Segundo o Banco de Portugal, o conjunto das famílias portuguesas deviam 117% do seu rendimento anual em finais de 2004. De acordo com as previsões, a dívida vai subir ainda mais este ano.Trocados por miúdos, estes números significam que as famílias que contraíram empréstimos recorrendo ao crédito teriam de trabalhar mais de um ano, sem gastar um cêntimo em alimentação, vestuário, saúde, escola, transportes, livros, férias – sem pagar um tostão em nada! -, apenas para poder pagar o que devem! (…)
Como é possível? Pois graças aos méritos do abençoado sistema de mercado. Este novo deus garante-nos que é preciso produzir cada vez mais, a mais baixo custo e consumir cada vez mais. Portanto, é indispensável gastar, gastar sempre mais – mesmo quando já não há dinheiro para gastar. Que importa! A publicidade existe para criar as apetências e o crédito para engordar a carteira vazia. (…)
Excluindo, como está, que os portugueses sejam globalmente estúpidos, inconscientes ou incapazes de deitar contas á vida, sobram as razões evidentes que os levam a hipotecar o real para sobreviver no virtual. Esses motivos são os estímulos da publicidade, a par do incitamento ao crédito. Enquanto a publicidade procura vender o máximo, a todos, fazendo crer a cada um que é diferentes dos outros, as instituições de crédito concedem empréstimos ao consumidor, tentando passar a ideia de que o crédito não custa dinheiro. (…)
Tenho dificuldade em imaginar o Governo (…) a pedir a todos os vendilhões de sonhos e de supérfluo que deixem de fazer publicidade – e a pedir aos v«bancos que deixem de conceder crédito como quem empresta corda a um enforcado… A pedir e, menos ainda, a exigir. Se exigência houver, receio bem que seja dirigida ao cidadão (…) para que tenha o bom senso que manifestamente falta a um sistema de mercado…
(excerto de um artigo de José Manuel Barata-Feyo, publicado na revista «Grande Reportagem» de 28 de Maio de 2005, sob o título «A nova pirataria»)