17.6.09

The Devil's Miner, filme de Kief Davidson e Richard Ladkani, passa amanhã ( dia 18, pelas 22h.) na livraria-bar Gato Vadio


Depois da bonita presença de 34 pessoas na última sessão de cinema latino-americano, que criaram no pátio vadio um espírito solidário com as lutas sociais na Argentina, convidamos os interessados a aparecerem para mais uma noite dedicada ao cinema da América Latina amanhã, dia 18 de Junho, pelas 22h. na livraria-bar Gato Vadio, para ver o filme The Devil's Miner, de Kief Davidson e Richard Ladkani, sobre as minas bolivianas e o drama das crianças que nelas trabalham.

Quinta-feira, dia 18 de Junho, 22h
Gato Vadio
livaria-bar
Rua do Rosário, 281 Porto

Entrada Livre


Dizem que até as ferraduras dos cavalos eram de prata, no auge da cidade de Potosi. De prata também eram os altares das igrejas e as estatuetas dos anjos nas procissões. Em 1658, para a celebração do Corpus Christi, as ruas da cidade foram desempedradas, da matriz até a igreja de Recoletos, e totalmente cobertas com barras de prata.

Sim, em Potosí a prata levantou templos e palácios, mosteiros e casinos, foi motivo de tragédia e de festa, derramou sangue e vinho, incendiou a cobiça e gerou desperdício e aventura, onde a espada e a cruz, dos capitães e apóstolos, soldados e frades, marchavam juntas na conquista e na espoliação colonial.

Fonte abundante da prata da América, Potosí contava com 120 mil habitantes no séc. XVI, a mesma população que Londres e mais habitantes do que Sevilha, Madrid, Roma ou Paris. Era uma das maiores e mais ricas cidades do mundo, dez vezes mais habitada do que Boston, no tempo em que Nova Iorque não tinha ainda esse nome.

“Vale um Peru” era o elogio máximo às pessoas ou às coisas durante o século XVII. Já Dom Quixote de la Mancha advertia Sancho Pança com outras palavras: “Vale um Potosí”. Convertidas em bolas e lingotes, as vísceras da rica montanha alimentaram substancialmente o desenvolvimento da Europa. O descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, o extermínio, a escravização e o sepultamento dos indígenas nas minas, a par do saqueio das Índias Orientais e da conversão do continente africano em local de caça de escravos negros, são os feitos que assinalam os primórdios da acumulação de riquezas com que ainda hoje o mundo ocidental se sustenta e que justificaram (e justificam) uma lógica de evolução económica baseada no roubo e no massacre.

Na América Latina, as regiões mais marcadas pelo subdesenvolvimento e pela pobreza são aquelas que no passado tiveram, paradoxalmente, laços mais estreitos com a metrópole e que desfrutaram de períodos de auge. Potosí oferece um exemplo mais claro desta queda no vazio. E talvez não seja assim tão paradoxal…

A sociedade potosina, doente de ostentação e desperdício, só deixou na Bolívia a vaga memória dos seus esplendores, as ruínas dos seus templos e palácios, e oito milhões de cadáveres de índios. A Bolívia, é hoje um dos países mais pobres do mundo, substrato da riqueza dos países mais ricos, e Potosí, uma das mais pobres cidades da pobre Bolívia. Esta cidade condenada à nostalgia, atormentada pela miséria e pelo frio, é ainda uma ferida aberta do sistema colonial na América, uma acusação ainda viva.

Como reza a lenda, em três séculos a Espanha recebeu tanto metal à custa de tantas vidas de Potosí que dava para fazer uma ponte de prata desde o cume da montanha até a porta do palácio real do outro lado do oceano, e outra de regresso feita dos ossos dos que morreram nas profundezas das minas.

Este mundo esquecido de Potosi é trazido para a tela neste poderoso documentário. Conta a história de um menino de 14 anos, Basílio Vargas, e do seu irmão de 12, Bernardino, que trabalham nas minas de prata de Cerro Rico em Potosi.

Basílio é uma das 800 crianças que regularmente trabalham nas minas. Através do seu olhar, observamos um mundo de devoção católica, fonte da natureza psicologicamente punitiva do trabalho e que lhe faz jurar fidelidade ao “Tio”, o diabo, dentro da “Montanha que come homens”. Porque acreditam que Deus nunca entraria em tal lugar.

O diabo em questão não é o diabo cornudo que conhecemos dos rituais pagãos, muito menos o demónio dos adulterados espectros de horror que têm sido populares no cinema ocidental. É o diabo dos conquistadores cristãos que escravizaram a América do Sul. Nada mais eficaz para forçar a população indígena a trabalhar dia após dia nas minas, Satanás e folha de coca. Sempre que os nativos esboçavam a revolta, os conquistadores espanhóis induziam o medo, construindo figuras diabólicas com cornos, línguas de fogo e caudas horrendas. Desde então os mineiros construíram um universo maníaco onde o Tio governa o subterrâneo.

Os mineiros de Cerro Rico têm uma esperança média de vida de 40 anos, graças ao ar “envenenado”, ao calor constante, ao uso de explosivos, ao primitivo e inseguro equipamento, e às longas horas exigidas aos mineiros (a maioria entra nas minas para fazer turnos de 24 horas).

Órfãos de pai e a viver pobremente com a sua mãe nas encostas da mina, os rapazes assumem responsabilidades de adulto. Têm de trabalhar para poder comprar os víveres, a roupa, ou o material necessário para a sua educação. Basílio sabe que só estudando poderá alimentar a ilusão de os irmãos mais novos escaparem ao destino nas minas de prata. Mas crê que apenas a generosidade do diabo da montanha lhe oferecerá dinheiro suficiente para continuar no novo ano escolar.


The Devil's Miner
Kief Davidson, Richard Ladkani
2005
tempo: 82 min
Bolívia