Na madrugada do dia 3 de Agosto o Gato Vadio (livraria, atelier de design, café-bar) foi assaltado. O gatuno furtou o computador portátil ou, em eufemismo policial, "subtraiu diversos artigos", como consta do auto do sub-chefe da 69ª divisão da esquadra do bairro. Ao furtar o bem materialmente mais valioso, o larápio insultou clamorosamente o nosso precioso espólio ao deixar intactas as nossas estantes. É repulsivo pensar que os "nossos" livros à mão de semear não tentaram o invasor.
Depois das medidas drásticas – abrir na noite seguinte com a fechadura estragada e a porta escaqueirada – não podíamos deixar em branco esta oportunidade suprema para estreitar laços e miados com a comunidade vadia. Muitos estão já ao corrente do vil acontecimento, comentando nas últimas semanas o "thriller" dos factos ocorridos em tão triste data. Uns lamentam, vaiando o patife que anda a monte (ou, mais sinistramente, entre nós...); outros, tecem elucubrações sobre o atentado valendo-se da literatura policial, "sub-género"(?!) que passou a ser o destaque do mês da livraria Gato Vadio. Ouvem-se ainda vozes lúcidas que apontam a nossa porta de anexo como um erro de investimento (agora corrigido, com cadeados chineses e fechaduras intransponíveis).
Da algazarra geral, não é de deitar fora a teoria da conspiração que aponta a Makrohard, filial oculta do potentado da Micosoftt e o pilar que sustenta a política de monopólio do arromba-Gates, como o mais remoto responsável pelo assalto. (Para breve, está prevista uma conferência de Noam Chomsky que versará este tema).
Despicienda parece a tese burguesa que vilipendia o pedreiro do bairro da maternidade que anda a biscates e cujo primo é o maioral da cadeia do Linhó e que aqui há duas semanas veio repor a caliça no tecto. Criativa e arrevesada (tiramos-lhe a kippa...), mas não menos preconceituosa, é a liturgia que nos chegou do último cabalista do Porto que interceptou uma mensagem críptica que imputava a um conhecido Kebabista do Bolhão o atentado a nossa ex-arca-frigorífica-escritório relicário de símbolos de David (malgrado David ter partido para pregar noutras paragens...) como sejam o tomo "Combate com o Demónio" do askenhaze Stefan Zweig (mais tarde convertido à carioquice…) ou a obra Judas Iscariotes de Thomas de Quincey, o comedor de ópio.
A credibilidade desta versão do cabalista caiu por terra quando soubemos que foi proferida no sábado passado, violando o sabbath sagrado.
Aproveitando as teses do médio-encéfalo houve quem se lembrou, por inferência, da CIA, pois no laptop surripiado constavam manifestos Vadios que escarnecem a soberba humana em pose G-8 e links suspeitos a sites suspeitos com links suspeitos.
Assinalamos que também o comité central emitiu um comunicado após reunião extraordinária com os órgãos máximos da célula partidária esclarecendo que a luta de classes continua e congratulando-se com o governo chinês e a festa da fraternidade dos povos agora finda. A defesa da classe operária, levou-nos a rejeitar estrepitosamente e por completo a solicitação feita por alguns vadios para que as ruas do quarteirão fossem patrulhadas a partir da meia-noite, pois desaparecendo os meliantes o que seria do pobre polícia que exerce escrupulosamente no seu "bureau", à frente da máquina de escrever, as suas tarefas diárias de bater relatórios e mais relatórios? Ao invés, estamos orgulhosos por terem palmado o portátil dando assim que fazer ao impoluto burocrata da nossa esquadra que conseguiu redigir um relatório policial sobre o assalto sem nunca referir o famigerado computador portátil!
Finalmente, para escárnio das hostes subversivas confirmamos que o supra-roubado portátil foi subsidiado pelo Ministério Geral de Bruxelas como fonte de incentivo à inovação e produtividade dos Vadios. Esperamos, do fundo do coração, que a nossa produtividade não saia beliscada, como aliás atesta o facto de os vadios-mor não terem interrompido as suas férias no Leste para se darem ao trabalho de escrever este já célebre, extemporâneo e imolado comunicado. Que venham mais couves!
Sem dúvida, alguém se aproveitou do facto de não termos trancas no espírito e nas ideias e, por silogismo muito "naif" e pouco literário, nas portas do Gato. Quanto mais próximo for o bandido da nossa comunidade mais merdoso é, pois violou o espírito da comunidade vadia e a casa onde, infelizmente, já entrara sem o pé de cabra. Como gostamos dos nossos Vadios e queremos o vosso bem (agora parece homilia...hóstias pró larapio!) avisamos que, de longe a longe, um copo passará a ter cianeto!
Viva o Gato Vadio sem portátil
Viva o Gato Vadio!
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