os seus alunos numa dinâmica de cidadania e de respeito para com os outros. As crianças não são colocadas no índex. Fazem parte integrante dos projectos da turma. Aprendem de outra maneira, ao ver a utilidade daquilo que aprendem, e aplicando as aprendizagens na sua vida real, compreendem o sentido dos saberes adquiridos. O professor tem uma função a desempenhar ao nível da concepção do saber. Deve colocar a criança numa dinâmica de construção activa ( aprender por si, verdadeiramente, e não para agradar aos outros, ou por obrigação)
O professor avalia, com o aluno, o trabalho realizado, assim como as dificuldades encontradas. Encaram ambos as sequências a dar a partir daí. Também aqui o professor tem um importante papel ao encarregar-se de abrir as pistas desconhecidas da criança.
Transmitir valores
O professor é portador de valores e, mesmo quando ele deixa a escolha aos alunos, ele deve fazer valer o seu ponto de vista quando as discussões se virarem para soluções injustas de exclusão ou punições humilhantes. Se o professor segue práticas diferentes, é porque há outras concepções sobre o indivíduo e do seu lugar na sociedade. Ele não entende que as crianças reproduzam aquilo que ele condena. Se quiser fazer evoluir as coisas, ele procura durante as reuniões pedagógicas, de leitura, e nos grupos de opinião, elementos de reflexão e práticas que possa partilhar com os seus alunos.
Ele deve estar sempre em busca de novos elementos, ousar testá-los. Com certeza, que pouparia trabalho se refugiasse atrás de práticas com garantia de «sucesso». Toda a experimentação é desestabilizante e é ela que é portadora de ensinamentos. Ele questiona os apriorismos. Claro que é necessário tempo para que as inovações se institucionalizem e encontrem as suas regras de funcionamento. O ensino tem de aguentar-se, apesar das dificuldades e eventuais fracassos. Não se pode estar sempre a inovar.
O professor deve perturbar as crenças estabelecidas, mas nunca criar insecurizar os seus alunos.
Deve, no momento oportuno, fornecer as ferramentas que os alunos podem ou não aproveitar.
Construir saberes
Na construção do saber, o professor tem um lugar central, não porque tudo gira à sua volta, mas por causa da sua disponibilidade e apoio que pode dar.
Não se aprende o que lhes foi dito e repetido. É preciso testar, colocar questões, lançar-se numa pesquisa individual ou colectiva para que elementos novos possam ser integrados na nossa concepção do mundo.
O professor não tem solução a dar mas ajuda à problematização e fornece os instrumentos conceptuais e materiais para a sua resolução.
Aprender é inventar
Não se trata de transmitir directamente a boa resposta, mas favorecer as pesquisas, as trocas verbais e procedimentais, ajudar os alunos a colocar hipóteses, a testá-las, fazer observações, argumentar e explicar.
Ou seja, «eu procuro, logo aprendo.»
( texto publicado no Le Monde Libertaire de 17 de Junho de 2004)