4.7.08

Como funciona a especulação petrolífera e como actuam os especuladores nos mercados das matérias-primas como o do petróleo (breve explicação)

Breve explicação sobre as «excelsas virtualidades» da economia capitalista e do livre jogo da especulação financeira dos produtos petroliferos no mercado global(izado) em prejuízo das economias reais, dos consumidores e dos recursos naturais.


Resumo:
O desvio dos fundos financeiros dos mercados bolsistas ( pois aqui a sua rentabilidade é inferior ao pretendido) para os mercados de matérias-primas como o do petróleo (sempre com o fito de procurar maiores ganhos e maior rentabilidade), e a grande mobilização de recursos financeiros demonstrada pelos especuladores-negociantes na compra de petróleo, muito para além das necessidades da procura, - tudo isso só com o objectivo daqueles de comprar agora, para vender de seguida, a preços mais altos, arrecadando chorudos lucros -, explica a actual escalada de preços do petróleo que só parará quando do lado da procura houver uma acção conjunta de recusa pelo produto oferecido em condições ( e preços) exageradamente altos, ou quando não houver mais capacidade de armazenamento do petróleo por parte dos especuladores-negociantes, deixando estes de terem possibilidade de adquirir petróleo para efeitos de açambarcamento, ou então quando os especuladores-negociantes deixarem de actuar impunemente na economia global(izada) e lhes forem impostas limitações, o que é pouco provável nos tempos em que hoje vivemos de pensamento neo-liberal dominante, de desregulamentação dos mercados, e de capitalismo selvagem especulativo.
A única resposta está pois na acção popular unilateral: deixar de consumir petróleo.





Nestes últimos dezoito meses o preço do petróleo mais que duplicou impondo custos acrescidos a tudo e a todos. Uma acrescida procura derivada das economias emergentes, como a da China, contribuiu sem dúvida para que tal acontecesse. Mas a escalada de preços do petróleo, a que se vem assistindo, ultrapassa os factores normais do jogo entre a oferta e a procura, relevando antes da pura especulação, o que gera a necessidade cada vez mais premente de «limpar» o mercado do petróleo.


Fazendo fé no mercado, a maior parte dos economistas rejeitam, no entanto, a ideia de que a especulação é a grande responsável pelo aumento dos preços do petróleo. Segundo eles, se essa fosse efectivamente a causa para o fenómeno, então deveria haver um aumento dos stocks dos produtos petrolíferos, já que os preços mais elevados iriam reduzir o consumo, obrigando os especuladores a acumular petróleo. O facto dos stocks não terem aumentado serviria assim para exonerar os especuladores da responsabilidade da alta de preços.


Acontece que a situação é mais complexa que um tal raciocínio supõe uma vez que a procura do petróleo é particularmente insensível à alta dos preços. Com efeito, a curto prazo, é tecnicamente difícil um ajuste do consumo. Basta lembrarmo-nos que as necessidades de combustível de cada carro ou camião são fixas e não existem alternativas para a maior parte dos trajectos. E se o aumento das tarifas das viagens de avião pode levar à redução das reservas, a verdade é que as companhias aéreas não reduzem o seu consumo de carburante a não ser que anulem o voo de cada avião.


Ora como não há recessão, e a procura se mantém mais ou menos ao nível do ano anterior, não há diminuição das necessidades de petróleo o que faz com que a oferta possa impor as suas condições de venda como muito bem quer.


Ilustrativo disso é o facto da dívida dos consumidores e do crédito ao consumo não ter parado, e ter até registado um aumento nos Estados Unidos, conforme o desejo e a vontade da Reserva Federal que tudo faz para encorajar esse endividamento e a concessão de crédito. De resto, só assim se explica como é que a economia norte-americana tem conseguido pagar a taxa petrolífera imposta pelos especuladores.


Infelizmente é difícil de provar que a especulação é responsável pelo aumento dos preços, uma vez que ela tem tendência a produzir-se em períodos de boom económico., quando a alta dos preços se confunde facilmente com a dinâmica económica. De qualquer modo, a verdade é que, ao contrário do que dizem os supostos especialistas, os actuais stocks de petróleo mostram até muito bem a acção e a presença dos especuladores. Com efeito, os stocks estão hoje a níveis historicamente… normais, e até 10% acima do que se verificava há dois anos atrás. Com tais níveis seria lógico assistirmos a uma pressão para a sua descida. Mas o que nos diz o Wall Street Journal é que as empresas financeiras se mostram cada vez mais empenhadas em arranjar novas e maiores capacidades de armazenamento de petóleo.


O problema de base é efectivamente o facto dos mercados financeiros serem hoje capazes de mobilizar dezenas de milhões de dólares para fins especulativos. Isso levou a que os negociantes passassem a ter recursos que lhes permitem operar segundo uma estratégia comum que no fundo consiste em comprar o ouro negro e a vendê-lo rapidamente, enquanto os consumidores se vão habituando a pagar o produto a preços cada vez mais elevados – uma estratégia que, diga-se em abono da verdade, só saiu reforçada com a obstinação da Administração Bush nas reservas estratégicas de petróleo dos Estados Unidos, o que tem levado ao aumento da procura, ao mesmo tempo que contribui para o alargamento das capacidades de armazenamento e depósito do petróleo.


Se não houver uma inversão dos procedimentos dos negociantes (traders), a alta dos preços dos produtos petrolíferos só será interrompida com uma recessão que venha a esgotar as capacidades dos consumidores a absorver a subida dos preços, ou quando o lento processo de substituição do petróleo começar a surtir efeito. Nesse momento os fundamentos do mercado não deixarão de travar a especulação, mas até lá a sociedade terá pago um alto preço com uma economia mundial a sofrer uma profunda recessão, ao mesmo tempo que os especuladores petrolíferos terão arrecadado chorudos lucros.


No caso especial dos Estados Unidos – e de muitos outros países – a forte dependência das importações do ouro negro terão outras graves consequências como o agravamento do défice comercial e a desvalorização da moeda.


Toda esta situação exige um novo enquadramento que venha a regulamentar o acesso dos investidores aos mercados petrolíferos, e a limitar as suas posições a um nível aceitável, assim como a aumentar os montantes obrigatórios dos depósitos de garantia, quanto tal for possível. Infelizmente, sabendo nós qual é o sentido do «tradicional saber económico», a adopção daquelas medidas é muito pouco provável.


Resta assim a acção popular unilateral. Se nos lembrarmos que os depósitos de combustíveis das nossas viaturas constituem um dos principais locais de reserva do precioso líquido, então se os consumidores apenas os enchessem no mínimo possível, ou deixassem simplesmente de se abastecerem, isso levaria a uma baixa da procura, o que conjugado com a falta de capacidade de armazenamento poderia provocar uma descida de preços e neutralizar as operações especulativas dos especuladores.


Adaptação livre de um texto de Thomas I. Palley ( autor do livro « Post-Keynesian Economics»), publicado no jornal Le Monde de 1 de Julho de 2008 sob o título « Comment lutter contra la spéculation pétrolière»