O III FMTL (Fórum Mundial da Teologia da Libertação) pretende ser um encontro por uma teologia da sustentabilidade da vida no planeta. Destina-se a elaborar uma reflexão e um discurso teológico a partir de um sentido muito concreto e orgânico da vida. A realidade social e política no contexto amazônico promovem uma relação direta com a água e a terra. Mais que recursos naturais, estas são base de uma biodiversidade única no planeta.
Começou na noite desta quarta-feira (21 de Janeiro), a terceira edição do Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que se estenderá até domingo (25), reunindo cerca de mil pessoas vindas dos cinco continentes. O tema principal do evento é "Água, Terra e Teologia para Outro Mundo Possível". A abertura contou com as presenças do teólogo Leonardo Boff, um dos idealizadores do Fórum.
O III Fórum Mundial de Teologia foi aberto com música, dança e performance, evocando a natureza e a necessidade de uma integração mais responsável entre o homem e o meio ambiente. Criado com a proposta de reunir indistintamente representantes de diversas matrizes religiosas, étnicas e culturais, o Fórum teve início com uma saudação dos povos indígenas presentes ao evento e também dos representantes das religiões de matriz africana.
Um dos idealizadores do Fórum de Teologia e Libertação, o padre Sérgio Torres, do Chile, lembrou o processo pelo qual, na década de 1970, teólogos de diversos países passaram a discutir uma necessidade de mudança na teologia, rumo a uma maior preocupação com a situação humana, a questão da pobreza, e ao compromisso de trabalhar pela transformação da sociedade. Um processo que culminou com o desenvolvimento das teologias contextuais, como a Teologia da Libertação, na América Latina. "A crise do socialismo real e a queda do muro de Berlim afectaram profundamente as teologias contextuais, mas então surgiu o Fórum Social Mundial, com a sua proposta de que um outro mundo é possível, e achamos que tínhamos que fazer parte desse processo. Assim surgiu o Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que já aconteceu em Porto Alegre e em Nairobi, no Quénia", lembrou.
A teóloga Tea Frigerio também fez uma saudação na abertura, reafirmando os princípios do encontro. "Este é um encontro de povo, de corações, mas sobretudo um encontro de sonhos. Vamos nos empenhar a reflectir para saber buscar os caminhos que vão fazer do mundo todo a 'Casa do Pão'". O frei Luiz Carlos Susin, secretário executivo do evento, afirmou a necessidade de discutir ecologia sem o esquecimento de que todos fazem parte de um único planeta. "Hoje estamos mais próximos uns dos outros, para o bem e para o mal. A Amazónia, e Belém, cidade do Círio de Nazaré, onde todos se tornam uma só família, podem-nos ensinar a abrir o coração para abrigar todas as formas de vida e para aprendermos a viver como um grande família", afirmou
Na quinta (22), às 9h, Leonardo Boff presidiu à conferência "Água, Terra, Teologia: Rumo a Paradigma Ecológico". Na sexta (23), às 9h, Emile Townes (EUA) e Steve Degruchy (África do Sul), estiveram na conferência "Espiritualidade e Ética na Agenda da Sustentabilidade". E no passado sábado (24 de Janeiro), Ching Hyun Kyung e Mary Hunt (EUA) e Michel Dubois (França) intervieram na conferência "Dimensão Eco-teológica da Corporalidade".
"Carta de Princípios do Fórum Mundial de Teologia e Libertação"
(formulada e aprovada pelo Comité Organizador do FMTL em 26 Outubro de 2007)
1. O Fórum Mundial de Teologia e Libertação (doravante FMTL) se afirma como um espaço ecumênico, dialogal, plural e diversificado. Relaciona "teologia" e "libertação" porque quer agregar diferentes teologias que herdam suas referências e/ou repercutem na assim chamada Teologia da Libertação. O FMTL se opõe, portanto, a quaisquer visões totalitárias, exclusivistas e reducionistas do ser humano, do fenómeno religioso, das tradições religiosas e de representações do transcendente. O FMTL pressupõe um determinado público que directa ou indirectamente faz teologia e ciências da religião e estão envolvidos de diferentes maneiras a acções de justiça e paz através de redes como o Fórum Social Mundial. Porém, de modo algum, tal perfil deve configurar como pré-requisito para a participação no FMTL, desde que respeitado esta Carta. Por um princípio metodológico, o FMTL promove uma abertura propositiva na liberdade de articulação de seus participantes, assegurando-lhes meios de participação activa no evento e na organização do mesmo.
2. Enquanto evento localizado no tempo e no espaço, o FMTL é um fórum que contribui à rede mundial de teologias contextuais comprometidas com a libertação, a opção pelos pobres e a capacitação dos/as excluídos/as e vítimas de hegemonias em suas diferentes expressões no mundo contemporâneo.
3. O FMTL é fruto do contacto entre teologias emergidas na Ásia, África, América Latina e Caribe, América do Norte, Europa, Oceania, e cada FMTL tem sido realizado vinculado ao FSM. Tem, pois, como marco "um outro mundo é possível" (Cf. Carta de Princípios do FSM, item 2). Assume e reformula os princípios do FSM a fim de reunir e articular pessoas interessadas na mediação teológica atenta à complexidade e diversidade de experiências éticas, estéticas e espirituais de compromisso por alternativas justas para as culturas e sociedades, géneros, religiões, em prol de espiritualidades ecológicas e planetárias.
4. Assim, o FMTL, com base no primeiro artigo da Carta de Princípios do FSM, define-se como um espaço aberto de encontro para aprofundamento da reflexão, o debate democrático de ideias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências e enriquecimento mútuo de diferentes abordagens teológicas contemporâneas identificadas e comprometidas com práticas de libertação, de resistência e transformação frente a todo tipo de estrutura que oprime e nega a manifestação plena de vida, justiça e dignidade.
5. O debate, as trocas de experiências, as reflexões e as hermenêuticas promovidas no FMTL são orientadas por um princípio dialogal e consistem de um exercício de crítica afirmativa e de novas leituras teológicas comprometidas epistemologicamente com a libertação e opção pelos pobres, afirmadas na diversidade das teologias contextuais feministas, negras, indígenas, ecuménicas e das religiões, caracterizadas por seu compromisso com a diversidade de género, étnica, cultural, religiosa e de capacidades físicas (Cf. Cartas de Princípios do FSM, item 9), bem como por uma metodologia histórico-crítica e criativa, através de correlações multi, inter e transdisciplinares.
6. O FMTL tem uma relação de convergência com o FSM e outros espaços e iniciativas sociais e intelectuais de carácter alternativo. Não é um evento paralelo ao FSM. Por isso planeja e desenvolve metodologias em sintonia com o FSM e iniciativas similares. O FMTL ocorre imediatamente antes ou após as edições do FSM e se integra ao programa deste através de diferentes formas de participação.
7. O FMTL, como espaço de encontro, contribui com a formação de uma espiritualidade ecológica e planetária, fortalecendo a experiência de sentido e de esperança utópica expresso na certeza por alternativas de "outros mundos possíveis", em conexão com o compromisso social por justiça e dignidade numa acção política transformadora.
8. O FMTL, como espaço de reflexão teológica de alternativas e possibilidade de mundo, aprofunda problemas de ordem socioeconómica actuais à luz dos recursos da teologia e vice-versa, estimulando o conhecimento e reconhecimento mútuo da pluralidade de saberes que colaboram e promovem a capacidade de resistência não violenta ao processo de desumanização que o mundo está vivendo e à violência institucionalizada, reforçando as iniciativas de práticas libertadoras em curso (Cf. Cartas de Princípios do FSM, item 13).
9. O FMTL, como espaço de construção de uma rede mundial de teologias contextuais, favorece o diálogo entre diferenças de género, religião, etnias, culturas, gerações e capacidades físicas tendo em vista incentivar, promover e articular correlações críticas e criativas dessa diversidade, ampliando a sensibilidade teológica de percepção, interpretação e acção activa em questões relacionadas à cidadania, a acções e a processos políticos configurados como promotores de libertação, justiça e dignidade.
10. O FMTL, como espaço de reflexão teológica em perspectiva de libertação, fomenta uma produção teológica cujo discurso contribua com práticas transformadoras na sociedade, situando-se no espaço público a fim de promover a formação de sujeitos actuantes na construção de um mundo novo solidário (Cf. Cartas de Princípios do FSM, item 14).
11. As formas de participação de cada edição do FMTL (delegações, participação individual, percentagem de pessoas de cada região do mundo, etc.) e as maneiras de participar (mesas redondas, rituais, compartilhar de alimentos, conferências, oficinas, comunicações, etc.) são definidas pelos comités do FMTL, a saber, o Comité Organizador, Internacional e Secretaria Permanente, a partir do constante diálogo, reflexão e avaliação que consiste o processo do FMTL.