7.3.08

Quem é a actual ministra da educação que passou do anarquismo para a cadeira do poder mas que não pára de semear revolta e contestação ao poder?


Quem é Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra da educação que passou do anarquismo para a cadeira do poder mas que não pára de semear revolta e contestação ao poder?


Excertos da entrevista e do artigo biográfico de Maria de Lurdes Rodrigues, que veio do anarquismo, fez a sua tese de doutoramento sobre a profissão de engenheiro, e chegou a ministra da educação pela mão do pseudo-engenheiro Sócrates, publicado na revista Pública de 18 de Dezembro de 2005 e da autoria do jornalista Adelino Gomes




Por que é que os professores não gostam da senhora?
Quem faz a pergunta à ministra da Educação é o efémero aluno de um seminário sobre Sociologia das Profissões à professora que na terceira aula havia comunicado, desolada, à turma, que fora convidada para integrar o elenco governativo. Ainda tentara, mas não havia nenhuma possibilidade legal de prosseguir aquele contacto semanal, durante o semestre, com os alunos. Alguns dos quais alimentavam a esperança de a ter como orientadora de tese, numa matéria de que foi pioneira e permanece a grande especialista, em Portugal.
"Se estivesse no lugar dos professores, também não gostava da ministra da Educação", responde Maria de Lurdes Rodrigues.

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Algumas das suas decisões mais polémicas, tem consciência, estão a pôr em causa o quotidiano dos professores. Porque abalam um importante elemento da sua cultura profissional: o de, à medida que progridem na carreira, irem tendo menos aulas. "Acho que se justifica o desagrado dos professores com a ministra. Também me desagradaria a mim. Eu trabalhei, como professora, sempre muito. E muitos professores trabalham imenso."


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A sucessão de cartões vermelhos que lhe levantaram nestes nove meses não parece impressioná-la muito. "Se não gostarem de mim, virá depois outro ministro que terá este trabalho feito", comenta, referindo-se em particular às medidas que levaram à greve. "A história política é feita assim. Os ministros que vêm cortam e depois pacifica-se para a frente. É irrelevante gostarem de mim muito ou pouco. Há uma primeira fase de grande perturbação e de incómodo. E depois vem a fase do ajuste", diz, no tom de voz macio e tranquilo mas definitivo, por vezes glacial, que lhe vamos conhecendo.

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Professora desde 1986 no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), onde se licenciou, doutorou e fez as provas de agregação, Maria de Lurdes Rodrigues presidia ao Conselho Científico desta escola quando recebeu o convite para ministra da Educação.
A escolha de José Sócrates surpreendeu muita gente, incluindo alguns amigos, que só dela souberam sobre a hora da sua divulgação pública.
A socióloga atingira o posto máximo da carreira docente. Muito elogiada, aliás, nos planos profissional e científico, sendo conhecida a qualidade das suas orientações de teses de mestrado e de doutoramento. "É tão exigente quanto apoiante do orientando", explica António Dornelas, antigo aluno, mais tarde colega na docência e amigo muito próximo, hoje.
Para além da obra seminal "Os Engenheiros em Portugal" (tese de doutoramento em 1996, publicada pela Celta três anos depois, e que constitui tema recorrente nos seus estudos), é autora ou co-autora de dezenas de trabalhos (individuais ou em parceria) nas áreas da Sociologia das Profissões e da Sociedade da Informação


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Universitários que com ela ensinaram ou investigaram, no ISCTE e no CIES (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, de que foi coordenadora), apontam-lhe duas qualidades-chave: "Capacidade organizadora e de concretização" (António Firmino da Costa) e convicção, que a faz lutar pelas causas que abraça e saber "levá-las a bom "porto"" (Maria das Dores Guerreiro). Resume Maria Alexandre Lousada (Departamento de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa), uma das amigas mais próximas e constantes desde os tempos do jornal "A Batalha" e da revista "A Ideia", publicações ligadas ao anarco-sindicalismo e à área libertária: "Ela não se limita a estudar os dossiers e a avançar diagnósticos. Gosta de fazer. E não se intimida com obstáculos."
João Freire - um especialista em Sociologia do Trabalho, de quem a ministra foi assistente e que lhe orientou a tese de doutoramento, permanecendo como a grande figura de referência do seu percurso académico e também cívico - assinala o carácter decisivo de duas linhas de estudos por ela desenvolvidas antes, com a economista Manuela Silva e com o sociólogo Manuel Villaverde Cabral. Com a primeira, sobre empresários, o que a levou a cruzar "o conhecimento sociológico com a realidade económica"; com o segundo (que foi também seu professor, aliás "brilhante", segundo a própria), sobre atitudes sociais. "Aí radica" - pensa aquele professor jubilado do ISCTE - "a profunda convicção que ela ganha da importância da educação no desenvolvimento de Portugal."
A aposta de José Mariano Gago, que a convidou, em 1997, para presidir ao recém-criado Observatório das Ciências e das Tecnologias, marcou-lhe, provavelmente, o destino.
Porque saiu, cinco anos depois, carregada de elogios. Mariano Gago classifica de "feito notável" a construção do Observatório "praticamente do zero" e lembra que foi ela quem montou também "todo o secretariado técnico da Missão Interministerial para a Sociedade da Informação", permitindo que Portugal disponha "de dados fiáveis em matéria de Sociedade da Informação".

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A passagem pelo Ministério da Ciência aproximou-a definitivamente do PS, com quem passou a colaborar, através de Mariano Gago, em grupos informais de estudo.
A sua intervenção no seminário Novas Políticas para a Competitividade, organizado pelo grupo parlamentar do PS em finais de 2002, pode qualificar-se, a essa luz, premonitória. Em 2001, um em cada dois activos que passaram pelo ensino secundário não o concluíram. "Só este número já justifica uma política maciça", alertou, chamando a atenção para o facto de um milhão e oitocentos mil activos terem ainda um nível de instrução inferior à escolaridade obrigatória.


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O percurso pessoal e escolar de Maria de Lurdes Rodrigues ilustra alguns destes traços de personalidade. Em 1976, a meio do curso de Sociologia, parte para Moçambique com o marido. Tem 21 anos e quer ajudar a revolução. Permanece quatro anos. Primeiro em Maputo, no Ministério do Trabalho, onde trabalha na área da formação profissional; depois no Monapo (Nampula), num complexo fabril em que se extrai óleo de sabão a partir de copra e se descasca caju.
Responsável do sector social (creche, refeitório, cantina) e da formação profissional, desenvolve junto dos 2500 operários um programa de alfabetização em massa, que decorre à hora de almoço ("a empresa dava uma hora, os operários outra").
Vive a experiência intensamente, profissional e socialmente. Sente, muito directamente, o choque de culturas quando quer salvar um gémeo a quem a mãe abandonou, para que morresse, por ser o mais fraco, ou se confronta, quando nele pretende intervir, com o caso de uma menina "dada" aos 12 anos em casamento.
Decide que não ficará quando, com os 40 outros cooperantes portugueses, se vê forçada a assistir à aplicação "ao vivo" da lei do chicote, introduzida pelo regime de Samora Machel


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Regressa a Portugal e ao ISCTE, a que alguns chamavam "a nossa pequena Nanterre", referindo-se ao encontro de uma geração vinda do antigo regime e do catolicismo com esquerdistas ("Não sei se é comum: nela vive-se uma plena autonomia, e há um grande acolhimento de ideias e experiências. Sinto saudades", diz a ministra).
Faz a tese de licenciatura vivendo no terreno a célebre greve dos Vidreiros da Fontela - carregada de "momentos de fortíssima expressão com um lado festivo muito sublinhado" - em meados da década de 80.
Reata entretanto o contacto, agora mais próximo no plano académico, com João Freire, com quem se cruzara na sede do jornal "A Batalha", órgão histórico do anarco-sindicalismo, e com Maria Alexandre Lousada, com quem colara etiquetas no jornal, em 1975. Na Biblioteca Nacional integra a equipa que pesquisa toda a documentação anarco-sindicalista em Portugal.
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Confirma, corrigindo-a apenas em pequenos pormenores, a história que se conta sobre o dia em que, com outros colegas, fez uma espera a um professor porque este aderira a esse "partido burguês" que era o PS. Acha que não foi uma espera e que não empregou a palavra "burguês". E contextualiza o episódio: o professor era Serras Gago, com quem partilharia mais tarde o gabinete no ISCTE. Ele tinha abandonado o MES e aderido ao PS e os alunos queriam perceber as razões daquela mudança em alguém que lhes ensinava Sociologia Política e tanto discutia com eles sobre política.
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Faça-se-lhe provocação semelhante, décadas depois, e pergunte-se o que leva uma anarco-sindicalista a entrar num governo burguês. A resposta sairá, sem tegiversações: "O desejo de conciliar interesses, em vez de ignorar que eles existem."

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A curiosidade jornalística é sustida, porém, à porta da esfera privada. "É uma mulher secreta", avisara um colega. "O que é que interessa isso para um perfil da ministra da Educação?", responde ela, recorrentemente, quando as perguntas versam amores (é divorciada), o bairro que habita, o curso que a filha frequenta, os restaurantes preferidos. Ainda deixa que se saiba que manteve os hábitos antigos, inclusive o de almoçar muitas vezes na Versalhes. Que vai jantar normalmente a casa, para onde leva trabalho, (…)




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