26.7.07

A utopia ecológica de William Morris


Pintor pré-rafaelista, desenhador ( de telas e papel pintado), magnífico tipógrafo ( a edição da sua responsabilidade dos Contos de Canterbury, ilustrada por Burne-Jones é considerada um jóia mundial), William Morris é um polifacetado escritor e artista inglês do século XIX ( nasceu em Walthamstow, 1834-Kelmscott House 1896) e uma figura importante do que se convencionou chamar socialismo utópico, sendo justamente considerado o mais importante escritor utópico do séc. XIX da Inglaterra.

Nasceu numa família endinheirada e teve uma infância privilegiada, junto da natureza rural e campestre e do que de melhor esta podia oferecer. Depois de um período onde frequenteu o Marlbrough College, de que foi expulso por indisciplina, entra em 1853 no Exeter College ( Oxford) onde recebe a influência de John Ruskin, célebre estudioso de arte e reconhecido reformador social, que defende a ligação entre a vida, a arte e o trabalho, e acaba por se reunir ao círculo artístico dos pré-rafaelitas. Consagra-se ao fabrico de móveis, dando primazia à reabilitação dos estilos medievais, ao mesmo tempo que trabalha iluminuras de livros, na decoração de vidros coloridos e na escultura em madeira.

Em 1861 é criada a sociedade Morris and Co que se dedica à produção de mobiliário e de peças para decoração interior e que, em breve, se tornou conhecida pelo seu elevado nível de tal modo que as suas criações têm um lugar central no então nascente movimento Arts and Crafts.
A partir dos anos de 1870 Morris interessa-se pela acção política, começa a dar conferências, quase sempre para auditórios operários, onde não se cansa de defender a ligação entre arte e trabalho no seio de uma sistema socialista. O socialismo de Morris é, pois, fortemente influenciado pela estética e pela criatividade individual, e a importância que ele confere à necessidade de embelezar todos os momentos do quotidiano. Harmonizar a cidade e o campo é outra das suas preocupações constantes e sonha transformar a Inglaterra num «jardim», preconizando restringir a selvagem industrialização que a paisagem inglesa estava a sofrer e que, segundo ele, não respondia a nenhuma necessidade. Apesar de extremamente crítico para com a maquinaria industrial, e a divisão de trabalho que engendrava, William Morris não defendia a supressão total das máquinas, antes desejando que estas apenas fossem utilizadas quando se mostrassem como benéficas para tornar menos pesado e enfadonho o trabalho humano. ( ver as suas conferências de 1884 intituladas « Trabalho inútil contra pena inútil» e « A fábrica tal como deve ser»).


O livro mais conhecido dele, editado em 1891, e que relata uma utopia, tem por nome «Notícias de lugar nenhum» (News from nowhere). Alguns anos antes, Em 1888 publica a novela «O sonho de John Ball» onde mistura utopia, sonho e uma viagem na história, e por onde perpassa um certo pessimismo sobre a liberdade, a igualdade dos trabalhadores e a justoça social . O narrador da novela é transportada para uma pequena aldeia em plena Idade Média inglesa, que luta pelos seus direitos e liberdade contra os seus senhores. A revolta popular é liderada por um clérigo sábio e atrevido, de seu nome John Ball, e com quem o narradar entabula uma conversa nocturna, sob o tecto de uma igreja medieval, acerca da liberdade humana, a igualdade dos trabalhadores e a justiça social. Aquela revolta fracassa, mas da conversa se deduz que outras surgirão face a um sistema social injusto ( o capitalismo ) que não deixará de manter e perpetuar a exploração do homem pelo homem, do humilde pelo poderoso, dos que nada têm pelos possidentes. Uma visão pessimista do futuro mas que não deixa aos homens outra solução que não seja irem à luta no decurso dos séculos em que reinar a iniquidade. Agora e sempre o homem deve procurar uma solução. John Ball deve assim marchar sobre Londres, não obstante a probabilidade de acabar na forca por desobediência ao rei. A novela acaba com uma lenda de rei húngaro Mattias Corvinas que deixa pairar uma vaga desesperança, mas serve também para Morris retratar os usos e costumes, o ambiente social da época medível, de que o autor se sente próximo, em contraste com a pérfida evolução a que assiste por efeito da industrialização das cidades e do campo da sua região.

Morris demora-se particularmente em descrever a beleza artesanal daquela época e não se cansa em elogiar o artesanato, a arte e o labor artesanal. Na injusta Idade Média havia mais gente feliz que no industrializado século XIX, para além das coisas estarem muito melhor feita que na era da produção industrial em série


Mas o livro mais conhecido dele, editado em 1891, e que relata uma utopia, tem por nome «Notícias de lugar nenhum» (News from nowhere). Trata-se de uma crítica em forma de romance utópico contra a obra de Edward Bellamy (1850-1898) , Looking Backward 2000-1887(Revendo o futuro) de 1888, considerada por Morris como uma utopia cockney ( com esta expressão pretende o autor designar tudo o que é prejudicial e negativo para Londres).
Na sua utopia Bellamy leva ao extremo as tendências então emergentes de centralização e de mecanização, num pano de fundo igualitário, onde os cidadãos mais se assemelham a soldados de um quartel vocacionado para a produção industrial ( o exército de trabalho é literalmente constituído graças ao princípio do recrutamento obrigatório), ou então a peças de uma enorme engrenagem social segundo o modelo da modernidade burocrática, enformando toda uma rígida estrutura social fechada que para se manter precisa de valorizar o desporto que se constitui assim como uma forma de evasão do ambiente totalitário em que estão encerrados os indivíduos. Em contraste, Morris esboça uma utopia claramente anticentralizadora que logo ganha as simpatias dos seus amigos anarquistas.

Morris sabe que as utopias de reconstrução à maneira da de Bellamy mais não servem para reorganizar as tendências industrializadoras que cada vez mais se acentuavam na Inglaterra e que a dignidade do homem não está tanto na obediência cega como na sua capacidade criativa. Por isso a sua obra, «Notícias de lugar Nenhum», transporta-nos para um mundo oposto àquele que ele via todos os dias a nascer em Londres, para um mundo onde se questiona o crescimento e a eficácia industrial, assim como o gigantismo da produção e das cidades. Um mundo onde o homem é a medida de todas as coisas, se afirma a relação entre o homem e o ambiente, e o comércio não é aquela actividade impessoal e predatória da natureza e da vida das pessoas. Porque o alheamento entre o ser humano e o real criara o desaparecimento do saber-fazer artesanal e os homens alienados encontravam-se à mercê de um meio social artificial, Morris profetiza um regresso ao trabalho manual, à habilidade do homo faber que permitiria a reintrodução da estética na vida diária uma vez que exigência de beleza deveriam presidir ao fabrico dos objectos e artefactos.

A história começa com um despertar estranho do narrador, numa Casa de Hóspedes, que se surpreende a viver dois séculos depois do tempo a que estava habituado, um futuro socialista que se lhe oferece radioso face à brutal realidade inglesa do século XIX industrial. Nesse futuro tudo seria embelezado e purificado, desde os rios ( que inclui o convite de um barqueiro para um mergulho matinal do Tamisa), as pessoas , os locais ( com uma toponímia renovada) até ao sistema político e social, para surpresa e satisfação do personagem-narrador ao longo de um passeio a que ele se entrega através de Londres e do vale do rio Tamisa a montante da cidade. As roupas, por exemplo, seriam feitas em casa à imagem e inspiradas na época medieva. As mulheres, por seu turno, eram não só iguais aos homens, como livres de fazer aquilo que mais gostassem de fazer, para além de exibirem um vigor atlético e uma saúde física dignos de registo. A dimensão de Londres era mais reduzida, cheia de bosques e prados, ao passo que as aldeias ao seu redor teriam adquirido uma dimensão que as tornavam auto-sustentáveis. Já a aquitectura feita de materiais tradicionais tinha superado a lúgubre arquitectura industrial caracterizada pelo vasto uso do aço e a construção de monumentos já passar para o tempo passado pois eram símbolos imóveis de um inócuo pretensiosismo de morte (as Casas do Parlemento inglês estavam agora convertidas em armazém de estrume) Na utopia morrisiana não há compras nem vendas no sentido comercial, mas antes mercados regulados por acordos locais, de controles regulares, mas cuja regulação é desprovida de sanções punitivas. Os crimes desapareceriam com a abolição da propriedade privada, e os criminosos seriam vistos não como delinquentes mas como amigos tresmalhados. Os usos e costumes prevalecem face à lei. A tolerância e o respeito pela diferença e pela individualidade de cada um primava nas relações sociais, pelo que a opinião mnoritária não deixaria de ser respeitada e não seria esmagada peloa maioria. A criatividade estava omnipresente em tudo o que dissesse respeito ao trabalho num espantosa harmonia entre beleza artística e o trabalho. Enquanto na outra época se falava da necessidade de trabalho, da dignidade e do heroísmo do trabalhador, os trabalhadores imaginados de «Notícias de lugar nenhum» descobrem a beleza do trabalho tranquilo, realizado com habilidade e perícia manual próprio dos artesãos criadores. Curiosamente não deixam de existir indivíduos insatisfeitos: um, é um velho que se dedica à história e confessa a sua nostalgia pela era de cocorrência, e outro, é alguém que compara a literatura utópica com aquela que estava repleta de enredos, paixões e desgraças e conclui que a primeira é mais dócil. Mas, no fundo, a única contrariedade que econtramos nos habitantes da Londres imaginada pelo autor são os desgostos de amor, em relação aos quais nada nem ninguém é imune.

O regresso à natureza preconizado por William Morris significa uma recuperação da simplicidade, da acção directa e da beleza natural, uma reinvenção da harmonia e do equilíbrio entre homem e natureza, longe de qualquer forma de ascetismo e de maniqueísmo, e até muito mais próximo da vida prática ideal.

Bibliografia:

- L’utopie ecologique de William Morris, Michel Louve, artigo publicado na colectânea «Utopia, mitos e formas», compilação das comunicações apresentadas no Colóquio com o mesmo título, sob a coordenação de Yvette Centeno e promovido pelo Acarte, da fundação Calouste Gulbenkian em colaboração com o gabinete de estudos de simbologia da Universidade Nova de Lisboa

- La pensée utopique de William Morris, Paris, 1972

- Dictinonnaire des utopies, Michèle Riot-Sarcey, Thomas Bouchet, Antoine Picon, Larousse, 2002



Sobre os múltiplos encontros a realizar este ano sobre William Morris:
http://www.morrissociety.org/index.html