20.3.09

O fosso entre ricos e pobres, ou como a desigualdade não é apenas desigualdade, mas uma série de problemas sociais (texto de Rui Tavares)

Homogéneo e desigual
(reprodução do texto de Rui Tavares, publicado no jornal Público sob o título «Homogéneo e desigual», e retirado do blogue http://ruitavares.net/blog/)

O erro está em pensar que igualdade é homogeneidade, quando são coisas muito diferentes. Não por acaso, a obsessão com a homogeneidade é de direita (se pensarmos bem, é herdeira da obsessão religiosa com a pureza) e a obsessão com a igualdade é de esquerda.

Consideremos os (mais ou menos) dez milhões de portugueses que vivem em Portugal. Agora vamos escolher os dois milhões mais pobres e mais ricos, cerca de um quinto da população para cada lado. Agora, adivinhem qual é a diferença de rendimentos entre uns e outros: os mais ricos são oito vezes mais ricos do que os mais pobres.

O mesmo exercício repetido para a Espanha dá resultados diferentes: os mais ricos são apenas 5,6 vezes mais ricos que os mais pobres. É o jornal inglês The Guardian que apresenta estes dados na crítica a um novo livro, The Spirit Level, sobre o problema da desigualdade (só os gráficos que acompanham o texto já merecem uma visita; estão no meu blogue em ruitavares.net).

Em poucas frases, a questão é esta: a desigualdade nunca é apenas a desigualdade. A desigualdade é um monte de problemas: os países mais desiguais têm mais gravidezes na adolescência, têm mais gente na prisão, pessoas mais iletradas, mais corrupção, menos confiança no sistema político. A desigualdade não é apenas um efeito, mas uma causa do nosso atraso, e vai ser preciso repeti-lo enquanto formos desiguais e atrasados. Que no nosso caso vai dar ao mesmo.


O Japão e a Suécia, dois países muitíssimo distantes, tanto na geografia como na história, são bons exemplos. As suas sociedades e sistemas políticos têm poucas semelhanças, mas ambos são países bastante iguais (os mais ricos são apenas 3 ou 4 vezes mais ricos que os mais pobres) e ambos têm poucos problemas de crime ou ignorância. Todos saem a ganhar: na literacia, até as classes médias e altas dos países iguais são mais educadas do que as dos países desiguais.

Como mau exemplo: Portugal. A perplexidade dos autores é a agora inversa. Portugal e Espanha são tão próximos na geografia e na história. Como é possível que tenham divergido tanto em apenas trinta anos?

E chegados aqui, os jornalistas do Guardian cometem um erro. Dizem eles que em princípio seria de esperar que a Espanha fosse mais desigual, uma vez que é mais diversa internamente, com as suas regiões e autonomias. E Portugal é mais homogéneo e desigual ao mesmo tempo, o que não parece fazer sentido. Mas, pelo contrário!, faz todo o sentido.

O erro está em pensar que igualdade é homogeneidade, quando são coisas muito diferentes. Não por acaso, a obsessão com a homogeneidade é de direita (se pensarmos bem, é herdeira da obsessão religiosa com a pureza) e a obsessão com a igualdade é de esquerda. A direita preocupa-se menos com a desigualdade desde que o país seja homogéneo. O conservadorismo nacional é anti-regionalização, anti-imigração e anti-direitos dos gays (bom dia, Dra. Manuela Ferreira Leite) mas não perde o sono com a desigualdade. O projecto oposto não tem problemas em viver num país heterogéneo; o que nos interessa é dar a mesma dignidade a cada uma das partes que o constituem.

Em suma, eu diria que foi o quando a Espanha viu que é um país plural que começou a tornar-se um país mais igual. Mas que sei eu? Perguntem a Felipe González. O que ele respondeu numa entrevista recente foi que o segredo do crescimento da Espanha está em assumir a sua pluralidade interna: “Se há trinta anos atrás me dissessem que a Galiza viria a ser uma economia dinâmica na globalização, eu daria uma gargalhada”. Com o nosso desigual Norte a cair no atraso, é uma gargalhada amarga para nós.
--------------------------------
Consultar: