Em tempos recentes, perversão parece ter-se tornado um significante livre. Por um lado, reactualiza-se nesse conceito uma leitura teológica, identificando o denominador comum do pecado ou a condição da existência num mundo marcado pela morte de Deus. Por outro, as artes não param de reivindicar um carácter perverso, por destruição ou irónica reciclagem de tradições; porque a tradição da ruptura é hoje também tradição da perversão, ou perversão de perversões. Ao mesmo tempo, a psicanálise de raiz freudiana sistematiza os comportamentos perversos do indivíduo, como patologia, estagnação no desenvolvimento libidinal, ou legítima fantasia.
De que falamos, pois, quando falamos de perversão?
Parece ser perverso o que começa nas margens de qualquer sistema, per-vertendo-o, in-vertendo-o. Nesta perspectiva, o conhecimento humano e a linguagem que o configura começam sempre por ser perversos. Todas as revoluções científicas, políticas, artísticas são necessariamente perversas, como é perverso o espaço comum que suscitam: esse lugar onde convivem Newton e Einstein, Marx, Lenine e Mussolini, Júlio Dantas e Almada Negreiros. Resta saber que perversão pode existir fora do modelo da revolução. E, se cada novidade começa por ser perversa face a um sistema, resta ainda saber como se perde e desfaz a perversão do conhecimento de cada vez que um novo conteúdo é canonizado pela doxa.
Eis-nos, então, perante o paradoxo. Se o século XX defendeu que todos temos direito à perversão, como entender a contradictio in terminis que é a perversão legitimada? Não haverá uma perda insanável nesse livre acesso contemporâneo ao perverso, que o torna mercadoria kitsch? Ou representará o kitsch justamente o triunfo mais perverso da perversão no campo estético? E finalmente: se hoje a única perversão possível for recu¬sar a perversão, se a dialéctica do legítimo e do ilegítimo perder o equilíbrio que sustém o seu movimento, resta inventar novas possibilidades criativas do perverso — ou simplesmente abandonar esse caminho por demais trilhado?
Estas são algumas das questões de partida do Colóquio Internacional Artes da Perversão, que compreenderá uma reflexão crítica alargada a diversos ramos do saber, dos estudos literários aos estudos de cinema, do teatro às artes plásticas, sem esquecer a psicanálise e a teologia
PROGRAMA
COLÓQUIO INTERNACIONAL E INTERDISCIPLINAR ARTES DA PERVERSÃO
Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
23-24 de Abril de 2009
► 23 de Abril Anfiteatro Nobre
10:00 Recepção dos conferencistas
10:30 Abertura
11:00
Moderador: Rosa Maria Martelo
Phillip Rothwell (Rutgers Univ.)
Bodies Without Places: Perversion in Contemporary Capitalism through Lacan, Badiou and Žižek
Luís Mourão (IP Viana do Castelo)
A voz material da ética e a voz material da perversão: começar e acabar em alguns mundos de Gonçalo M. Tavares
Juan José Adriasola (Rutgers Univ.)
Perversas narrativas: mercado político y “nueva narrativa” en el Chile de los 90
13:00 Almoço
14:30
Moderador: Luís Maffei
Alexandra Moreira da Silva (Univ. Porto)Formas perversas, vozes ob(s)cenas no teatro contemporâneo: Sade, Sacher-Masoch, Crébillon, Laclos
José Alberto Ferreira (Univ. Évora)
A perversão do método, ou o método da perversão
Paulo Eduardo Carvalho (Univ. Porto)
Sófocles e Molière (per)vertidos por Martin Crimp
16:30 Pausa para café
16:45
Moderador: Laura Ferreira dos Santos
David Barros (Univ. Nova Lisboa)«Pardon me, but my teeth are in your neck»: Os caminhos da perversão no cinema de Roman Polanski
Joana Matos Frias (Univ. Porto)
A Beleza Convulsiva das Imagens: Surrealismo e Perversões Ópticas
Margarida Gil dos Reis (Univ. Lisboa)
Corpos perigosos: perversão e jogo
21:30 Cinema Medeia – Shopping Cidade do Porto
Projecção do filme: Ma’s Sin de Saguenail
Debate
► 24 de Abril Anfiteatro Nobre
9:00
Moderador: Margarida Gil dos Reis
Jorge Bastos da Silva (Univ. Porto)
Assassinos Loquazes – ou: Da Arte de Matar com Arte
José Domingues de Almeida (Univ. Porto)
Perversion et naïveté dans la prose narrative d’Eugène Savitzkaya: approche du fatum humain
Pedro Eiras (Univ. Porto)
Por uma ética da perversão
10:45 Pausa para café
11:00
Moderador: Gonçalo Vilas-Boas
José Rui Teixeira (Univ. Porto / Univ. Católica Porto)
O corpo e a morte O Decadentismo finissecular da poética de Guilherme de Faria. Uma leitura teológica circunstancial
Laura Ferreira dos Santos (Univ. Minho)
Morte assistida: uma reivindicação perversa?
José Tolentino Mendonça (Univ. Católica Lisboa)
A perversão é necessária? – O efeito incontrolado de uma citação bíblica numa passagem de Dostoiévski
13:00 Almoço
14:30
Moderador: Phillip Rothwell
Américo António Lindeza Diogo (Univ. Minho)
Perversões de Autoridade em Vasco Graça Moura e Adília Lopes
Luís Maffei (Univ. Federal Fluminense)
Se tão perverso preço cabe em verso
Rosa Maria Martelo (Univ. Porto)
O “especialista em sublimação” e os usos da linguagem (acerca da poesia de António Franco Alexandre)
18:00 Trintaeum
Mesa-redonda de criadores
Moderador: Luís Mourão
Ana Luísa Amaral
José Emílio-Nelson
valter hugo mãe