Recorde-se que o Fórum Social Mundial é um movimento social de cidadãos de todas as partes do mundo que reúne e acolhe todas as causas globais em favor dos desfavorecidos, excluídos e injustiçados. Propõe-se também contribuir para a construção de “um outro mundo possível” sem as amarras da globalização neoliberal.
As actividades autogestionadas relativas à área de Educação inscritas no FSM são selecionadas, aglutinadas e organizadas em blocos temáticos constituindo a grade de programação do VI FME, ocupando espaços e períodos devidamente identificados dentro da programação geral.
Os eixos temáticos que serão discutidos durante o VI FME são:
Educação,
Desenvolvimento,
Economia Solidária e Ética Planetária;
Educação Cidadã: Inclusão e Diversidade;
Educação, Direitos Humanos, Cooperação e Cultura de Paz;
Educação, Meio Ambiente e Sustentabilidade;
Educação de Jovens e Adultos na Perspectiva da Educação Popular;
Educação Emancipatória no contexto da comunicação e das tecnologias.
Haverá ainda duas conferências com os temas “Educação e Transgressão na construção da Cidadania Planetária” e “Educação, Diálogo e Utopia: Identidades Culturais em conflito”, a serem realizadas respectivamente nos dias 26 e 27 de janeiro. Também no dia 27 acontece uma mesa sobre a Conferência Internacional da Unesco em Educação de Adultos (Confintea), a ser realizada no Brasil, em Maio próximo.
O que é o FME?
O Fórum Mundial de Educação é um movimento pela cidadania planetária e pelo direito universal à educação.
Constitui-se como um espaço de constante diálogo entre todos os que, no mundo globalizado, levam por diante projectos de educação popular e de contestação ao neoliberalismo, seja na esfera pública, ou na sociedade em geral, no seio das comunidades ou em trabahos de pesquisa.
O neoliberalismo concebe a educação como mercadoria, despreza o espaço público, reduz os indivíduos à condição de consumidores e nega a dimensão humanista do processo educacional.
Opondo-se a tal perspectiva, o FME defende uma concepção libertadora, que respeita e convive com a diferença, promovendo a intertransculturalidade e reconhece a educação como direito social universal ligado à condição humana
Carta da 1ª Edição do Fórum Mundial de Educação
Carta de Porto Alegre pela Educação Pública para todos
Preâmbulo
Os mais de 15.000 educadores, educadoras, estudantes, pesquisadores, autoridades, sindicalistas, representantes de múltiplas e diferentes forças sociais e populares, sujeitos protagonistas da história e comprometidos com a educação pública, gratuita e de qualidade para todos os homens e mulheres de todas as idades, orientações sexuais e pertencimentos étnicos, religiosos e culturais da Terra, como condição necessária e possível à PAZ e a melhores perspectivas de vida para a Humanidade, apresentam aos governos de todos os países e a todos os povos do Mundo as posições aprovadas durante a plenária final do Fórum Mundial de Educação.
O período em que vivemos, quando o capital, para aumentar seus ganhos a concentrações nunca vistas, leva à miséria e à guerra a grande maioria da população mundial e produz no abandono e no massacre da infância a mais cruel e desumanizadora face deste modelo de sociedade, precisa ser entendido como de ruptura.
Na actual conjuntura internacional, após o acto terrorista de 11 de setembro, por todos repudiado, ficou mais claro tanto o desequilíbrio entre o norte e o sul e o fosso crescente entre ricos e pobres quanto o perigo da violência originária dos irracionalismos que ameaçam toda forma de civilização. As forças dominantes do mundo buscam mostrar o momento presente como sendo de catástrofe mundial. Para a grande maioria dos seres humanos, no entanto, esta ruptura pode ser vista como a passagem de uma situação para outra, na qual a solidariedade, a liberdade, a igualdade e o respeito às diferenças revigoram-se como valores aliados à compreensão de que existem hoje, no mundo, forças e riquezas capazes de alimentar os famintos e de fornecer a todos condições materiais e espirituais dignas, entre as quais salienta-se a educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
É neste contexto e como parte dessas forças que se reuniu o Fórum Mundial de Educação, demonstrando que o momento de passagem vem sendo construído em todos os cantos da Terra por movimentos sociais e governos comprometidos com a democracia e as causas populares, para a proposição de alternativas à excludente globalização neoliberal, no campo e na cidade.
São muitas as frentes de luta, em várias partes do mundo - forças zapatistas, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, movimentos contra o racismo, a intolerância racial e a xenofobia - culminantes na 3ª Conferência Mundial de Durban na África do Sul, contra o neoliberalismo e pela humanidade, a Marcha pela Paz - realizada pela ONU em Peruggia e Assis, a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio ao Cidadão - ATTAC, entre tantas. Nelas vão sendo encontradas alternativas populares e democráticas que se opõem às pressões financeiras representadas pelo Banco Mundial, pela Organização Mundial do Comércio (notoriamente o acordo geral sobre o comércio e os serviços que põe em perigo a educação pública), pelo Fundo Monetário Internacional, que dizem "reorganizar a economia do mundo".
Neste contexto, entendemos como fundamental aprofundar a solidariedade e a organização entre os movimentos sociais, associativos, sindicais e parlamentários, promovendo encontros mundiais, em vários países e cidades. As reações ocorridas em Seattle, Davos, Cancun, Quebec e Génova, as greves e as marchas realizadas por trabalhadores de diferentes categorias, especialmente os trabalhadores em educação e os estudantes, o Fórum Social Mundial e este Fórum Mundial da Educação indicam que, com os pés no presente, criticando o que de terrível foi e vem sendo feito contra todos os povos, homens e mulheres vão construindo, com esperança, o futuro. Por isto, é necessário repudiar a mercantilização da educação que permite aos países do norte, aproveitando sua posição dominante, atrair cérebros dos países do sul através de uma imigração seletiva. Tudo isto indica a possibilidade de ampliação das alternativas realmente solidárias, populares e democráticas, entre elas as relativas à escola pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis.
Neste sentido, entendemos que a luta contra a globalização neoliberal exige que afirmemos as soluções já existentes e que busquemos novas oportunidades de actuação nos âmbitos local, regional, nacional e mundial.
Serão bem-vindas à luta e à concretização de tais alternativas todas as forças, organizações e setores que entendam a necessidade de uma radical mudança nas propostas econômicas em escala mundial, bem como nas políticas públicas nacionais e locais, para permitir a igualitária distribuição das riquezas, a sustentabilidade meio-ambiental e o amplo acesso por todos dos bens culturais comuns, entre os quais todos os tipos de educação, mediatizados por valores de solidariedade, de liberdade e de reconhecimento das diferenças para a superação dos fatores que criam hierarquias entre os seres humanos. A constituição de um projeto societário, em oposição ao modelo de globalização neoliberal, exige a incorporação de crescentes forças a esta luta apenas começada e o combate a todos os fundamentalismos.
Estamos irmanados pelo entendimento de que, quaisquer que sejam suas crenças, modos de viver, gostos, sentimentos, diferenças em termos de necessidades educativas especiais, o ser humano é sempre um sujeito de direitos. A educação, condição necessária para o diálogo e a PAZ, tem um papel importante nessa luta, na medida em que os tão diversos e sempre coletivos espaços, nos quais ela se dá, são lugares de discussão, vivência e convivência. A escola pública, nesse processo, transforma-se e se revifica como espaço/tempo de possibilidades para encontros de homens e de mulheres de todas as idades. Assim, ao contrário da afirmação das forças do capital, de que a escola pública já está superada, reafirmamos sua potência e permanente movimento na reinvenção do cotidiano de nossas sociedades e na sua própria transformação, como resultado do protagonismo dos excluídos.
A conquista do poder político em cada situação concreta, nacional e local, é também uma das frentes de luta, já que a globalização do capital sempre precisou de governos nacionais, regionais e locais capazes de executar seus planos e fazer valer sua força. A criação de alternativas às propostas neoliberais vem sendo construída com governos populares e democráticos, tecidos com dificuldades e que se configuram como possibilidade crescente.
A luta por mudanças no mundo do trabalho, na perspectiva de uma profissionalização sustentável, com acesso de todos à evolução científico-tecnológica, precisa ser acompanhada de garantias dos direitos sociais para os trabalhadores e trabalhadoras e de reconhecimento universal da certificação profissional. Essa luta mantém relação estreita com as tantas mudanças antes indicadas, exigindo, assim, a ampliação do conhecimento humanista, técnico-científico, ético e estético e a incorporação real do direito às diferenças, para que possamos nos compreender, nos aproximar e superar hierarquias entre seres humanos, dadas por gênero, idade ou pertencimentos étnicos, raciais, religiosos, culturais e políticos. Os trabalhadores/trabalhadoras da educação têm, com relação a isso, histórias para contar sobre seus esforços comuns e buscam crescentemente participar, com os múltiplos movimentos sociais, na tessitura de um mundo mais justo e pacífico, afirmando a importância de seu trabalho para a primeira infância, as crianças, os jovens, os adultos e os velhos.
Este Fórum Mundial de Educação soma-se às discussões realizadas nos diversos fóruns de Educação que aconteceram na última década, em escala mundial, identificados com o ideário expresso neste documento, indicando-as como eixos prioritários para o Fórum Social Mundial/2002.
O Fórum Mundial de Educação apresenta-se como realidade e possibilidade na construção de redes que incorporam pessoas, organizações e movimentos sociais e culturais locais, regionais, nacionais e mundiais para confirmar a educação pública para todos como direito social inalienável, garantida e financiada pelo Estado, nunca reduzida à condição de mercadoria e serviço, na perspectiva de uma sociedade solidária, radicalmente democrática, igualitária e justa.
Porto Alegre (Brasil), 27 de outubro de 2001.