28.3.09

A melhor maneira de roubar um banco é geri-lo


Texto de Sandro Mendonça publicado no suplemento de Economia do jornal Público de 27/3

Numa economia de mercado é aos privados que em primeiro lugar se devem pedir contas. As recentes implosões de instituições financeiras mostram que os vilões da história foram os "top managers". Até aqui estamos em linha com as (más) práticas internacionais. Contudo, com esta crise já se aprendeu uma coisa: a maior falência no sistema financeiro português é a do Banco de Portugal (BdP).

Falhas graves de supervisão têm custos sistémicos, sobretudo em pequenas economias abertas. O facto de a casa não estar arrumada cria agora dificuldades adicionais ao País. O governador encolhe os ombros. Numa audiência parlamentar lamentou: "Não há regulação e supervisores que descubram todas essas fraudes quando elas estão a ser cometidas. É impossível!". Há aqui um padrão.

Seguindo a reboque dos eventos, e aparentemente transformado em inefável centro de investigação académica, o BdP não se mostra organizado para cumprir as funções que lhe foram atribuídas. Não só não monitoriza satisfatoriamente as instituições financeiras (incluindo essas predadoras entidades de empréstimos a pronto deixadas à solta durante anos a fio) como, também, não tem estado ao lado dos consumidores. Não partiu do BdP qualquer iniciativa de impor à banca os arredondamentos à milésima no crédito ou o controlo de comissões abusivas nos PPR. Nunca, nem depois de tantos anos a defender contenção salarial, o regulador deu sinais de estender esse mesmo convite aos administradores da banca.

Procuremos recursos para desenvolver estas matérias. Os três livros seguintes podem ser consultados gratuitamente no sítio da editora, a Princeton University Press:

1. Quando alguém tem o poder de fixar a própria remuneração variável surgem patologias sérias. Casos como a Merrill Lynch, o Royal Bank of Scotland ou a seguradora AIG, onde os gestores se premiaram sistematicamente com remunerações grotescas, revelam que até operadores visíveis no centro do sistema são demasiado vulneráveis à pilhagem e à fraude. Como escreveu John Kenneth Galbraith em "The New Industrial State", livro agora oportunamente reeditado: "as grandes organizações servem sobretudo quem está, só depois vêm as outras clientelas" (leia-se, os accionistas ... na retórica habitual da governança societária os consumidores ou os colaboradores não constam).

2. Portanto, a actual crise não pode ser atribuída a meros erros de investimento ("subprime") ou ao mau carácter de alguns (Madoff). Dois economistas conhecidos, George Akerlof e Robert Shiller, colocam o dedo na ferida com o seu livro "Animal Spirits" publicado já em 2009. Os alicerces "micro-psicológicos" da macroeconomia são enviesados e erráticos; e num sistema de motivações complexas de onde foi removido o lastro estabilizador do Estado as flutuações tornam-se devastadoras. Entretanto, e na pior altura, o foco exclusivo dos bancos centrais europeus na inflação e nos défices públicos atrofiou as capacidades de vigilância sobre a alta (e a baixa) finança.

3. Por trás da crise está um colapso geral de ética e responsabilidade. Esta desintegração não surgiu por meio de uma mão invisível. Como se percebe lendo "Analyzing the Global Political Economy", de A. Walter e G. Sen, há instituições que promovem activamente a instabilidade. Os "off-shores" são disto exemplo; paraísos fiscais associados à lavagem de dinheiro e à especulação gratuita.

Ao contrário da percepção habitual, dois terços destas plataformas artificiosas encontram-se no velho continente, sobretudo na Suíça e a Grã-Bretanha, e não em sítios longínquos e estereotipados como as Bermudas. Daí que devam ser os europeus a demonstrar liderança decisiva nesta matéria.

E isto obriga, também, a que Portugal resolva o seu problema com o "off-shore" da Madeira. Mas não contemos com o encorajamento do BdP. Como por lá se diz: "É impossível!".