Casaviva
Praça marquês pombal 167 porto
Lilya para Sempre/Lilja 4-ever
Realizado por Lukas Moodysson
Suécia/Dinamarca, 2002 Cor – 109 min.
Lilya (Akinshina) é uma rapariga de 16 anos que vive num subúrbio degradado da ex-União Soviética, num meio ambiente que não a sugestiona a pensar em conceitos como “o futuro”. Um dia, a mãe diz-lhe que se vão mudar para os EUA com o novo namorado dela e Lilya fica radiante, face às possibilidades de poder iniciar uma nova vida, longe daquela vizinhança decadente. Mas, já depois de Lilya ser ter começado a despedir da vida antiga, a mãe diz que, afinal, não a podem levar já com eles, deixando-a com a promessa de a mandarão juntar-se-lhes mais tarde.
Deus é uma abstracção, a Economia é uma realidade, a Solidariedade uma palavra com sete sílabas.
«Lilja 4-ever» é a terceira longa-metragem do sueco Lukas Moodysson, seguindo-se a «Fucking Åmål» (também conhecido com «Show me Love») (1998) e «Tillsammans» [«Together»] (2000). O filme retrata uma realidade patente em várias regiões do globo, transcendendo o cenário da ex-república soviética onde se situa (o local não é identificado, mas a rodagem decorreu na Estónia): a extrema pobreza conduz a situações mais ou menos degradantes e, paralelamente, há outros que aproveitam a posição de superioridade (económica e social) que assim adquirem. Depois da desintegração da União Soviética, alguns estados do leste europeu ficaram numa situação tão debilitada que a emigração é vista como uma rampa de salvamento – a fuga de uma vida sem futuro.
O filme de Moodysson não se debruça sobre o êxodo de emigrantes de leste para países europeus mais ricos, nem elabora qualquer espécie de comentário sobre um problema grave dos nossos tempos. Esse problema pode ser visto por duas perspectivas: por quem o vive realmente, sentindo as dificuldades na pele, no dia-a-dia e pelos cidadãos ou poder político dos países economicamente estáveis, para os quais o problema se traduz em números (qual a capacidade de absorção e de integração no tecido social, etc.) Em «Lilya 4-ever» isto faz parte do pano de fundo, mas a história que se conta é a de uma adolescente que se vê abandonada pela família e pelos amigos, e que, devido a uma sequência de traições e de desilusões, cambaleia continuamente no caminho da felicidade. Para Lilya, a felicidade é fora dali, noutro lugar, noutro país. Se ali é o Inferno, sair dali só pode ser o Paraíso. Mas o Inferno pode ser em qualquer parte e isso cedo deixará de constituir uma surpresa, já que o filme arranca com a protagonista a correr pelas ruas, desesperada e visivelmente maltratada fisicamente, antes de partir para um flashback que nos vai apresentar o seu percurso até ali.
«Lilya para Sempre» é descrito por alguns como um filme brutal e difícil de assistir. Não se trata certamente de uma obra ligeira, para descontrair num domingo à tarde, mas Moodysson revela alguma contenção, em momentos onde podia intensificar ainda o drama e testar a resistência da audiência. As cenas mais fortes são filmadas em close.ups de rostos, de modo que apesar de reterem impacto, não são “gráficas”. Esta opção pode basear-se num conceito estético, mas decorre também do facto de se estar a trabalhar com actores menores e não com adultos que parecem menores. O enquadramento, os ângulos de câmara e a montagem demonstram que é possível ilustrar algo repulsivo, transmitindo-nos um certo mal-estar, sem realmente “mostrar”. Por outro lado, o realizador talvez elabore demasiado na concepção dramática de algumas cenas, como quando faz a jovem actriz Oksana Akinshina esparramar-se exactamente na única poça de lama de uma rua relativamente seca e poderá haver uma desproporcionalidade das reacções de Lilya em relação a determinados abusos de que é vítima.
Por fim, trata-se de uma obra que nega a fé e a esperança em entidades abstractas (Lilya chama-O, mas Deus não se revela particularmente útil). Não há aqui uma moral, nem nos apresentam algo que não entendêssemos já, nomeadamente que o Homem não tem pejo em explorar os seus semelhantes, em posições de fragilidade. Há sim uma história bem contada e bem filmada, com uma excelente fotografia de Ulf Brantas (usou níveis de iluminação artificial invulgarmente baixos), que custa a acreditar ser baseada em filme de 16mm. É ainda de assinalar o bom trabalho dos dois actores principais, Akinshina e o mais jovem Artyom Bogucharsky, que interpreta Volodja, e o facto de Moodysson conseguir uma direcção de actores exemplar, ainda que não entenda o russo.
Realizado por Lukas Moodysson
Suécia/Dinamarca, 2002 Cor – 109 min.
Lilya (Akinshina) é uma rapariga de 16 anos que vive num subúrbio degradado da ex-União Soviética, num meio ambiente que não a sugestiona a pensar em conceitos como “o futuro”. Um dia, a mãe diz-lhe que se vão mudar para os EUA com o novo namorado dela e Lilya fica radiante, face às possibilidades de poder iniciar uma nova vida, longe daquela vizinhança decadente. Mas, já depois de Lilya ser ter começado a despedir da vida antiga, a mãe diz que, afinal, não a podem levar já com eles, deixando-a com a promessa de a mandarão juntar-se-lhes mais tarde.
Deus é uma abstracção, a Economia é uma realidade, a Solidariedade uma palavra com sete sílabas.
«Lilja 4-ever» é a terceira longa-metragem do sueco Lukas Moodysson, seguindo-se a «Fucking Åmål» (também conhecido com «Show me Love») (1998) e «Tillsammans» [«Together»] (2000). O filme retrata uma realidade patente em várias regiões do globo, transcendendo o cenário da ex-república soviética onde se situa (o local não é identificado, mas a rodagem decorreu na Estónia): a extrema pobreza conduz a situações mais ou menos degradantes e, paralelamente, há outros que aproveitam a posição de superioridade (económica e social) que assim adquirem. Depois da desintegração da União Soviética, alguns estados do leste europeu ficaram numa situação tão debilitada que a emigração é vista como uma rampa de salvamento – a fuga de uma vida sem futuro.
O filme de Moodysson não se debruça sobre o êxodo de emigrantes de leste para países europeus mais ricos, nem elabora qualquer espécie de comentário sobre um problema grave dos nossos tempos. Esse problema pode ser visto por duas perspectivas: por quem o vive realmente, sentindo as dificuldades na pele, no dia-a-dia e pelos cidadãos ou poder político dos países economicamente estáveis, para os quais o problema se traduz em números (qual a capacidade de absorção e de integração no tecido social, etc.) Em «Lilya 4-ever» isto faz parte do pano de fundo, mas a história que se conta é a de uma adolescente que se vê abandonada pela família e pelos amigos, e que, devido a uma sequência de traições e de desilusões, cambaleia continuamente no caminho da felicidade. Para Lilya, a felicidade é fora dali, noutro lugar, noutro país. Se ali é o Inferno, sair dali só pode ser o Paraíso. Mas o Inferno pode ser em qualquer parte e isso cedo deixará de constituir uma surpresa, já que o filme arranca com a protagonista a correr pelas ruas, desesperada e visivelmente maltratada fisicamente, antes de partir para um flashback que nos vai apresentar o seu percurso até ali.
«Lilya para Sempre» é descrito por alguns como um filme brutal e difícil de assistir. Não se trata certamente de uma obra ligeira, para descontrair num domingo à tarde, mas Moodysson revela alguma contenção, em momentos onde podia intensificar ainda o drama e testar a resistência da audiência. As cenas mais fortes são filmadas em close.ups de rostos, de modo que apesar de reterem impacto, não são “gráficas”. Esta opção pode basear-se num conceito estético, mas decorre também do facto de se estar a trabalhar com actores menores e não com adultos que parecem menores. O enquadramento, os ângulos de câmara e a montagem demonstram que é possível ilustrar algo repulsivo, transmitindo-nos um certo mal-estar, sem realmente “mostrar”. Por outro lado, o realizador talvez elabore demasiado na concepção dramática de algumas cenas, como quando faz a jovem actriz Oksana Akinshina esparramar-se exactamente na única poça de lama de uma rua relativamente seca e poderá haver uma desproporcionalidade das reacções de Lilya em relação a determinados abusos de que é vítima.
Por fim, trata-se de uma obra que nega a fé e a esperança em entidades abstractas (Lilya chama-O, mas Deus não se revela particularmente útil). Não há aqui uma moral, nem nos apresentam algo que não entendêssemos já, nomeadamente que o Homem não tem pejo em explorar os seus semelhantes, em posições de fragilidade. Há sim uma história bem contada e bem filmada, com uma excelente fotografia de Ulf Brantas (usou níveis de iluminação artificial invulgarmente baixos), que custa a acreditar ser baseada em filme de 16mm. É ainda de assinalar o bom trabalho dos dois actores principais, Akinshina e o mais jovem Artyom Bogucharsky, que interpreta Volodja, e o facto de Moodysson conseguir uma direcção de actores exemplar, ainda que não entenda o russo.