O café dissolve o respeito pela Regra e pelo Dogma
«O café! Mas o café foi logo, desde a sua aparição, a bebida dilecta, quase oficial do Racionalismo! Estimulando a Imaginação e a Razão Indagadora – ele implicitamente dissolve o respeito pela Regra e pelo Dogma imutável . O café, mais que a Enciclopédia, fomentou a Grande Revolução. Bebido, com o alvoroço da sensação nova, por Buffon, Diderot, d’Alembert, Rousseau, ele aqueceu mais aquelas almas calorosas, aguçou mais aqueles espíritos penetrantes: e Michelet não duvida afirmar, com gongorismo, mas com rigor histórico, que sessa geração forte descobriu no fundo das chávenas, através da negra e perfumada bebida, o luminoso raio de 89! Os ímpios do século XVIII foram insaciáveis bebedores de café – e, na primeira mesa do botequim do Procópio onde ele se bebeu, se improvisavam decerto as primeiroas pilhérias sobre Jeová. Voltaire tirou da cafeteira toda a sua obra demolidora. Esse diabólico rei da Prússia, Frederico o Grande, que morreu dos excessos do café, e que se regalara de não acreditar nem em Deus nem na vida eterna, exclamava, moribundo:«Já não sou nada, já não bebo café! O café, a quem devo tanta ideia!... Agora ao almoço só sete chávenas e ao jantar apenas catorze!» Voltaire, Frederico da Prússia!... Estes dois únicos homens deviam tornar para sempre suspeitos à Igreja os escuros grãos donde eles tiraram a força, o ardor, a petulância e as ideias»
Eça de Queiroz, Encíclica Poética, in Notas Contemporâneas, crónica publicada em Outubro de 1897 na Revista Moderna, em Paris, onde Eça crítica o papa Leão XIII