28.5.05

Amazónia devastada



A perda no ano de 2004 de 26.000 quilómetros quadrados de selva amazónica no Brasil ( uma superfície correspondente à da Galícia) provocou a comoção fora e dentro do Brasil.Esta enorme devastação mostra que nem as promessas do governo brasileiro de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva estão a conseguir parar a hamorragia nesse pulmão de oxigénio da humanidade, o maior bosque tropical do mundo, e que, além disso, possui a maior riqueza de biodiversidade do planeta.
Se não se conseguir estancar essa hemorragia da selva - que se encontra desflorestada já em 17,5% segundo o Fundo Mundial da Natureza (WWF) – a região converter-se-á daqui a 50 anos num deserto ou, no melhor dos casos, numa enorme plantação de soja e da pastagens para o gado, com todas as sequelas que isso representaria não só para o Brasil como para todo o mundo. Com efeito, a Amazónia continua a ser o pomo da discórdia no Brasil, um verdadeiro campo de batalha entre a preservação ecológica e o desenvolvimento.
Vilmar Locatelli, assessor da Comissão Nacional da Amazónia, declara que, segundo estudos realizados por via satélite, o ritmo de desflorestação da selva e o aumento do efeito de estufa «podem provocar sérias alterações ao clima amazónico», acrescentando: «Sem a selva, as chuvas vêm-se reduzidas entre 20% e 30% e a temperatura média poderá subir entre 3 a 5 graus.»

Quem são os responsáveis? O Governo brasileiro defende-se pela boca do Secretário da Biodiversidade do Ministério do Ambiente, João Paulo Capobianco, afirmando que o Plano de Prevenção e de Controle da Desflorestação da Amazónia ( lançado pelo Presidente Lula no ano passado, e no qual participaram 13 ministros, e de cujo responsável é o todo poderoso ministro da Presidência, José Dirceu) ainda não pode dar frutos «porque só tem poucos meses de funcionamento». Da parte da oposição respondeu um dos melhores líderes da defesa do meio ambiente, o deputado do Partido Verde (PV), Fernando Gabeira, que não hesita em declarar que o problema para o famoso Plano «não estar ainda a funcionar se deve à falta de recursos e porque o mi nisto Circeu ainda não pôs os pés na Amazónia».

Para os observadors o grande problema que se defronta o Brasil é como conciliar o actual desenvolvimento económico (centrado no agronegócio, em especial na soja e na pecuária) com a defesa dos seus bosques, da sua madeira preciosa, dos seus rios, sem os contaminar ( recorde-se que o Brasil possui 23% da água potável do mundo), da sua biomassa e das suas imensas jazidas de minerais preciosos, principalmente diamantes.

A Amazónia é um território de 5 milhões de Km2, com apenas 275 fiscais para vigiar – um fiscal por cada 18.000 Km2 -, uma região cobiçado por tudo e por todos, inclusive pelas 27 grandes multinacionais que operam na região.

Neste momento, o Brasil é o segundo exportador da soja do mundo, depois dos Estados Unidos, e um dos maiores vendedores de carne. O consumo de carne brasileira na Europa, assim como da soja, é uma das principais causas para o aumento da desflorestação da Amazónia, segundo David Kaimowitz, director geral do Centro Internacional de Investigações sobre Bosques Cifor). A União Europeia importa do Brasil quase 40% das 578.000 toneladas de carne bovina que é consumida anualmente no Velho Continente. O número de cabeças de gado no Brasil já ultrapassa os 60 milhões, dos quais mais de 30% encontram-se na Amazónia. Brasil controla já, neste momento, 20 % do mercado mundial de carne bovina.

Para o cultivo da soja e para as pastagens do gado cortam-se milhões de árvores.
80% da madeira usada no Estado de São Paulo é de procedência ilegal.
Os especialistas calculam que por cada árvore cortada, destroem-se outras 10, das quais 6 nem sequer é aproveitada.

A defesa da Amazónia estava consagrada no programa eleitoral do Presidente Lula, que pôs à frente do Ministério do Ambiente Marina Silva, filha de uma família muito pobre do norte do país, e que conseguiu chegar a senadora, depois de ter sido sindicalista. O próprio Presidente Lula sempre defendeu o princípio que a Amazónia não poderia converter-se num «santuário intocável» e que deveria desencadear-se na região um processo de desenvolvimento económico sustentável, ou seja, compatível com a preservação da diversidade e da riqueza natural. «Não queremos proibir, queremos regular, fazer as coisas civilizadamente», disse Lula.
O governo Lula tomou toda uma série de medidas para tentar travar a ocupação ilegal da selva amazónica ameaçada. Para tanto,incentivou um moderno sistema de vigilância aérea, capaz de detectar os incêndios, a desflorestação e a ocupação ilegal. Exigiu ainda o registo de todos os proprietários de mais de 300 hectares a fim de os obrigar a demonstrar que eram terras legitimamente adquiridas e não por meios ilegais. Dispôs-se a conceder 13 milhões de hectares de áreas públicas da Amazónia para um uso económico sustentável em 10 anos, a fim de evitar as invasões ilegais e a ocupação das terras públicas. Ao mesmo tempo decidiu a criação de dezenas de parques naturais, dentro da selva amazónica, a fim de os blindar à pilhagem. Os resultados, todavia, tardam a surgir.
A ministra Silva, que perdeu quase todas as batalhas dentro do seu governo e no Parlamento, começando pela guerra contra os transgénicos, preferiu atacar, depois de saber dos últimos dados relativos à destruição da natureza amazónica, a sociedade brasileira e a sociedade internacional que, segundo ela, «critica a desflorestação da Amazónia, mas continua a consumir produtos que contribuem para essa mesma desflorestação».

O que é difícil explicar, é como o Brasil, possuindo a legislação mais exigente e moderna sobre a defesa da natureza e dos seus santuários, não consiga travar à sua devastação, nem parar as pistolas que assassinam todos quantos se opõem à essa destruição, como foi patente a recente execução da religiosa norte-americana, naturalizada brasileira, Dorothy Mãe Stang que há 40 anos lutava contra a pilhagem e a devastação da Amazónia , e cujo assassínio revelou à comunidade internacional as extremas dificuldades em levar à prática a lei, face às conivências entre terra-tenentes, polícias, políticos locais e juízes corruptos numa trama de impunidade contra a qual se desfazem os esforços governamentais. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, do Episcopado do Brasil, entre 1985 e 2004, registaram-se 1.349 assassinatos de pessoas empenhadas contra os saqueadores da Amazónia. Desse total, só 75 desses assassinatos foram a julgamento, e apenas 15 pessoas acabaram por ser condenadas. Todas elas, acrescente-se, apelaram da sentença.

Referindo-se aos responsáveis pela desflorestação, o diário Globo afirmava no seu editorial na passada 3ª feira: «São sempre os mesmos, como também é sempre a mesma ineficiência do Governo na preservação do maior património natural do país.»


Como nota de curiosidade saiba-se que o actual Governador do Estado do Mato Grosso é Blário Borges Maggi, 50 anos, quem chamam o rei da soja, por ser o maior produtor mundial de soja, controlando a sua família o Grupo Amaggi, um gigantesco grupo empresarial, sedeado no Estado do Mato Grosso, que factura mais de 600 milhões de dólares e que é responsável por uma área de cultivo de 50.000 hectares de soja, 12.000 hectares de milho e 2.500 hectares de algodão. O grupo produz 2,2 milhões de toneladas de soja, o que representa 5,2 % da produção nacional brasileira.
Resta acrescentar que Maggi é visto como o inimigo número um por parte dos ecologistas que o acusam de ser o maior responsável pela desflorestação da Amazónia.


Estima-se que na Amazónia seja um santuário onde estejam albergadas 30.000 espécies de plantas, 2.500 espécies de árvores, 3.000 tipos de peixes diferentes, e um terço da madeira tropical do planeta. É também na Amazónia que se registam em cada ano,mais de 300.000 incêndios, uma grande parte provocados pelos madeireiros, criadores de gado e agricultores.

Recorde-se que o prestigiado intelectual brasileiro, que já foi Ministro da Educação do governo de Lula, e ex-governador de Brasília, Cristovam Buarque, autor de mais de 40 livros, afirmou num dos seus célebres textos:
«Como brasileiro, estou contra a internacionalização da Amazónia, apesar da degradação ambiental desse património. Mas como humanista, admito essa hipótese. Mas então, que se internacionalizam também todas as reservas de petróleo do mundo, todos os museus e toda a infância para que deixe de haver fome e haja direito à educação»

(tradução do texto publicado no El País de 28 de Maio de 2005)