A actuação da PSP e os motivos invocados podem carecer de fundamento legal e os seus reponsáveis poderão vir a ser criminalmente punidos. Com efeito,
1º) Sabe-se que «comete o crime de prisão ilegal o agente policial que, sem estar munido de qualquer mandato de captura ou em presença de qualquer acto ilegal praticado pelo arguido, ordena a sua condução a uma esquadra da P.S.P., onde esteve detido por 15 minutos» (vidé acordão do Supremo Tribunal Administrativo)
2º)Por outro lado, é a Lei Fundamental que dispõe o seguinte quanto à liberdade de expressão:
«Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa (Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos»
3º)Finalmente, o motivo alegado ( «incentivo à violência») para a apreensão da faixa é justamente o contrário àquele que é visado na mensagem da faixa: denunciar a violência policial...
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Texto sobre os factos ocorridos no passado dia 5 de Janeiro recebido por email:
Casa assaltada, faixas à mostra
Nas democracias policiais, a liberdade de expressão é um direito de todos os cidadãos. Também por isso lhes chamam democracias. Mas esse direito tem limitações, coisa lógica nesta sociedade onde se definiu que “uma liberdade acaba onde começa a do outro”, impedindo-se, assim, que se interpenetrem, que se prolonguem uma na outra. Pensamentos perigosos, que poderão constituir um qualquer crime se tornados públicos, e que, portanto, ficam por aqui. Já basta o que basta, dizia o outro, como sempre, cheio de razão. O que agora interessa, de facto, é que, em primeira instância, quem define as limitações das liberdades, e, por arrasto, as da liberdade de expressão, é a polícia. Também por isso lhes chamamos, a essas democracias, policiais.
Na Casa Viva, logo no primeiro dia oficialmente útil da semana, tivemos mais uma prova de que Portugal se insere dentro desta categoria de democracias. Por volta das 15h00 desse 5 de Janeiro, os Bombeiros Sapadores do Porto, a mando da Polícia de Segurança Pública, também presente, retiraram, assim, sem pedidos nem explicações, a faixa solidária com o movimento grego que a Casa vinha exibindo desde 20 de Dezembro. O motivo da apreensão, tal como informado no respectivo auto, é “incitava à violência, cometendo o crime contra a paz pública”. Não fosse o tal adjectivo que acompanha a nossa democracia e ter-se-ia tratado de um roubo. Afinal, uma faixa não publicitária numa fachada duma casa particular só pode ser retirada se tal for pedido pelo proprietário, o que não aconteceu. Mas o facto é que esse adjectivo está lá por alguma razão e, em estando, o acto de surripiar transforma-se em apreensão, os prevaricadores em sujeitos activos de acusação e as vítimas em réus.
Pode-se olhar para a faixa pelo ângulo que se quiser, mas é precisa muita liberdade de interpretação para nela ver um incentivo à violência. Mas, lá está, essa é apenas mais uma das liberdades das democracias policiais que, como todas as outras, tem uma definição e um âmbito dependentes do livre arbítrio dos agentes da Autoridade, gente que se costuma acusar de ser pouco dada a divagações poéticas, mas a quem não podemos deixar de gabar a capacidade de ler nas entrelinhas ainda mais do que os autores das linhas queriam fazer transparecer.
No processo de roubo/apreensão da faixa, os agentes acharam por bem deter três pessoas que saíam da casa a ver o que se passava do lado de fora do sítio onde lhes tinham oferecido guarida. Estavam, aparentemente, a utilizar de forma ilegal numa casa que não é deles. Mas houve queixa do proprietário? Falamos com ele e ele disse que não devia estar ninguém em casa. Falaram com ele?! Bem... a casa está em ruínas e não pode estar lá gente a viver! A Casa está em ruínas? Quem falou em ruínas? Então porque é que estão detidos? Não houve detenções, só os trouxemos à esquadra para assinarem o auto de apreensão. A uns gajos que não têm nada a ver com a casa nem com a faixa? Mais alguém dá a cara pela faixa? Claro que sim! Então já não estão detidos, podem sair os três e até voltar para a casa em ruínas onde, para além de não poderem estar por causa dessa sua – da casa – condição, não podiam estar por falta de autorização do proprietário.
Ora então cá temos os responsáveis pela faixa. Basta que um assine o auto de roubo/apreensão, que os outros já estão identificados de qualquer forma, apesar de nunca lhes termos controlado legalmente as identidades. Agora a coisa vai para o DIAP e já não é mais nada connosco, que vocês aparecem aqui aos magotes e a malta quer ver o discurso do Sócrates sem medo de que nos ocupem esta merda, perdão sr. ministro, esta esquadra, tão lindamente baptizada como sendo do Paraíso, apesar de, para tal, ainda faltarem os canais da Sport Tv, vá lá que nos resta a TVI e as novelas com gajas boas. Depois, daqui a 6 meses, 1 ano, ou dois, o DIAP lá decidirá se a queixa da PSP é válida e, se não for, a faixa será devolvida. No entretanto, a gente fica sem a faixa de que o agente não gostou e assim mesmo é que é numa democracia policial.
Ora, é provável que o DIAP considere que a faixa, de facto, mais do que um apelo à violência, é um grito contra a sua utilização por quem lhe detém o monopólio e que, como tal, o seu roubo/apreensão até pode, pelo menos em teoria, configurar um atropelo à liberdade de expressão. Pouco interessa. Não será por isso que a Casa será deixada em paz. Há a questão da ocupação ilegal. Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Mas há a questão das drogas. A questão das drogas? Sim, a casa está conotada com drogas. Conotada por quem? Pela polícia. Mas entraram lá ilegalmente para ver essa questão? Nem pensar... mas cheira muito a charro no passeio quando se passa por perto. O quê? É verdade... e, ainda por cima, entra lá gente com mau aspecto! Isso não é discriminação? A polícia não discrimina... limita-se a ver se determinada pessoa tem determinado aspecto e, se o tiver, fica imediatamente associada ao consumo de drogas. E isso não é discriminação? Não desconversem... é que há a questão da propriedade! Ah, é verdade... o proprietário autoriza a ocupação do espaço. Pois é... então, há a questão das drogas. E sabem quem vai sofrer com isso se não tomam cuidados?
Os processos de intimidação à divergência apertam-se. Espera-se que o medo de qualquer coisa, independentemente do que seja, impeça as pessoas de se manifestarem, de exporem opiniões, de se levantarem perante as injustiças dos poderosos. Depois de visitas policiais à Casa em dias de reuniões, depois de visitas regulares ao blog, veio o roubo/apreensão da faixa, um processo-crime sobre “os responsáveis pela faixa”, o reconhecimento policial de que já estamos todos fichados e as ameaças de que, ou atinamos, ou nos fecham a Casa e nos mandam de saco, por causa da questão da propriedade, aliás, por causa das drogas, aliás por qualquer coisa que lhes apeteça.
O problema é que achamos que nós é que somos os atinados e não nos apetece, agora que os desvarios juvenis já passaram na sua maioria, desatinar e começar a comer tudo o que nos dão ou a baixar a cueca cada vez que nos tentam violentar. Para além de que a Casa, assim sem uma faixa, parece despida. E nós não queremos um processo-crime por atentado ao pudor.