22.5.08

O festival Alkantara 2008 de artes performativas começa hoje


O Alkantara Festival 2008 arranca hoje com o espectáculo "Tempest II" de Lemi Ponifasio (Nova Zelândia), no Teatro Municipal São Luiz (Lisboa).



Irá decorrer entre 22 de Maio e 8 de Junho. Em 17 dias vão ser apresentados 26 espectáculos, em 78 sessões de artistas vindos de Portugal, Austrália, Índia, Turquia, Nova Zelândia, República Democrática do Congo, Bélgica, Holanda, Grã-Bretanha, Suíça, EUA, Alemanha, Argentina, República Checa, Brasil, Líbano, França, Argélia e Colómbia, em 17 teatros e espaços em Lisboa (Auditório Carlos Paredes, Castelo de São Jorge, Centro Cultural de Belém, Culturgest, Espaço Alkantara, Espaço Land, Hospital Miguel Bombarda, Museu da Electricidade/Central Tejo, Museu do Oriente, Palácio Nacional da Ajuda, Maria Matos Teatro Municipal, São Luiz Teatro Municipal, Politécnica, Teatro Meriodional).


Ponto de encontro :



Espaço alkantara - calçada marquês de abrantes 99, santos

O novo espaço alkantara é o coração do festival. Todos os dias abre as portas ao 12h00. Há café e chá, revistas e jornais, computadores e internet wireless grátis. Na bilheteira central há bilhetes à venda para todos os espectáculos e informação sobre o festival. À noite servem-se jantares, bebidas e after midnight, um programa surpresa de conversas, concertos, intervenções artísticas e vídeo documentários relacionados com o programa do festival.


Apresentação do Festival



No início do século XIX, Hegel argumentou que a história humana se desenvolvia em sentido crescente, criando sociedades cada vez mais sofisticadas, equilibradas e justas. Há 15 anos atrás, o politólogo americano Francis Fukuyama concluiu que a humanidade tinha finalmente chegado ao fim desta história e alcançado a organização ideal: um sistema bicéfalo de democracia liberal e capitalismo global. Duas décadas depois, esta esperança algo ingénua tornou-se um fracasso óbvio. As diligências da administração Bush para exportar a ‘sua’ democracia, deram no que está à vista: guerra, intolerância, desprezo pelo direito internacional. A globalização do capitalismo correu bastante melhor, mas os resultados também são conhecidos: uma fossa crescente entre ricos e pobres, uma catástrofe ecológica à escala mundial e a supremacia da ganância e do consumismo.

Numa coisa Fukuyama tinha razão: a falta de alternativas credíveis é estrondosa. Para manter o nosso nível de vida, diz-se, a economia precisa de crescer e para isso acontecer, os nossos governos e as nossas empresas têm de primar no jogo dos mercados. Hoje em dia, o raciocínio é tão impregnado que até parece uma lei da natureza.

Não é de estranhar, dizem os pensadores da biopolítica: a sofisticação da nossa sociedade de consumo é tal, que os indivíduos interiorizaram a sua própria opressão. Se produzir e consumir estão intimamente interligados (a produção alimenta o consumo e o consumo sustenta a produção), formando a base da nossa prosperidade, nada é mais importante do que formatar o indivíduo enquanto produtor/consumidor. O primeiro objectivo da política tornou-se o controlo e a gestão da população, do bios, da vida de cada um de nós. E nós assim o queremos, porque nenhum preço parece alto demais para a segurança e a prosperidade, nada parece mais importante do que salvaguardar e aumentar a capacidade individual de consumir. Instalou-se a sensação de que a nossa liberdade coincide com o nosso poder de compra.

Em tempos de pensamento único precisamos de vozes dissonantes. Quando a vida parece afunilar-se num consumismo frenético, precisamos de descobrir outras vias. Já não há ninguém que ouse sugerir que a arte pode salvar o mundo, mas contra todas as tendências de massificação e entretenimento (pois, a arte também se tornou num produto de consumo), há quem continue a ver e praticá-la como forma de resistência. Como uma tentativa de visitar os mundos que se escondem atrás do mundo aparente. Como uma maneira de questionar o que é geralmente aceite, facilmente absorvido ou simplesmente cómodo.

Os fracassos do Marxismo real tornaram a ideia da comunidade suspeita, para muitos talvez até obsoleta, mas artistas como Lemi Ponifasio, Stefan Kaegi & Lola Arias, Faustin Linyekula e Filipa Francisco colocam a comunidade resolutamente no centro da sua prática artística. O desfasamento da religião institucional e a comercialização da New Age comprometeram a espiritualidade, mas Nacera Belaza parte da escuta do silêncio interior para criar as suas coreografias e William Yang não hesita em chamar à sua obra uma meditação.

Tiago Rodrigues & Rabih Mroué e o grupo Berlin vão à procura da realidade atrás das aparências, em lugares tão diferentes como Beirute e Bonanza, enquanto Nine finger de Benjamin Verdonck, Fumyo Ikeda e Alain Platel procura o encontro com algo que preferimos não confrontar: a natureza da violência. Akram Khan e Miguel Pereira procuram multiplicar ângulos de visão em diálogo com artistas de outras culturas, enquanto Clara Andermatt, Tiago Guedes e Nature Theater of Oklahoma se inspiram na cultura popular para experimentar visões alternativas dos mundos em que vivemos. Teatro Praga discute o conservadorismo, Michel Schweizer a biopolítica e Patrícia Portela pergunta: “O mundo seria um lugar melhor se cada um tivesse uma segunda oportunidade?” No mundo hipotético do palco, o debate político e social alcança novas ressonâncias.

Talvez menos óbvio, mas não menos penetrante é o trabalho minucioso que Thomas Hauert e o duplo Jonathan Burrows & Matteo Fragion desenvolvem na fronteira entre a dança e a música. Ou os vários encontros do corpo e da matéria, ensaiados por Cláudia Dias, Aydin Teker, Padmini Chettur ou Zoitsa Noriega & Magdalena Sloncova. Criam-se espaços de experimentação, mundos imaginários para os quais normalmente resta pouco espaço na vida acelerada das nossas cidades.

Uma anedota conhecida conta a história de um homem que cai de um arranha-céus. Enquanto cai vai repetindo as palavras: “por enquanto tudo bem… Por enquanto tudo bem”. Perante um mundo que insiste em ignorar o fim da queda, o resmungar, murmurar, rosnar, miar, zumbir, gaguejar e cantar dos intérpretes na peça de Vera Mantero até que deus é destruído pelo extremo exercício da beleza é uma preciosa voz de divergência.



Mark Deputter (director do Festival)




Calendário e programação:

http://www.alkantarafestival.pt/calendario.html

http://www.alkantarafestival.pt/

http://www.alkantara.pt/