24.11.09

Sarajevo é brincadeira; aqui é o Rio de Janeiro ( a propósito da violência policial no Brasil)



Texto retirado do blogue: http://grazaza.blogspot.com/



SARAJEVO É BRINCADEIRA AQUI É O RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro possui a polícia mais violenta do mundo.

O grau de letalidade da polícia carioca supera todas as polícias dos Estados Unidos somadas. Nos últimos sete anos, as mortes provocadas pelas ações policiais cresceram 298,3%. Hoje são mais de três pessoas por dia mortas pela polícia.

O perfil das vítimas é conhecido: jovens do sexo masculino, pretos, pobres, moradores de favelas e periferias e de baixíssima escolaridade.

Marcelo Freixo, 2006



Vivemos uma Guerra, não declarada, mas uma Guerra instituída, dita civil. Acostumamos-nos com as cenas de violência explícita, gratuíta, assustadora. Tiroteios são comuns, crianças assaltando aos bandos são comuns, corpos estendidos são comuns, e em meio a esta cartarse, em quem devemos confiar? Na polícia, deveria ser a resposta mais coerente. Mas no caso brasileiro, especificamente no caso carioca, a coisa não é bem assim...

Se fores parado, em uma blitz policial, a noite, no Aterro do Flamengo por exemplo, certo que serás assaltado, por quem acima de tudo, deveria estar ali para nos proteger. Os famigerados R$ 50,00 cobrados pela corrupta Polícia Militar Carioca, é conhecido por todos. Raras são as exceções em que serás liberado sem ter que deixar a significativa quantia para o "cafézinho" da galera, mesmo que estejas com documentação em dia, impostos pagos, sempre encontrarão uma coisinha boba para consumar o fato extorsivo.



Mão na cabeça; assalto? Não, é a polícia
São pagos pra proteger, mas te tratam como ladrão
Quem é que vão proteger, então?


Não é mais só nas favelas, que a PMERJ vem estrelando sua capacidade mágica de fazer "desaparecer" corpos de cidadãos assassinados impunemente. Na Barra da Tijuca, nobre bairro de Classe Alta, tivemos dois casos recentes desta habilidade. A jovem engenheira Patrícia que voltava de uma festa na Lapa, e que segundo a família - foi abordada em uma blitz policial, sendo seu carro encontrado dentro das águas e seu corpo e situações reais do acontecido, nunca esclarecidas. E o caso da comerciante chinesa Ye Guee que ao sair de uma casa de câmbio, com quantia significativa de dinheiro, foi abordada por uma viatura policial e pimba, nunca mais... Nas favelas, a lista de nomes é imensa... mas quando mata-se favelado, é diferente, no máximo uma mãe, uma irmã desesperada no noticiário, depois ninguém mais saberá o nome das vítimas, seja o menino que saiu pra comprar pão, seja o trabalhor que regressava tarde da noite depois de uma jornada exaustiva.


Quem foi a praia do Arpoador, Zona Sul - Rio de Janeiro, este final de semana teve a real dimensão do des-preparo da Polícia de Sérgio Cabral, nosso saudoso governador. O Grupo de Operações Táticas, leia-se os mais bem preparados políciais da corporação, aqueles que conseguem imobilizar sequestradores - isso quando não acertam na cabeça das vítimas - dispararam três tiros em um sujeito suspeito, que ameaça banhistas com um "canivete". Não defendendo o "elemento", que tava mais pra malucão, do que para qualquer outra coisa, e que deveria sim, ser detido, levado, penalizado, mas não com sua vida.

Ora, um grupo especializado, com certeza em número superior a "um" - o cara do canivete, conseguiria imobilizar o sujeito sem ter que sujar de sangue as areias da praia lotada e cheia de crianças. O que mais assusta, é a incapacidade de ação, e a opção pela concepção de assassinatos. Cada vez mais, e em plena arena, diga-se areia, para o povo todo ver...


O triste episódio trouxe à tona:

A filosofia do "atirar para matar" da Polícia Militar;
Seu despreparo para agir nestas situações;
A discussão sobre a possibilidade de ampliação no uso de armas não letais, para este tipo de circunstância;
O prognóstico assustador da aprovação de grande parcela da população civil, levantando a máxima de que "ladrão bom, é ladrão morto";

Não podemos deixar de levantar a bandeira dos Direitos Humanos, frente a essa maré "fascista" de limpeza social. Vivemos um ápice da violência, a desigualdade social e de oportunidades se agrava a cada dia. Nosso sistema penitenciário é um fracasso pleno e pouco se discute suas necessárias reformulações. Nossas cadeias funcionando como pós-graduações para o Crime organizar-se, e lá de dentro os detentos chaves, comandam ações de seus grupos aqui fora. Com dinheiro e bons advogados, conseguem rapidamente suas reduções de pena, e demais flexibilizações que o sistema fornece.


Temos que cuidar nossas crianças, orientá-las, educá-las, alimentá-las, não permitindo que continue a formação de exércitos de bandidos como vemos na maioria dos bairros de periféria espalhados por este país. A bandidagem rola solta, todos sabemos, é cruel e nefasta, mas nossa polícia não pode ser assim também. As corporações devem ser organizadas sob valores, ética, razão. Com melhores salários, mais treinamentos, uma vez que é composta de trabalhadores, pais de família, filhos, que devem ter condições dignas de vida para poderem exercer com plenitude suas funções de manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos, e não evoluirem para uma nova versão, miliciana, de bandidos fardados.

Para o alto escalão da PMERJ o fato citado do Arpoador foi um sucesso. Para boa parcela da nossa Opinião Pública também...

E aí??? é essa a mentalidade que queremos transmitir?

Discutir a raiz do problema é um buraco bem mais embaixo, onde, infelizmente, nem todos querem descer.

Por Graziele Saraiva