(texto de João Wengorovius Meneses, publicado hoje no Diário Económico)
Hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Enquanto leu esta frase uma pessoa morreu de pobreza extrema – morre uma pessoa em cada 1,7 segundos. Na sua maioria crianças. Outra morreu, entretanto.
Segundo as Nações Unidas, 2,8 mil milhões de pessoas (quase metade da população mundial) vive com menos de 1,5 euros por dia. Para além disso, todos os dias, 50 mil pessoas morrem de pobreza extrema, metade das quais de fome ou causas relacionadas. Diariamente, mais de 800 milhões de pessoas vai para a cama com fome e, anualmente, 6 milhões de crianças morrem de subnutrição antes de completar os cinco anos de idade.
Pobreza é ter fome, é não ter casa, é estar doente e não ter acesso a um médico, é não ter escola, é não saber ler nem escrever, é ver morrer um filho devido a doenças vulgares, é não ter trabalho, é não dispor de qualquer tipo de poder, é não ter liberdade. Os pobres nada têm. Ou, noutro registo, como escreveu Eugenio Montale, “nós os pobres a nossa parte de riqueza / é o cheiro dos limões”.
A pobreza pode resultar de factores económicos (baixos rendimentos ou desemprego), sociais (habitação degradada, doença ou iliteracia), culturais (intolerância ou xenofobia), políticos (corrupção ou falta de sistemas de governo e participação) e ambientais (falta de água, desertificação ou perda de biodiversidade). Com diferentes expressões e graus de urgência, ela é um fenómeno transversal dos países mais ricos aos países mais pobres.
Em 2000, os governos assumiram nas Nações Unidas o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (ODM) de reduzir para metade a pobreza extrema, até 2015. Não é aceitável que este objectivo esteja em risco, quando os recursos para o conseguir são cada vez mais abundantes. É um contra-senso da nossa civilização.
No ano passado, 23,5 milhões de pessoas em todo o mundo assinalaram o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza “levantando-se”. Para quê? Para lembrar aos líderes dos países mais ricos as três promessas que fizeram de combate à pobreza – o perdão da dívida, mais e melhor ajuda externa e comércio mais justo –, e para lembrar aos líderes dos países mais pobres que devem tomar como prioridade combater as desigualdades e a corrupção e ser transparentes e responsáveis na forma como gastam o dinheiro.
Olhando para Portugal, cerca de 20% da população encontra-se em risco de pobreza. Portugal não tem conseguido criar mecanismos eficazes de combate à pobreza, apesar dos 25% do PIB dedicados todos os anos a despesas com a protecção social. É inquietante saber que antes de transferências sociais e pensões, a percentagem de população em risco de pobreza aumenta de 20% para 42%.
O Orçamento de Estado para 2008 procura assumir um maior compromisso com a coesão social, mas os passos são tímidos e insuficientes. Para aumentar, em Portugal, a eficácia das respostas às necessidades sociais seria necessário ultrapassar a burocracia do sector público, a brutalidade do sector privado e o amadorismo do terceiro sector. Para além disso, sector público, privado e terceiro sector teriam de ser capazes de se envolver em parcerias e ter maior propensão para continuamente desenvolver respostas com inovação social.
Segundo o economista Jeffrey Sachs, há recursos suficientes para acabar com a pobreza extrema no mundo, até 2025. Nós somos a primeira geração a quem é dada a oportunidade de acabar com essa afronta à dignidade humana. Estão em causa milhões de seres humanos, bem como todos os poemas de Sophia de Mello Breyner, todos os discursos de Ghandi, todas as conquistas individuais de cada ser humano que atravessou a História procurando ser melhor. Por todos eles, hoje “levanta-te”.
Acabar com a pobreza também depende de ti e de pequenos gestos. Hoje, regista-te em www.pobrezazero.org/levantate e depois “levanta-te”. É um gesto simbólico mas importante. Da minha parte, sempre que começo a achá-lo ridículo lembro-me do mais belo título de Susan Sontag – “Styles of a radical will” – e deixo-me de hesitações.
João Wengorovius Meneses, Gestor na ONG TESE
Hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Enquanto leu esta frase uma pessoa morreu de pobreza extrema – morre uma pessoa em cada 1,7 segundos. Na sua maioria crianças. Outra morreu, entretanto.
Segundo as Nações Unidas, 2,8 mil milhões de pessoas (quase metade da população mundial) vive com menos de 1,5 euros por dia. Para além disso, todos os dias, 50 mil pessoas morrem de pobreza extrema, metade das quais de fome ou causas relacionadas. Diariamente, mais de 800 milhões de pessoas vai para a cama com fome e, anualmente, 6 milhões de crianças morrem de subnutrição antes de completar os cinco anos de idade.
Pobreza é ter fome, é não ter casa, é estar doente e não ter acesso a um médico, é não ter escola, é não saber ler nem escrever, é ver morrer um filho devido a doenças vulgares, é não ter trabalho, é não dispor de qualquer tipo de poder, é não ter liberdade. Os pobres nada têm. Ou, noutro registo, como escreveu Eugenio Montale, “nós os pobres a nossa parte de riqueza / é o cheiro dos limões”.
A pobreza pode resultar de factores económicos (baixos rendimentos ou desemprego), sociais (habitação degradada, doença ou iliteracia), culturais (intolerância ou xenofobia), políticos (corrupção ou falta de sistemas de governo e participação) e ambientais (falta de água, desertificação ou perda de biodiversidade). Com diferentes expressões e graus de urgência, ela é um fenómeno transversal dos países mais ricos aos países mais pobres.
Em 2000, os governos assumiram nas Nações Unidas o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (ODM) de reduzir para metade a pobreza extrema, até 2015. Não é aceitável que este objectivo esteja em risco, quando os recursos para o conseguir são cada vez mais abundantes. É um contra-senso da nossa civilização.
No ano passado, 23,5 milhões de pessoas em todo o mundo assinalaram o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza “levantando-se”. Para quê? Para lembrar aos líderes dos países mais ricos as três promessas que fizeram de combate à pobreza – o perdão da dívida, mais e melhor ajuda externa e comércio mais justo –, e para lembrar aos líderes dos países mais pobres que devem tomar como prioridade combater as desigualdades e a corrupção e ser transparentes e responsáveis na forma como gastam o dinheiro.
Olhando para Portugal, cerca de 20% da população encontra-se em risco de pobreza. Portugal não tem conseguido criar mecanismos eficazes de combate à pobreza, apesar dos 25% do PIB dedicados todos os anos a despesas com a protecção social. É inquietante saber que antes de transferências sociais e pensões, a percentagem de população em risco de pobreza aumenta de 20% para 42%.
O Orçamento de Estado para 2008 procura assumir um maior compromisso com a coesão social, mas os passos são tímidos e insuficientes. Para aumentar, em Portugal, a eficácia das respostas às necessidades sociais seria necessário ultrapassar a burocracia do sector público, a brutalidade do sector privado e o amadorismo do terceiro sector. Para além disso, sector público, privado e terceiro sector teriam de ser capazes de se envolver em parcerias e ter maior propensão para continuamente desenvolver respostas com inovação social.
Segundo o economista Jeffrey Sachs, há recursos suficientes para acabar com a pobreza extrema no mundo, até 2025. Nós somos a primeira geração a quem é dada a oportunidade de acabar com essa afronta à dignidade humana. Estão em causa milhões de seres humanos, bem como todos os poemas de Sophia de Mello Breyner, todos os discursos de Ghandi, todas as conquistas individuais de cada ser humano que atravessou a História procurando ser melhor. Por todos eles, hoje “levanta-te”.
Acabar com a pobreza também depende de ti e de pequenos gestos. Hoje, regista-te em www.pobrezazero.org/levantate e depois “levanta-te”. É um gesto simbólico mas importante. Da minha parte, sempre que começo a achá-lo ridículo lembro-me do mais belo título de Susan Sontag – “Styles of a radical will” – e deixo-me de hesitações.
João Wengorovius Meneses, Gestor na ONG TESE