26.7.07

O comércio ético é apenas uma outra forma de mostrar que se é rico

O consumismo verde não salvará a biosfera

(Ethical shopping is just another way of showing how rich you are)
Artigo de George Monbiot, publicado no jornal The Guardian (24 de Julho)
(tradução livre)

Aconselhar a comprar orgânico, sazonal, local, sustentável e reciclado não adianta nada se não apostarmos na redução drástica do consumo

As classes médias gostam de mostrar e congratular-se pelas suas atitudes e pelo seu modo de vida verde, quando na verdade elas viajam, compram e voam hoje muito mais do que no passado.



As coisas podem não ser como estão a acontecer. Os cientistas do clima dizem-nos que os nossos Invernos se tornarão mais húmidos e os nossos Verões cada vez mais secos. Sendo assim não posso dizer que estas inundações foram causadas pelas mudanças do clima, ou que são consistentes com os modelos. Mas tal como o fantasma do Natal, ainda por vir, elas oferecem-nos um vislumbre do possível ambiente invernal que nós habitaremos caso não o evitemos a tempo.

Com o aumento do nível do mar e o aumentos das chuvas de Inverno – sem esquecer que, quando as árvores estão despidas e os solos saturados, há poucos lugares para onde ir a água da chuva - bastará haver uma coincidência entre um forte caudal de água e uma maré alta para termos reunidas todas as condições para um enorme desastre. Nós estamos a ver agora como as inundações podem inutilizar serviços essenciais e bloquear a acção dos bombeiros e dos encarregados da emergência civil. Mas os acontecimentos deste mês não devem ser colocados ao mesmo nível de algumas das previsões que circulam em jornais de referência. Os nossos esforços políticos devem ser antes de mais para impedir o desaparecimento das grandes massas de gelo do Árctico e da Greenland. A única interrogação sobre as mudanças climáticas que agora vale a pena é saber como podemos fazer isso.

Dúzias de livros novos parecem dar uma resposta: nós podemos salvar o mundo adoptando «melhores, e mais ecológicos, estilos de vida». Na última semana, por exemplo, o jornal The Guardian publicou um extracto do livro A Slice of Organic Life escrito por Sheherazade Goldsmith – casada com o abastado e riquíssimo ecologista Zac – e no qual ela nos ensina “a viver dentro dos limites da natureza”. Fácil, não é? Basta fazermos o nosso próprio pão, manteiga, queijo, geleia, e pickles, ter uma vaca para ordenha, alguns porcos, cabras, gansos, patos, galinhas, beehives, jardins e pomares. Tudo tão fácil que dá vontade para perguntar o que é que você está ainda à espera?

O livro contém abundantes conselhos úteis, e a autora parece ser sincera, modesta e estar bem informada. Mas sobre as acções para operar a mudança política, não há uma única palavra. Dá a impressão que o palenta pode ser salvo a partir da sua própria cozinha - se você tiver, claro está, os recursos e todo o tempo do mundo. Quando eu estava a ler o livro no comboio, um outro passageiro perguntou-me se poderia dar uma olhadela ao livro. Ele deu-lhe uma vista de olhos e resumiu depois o problema em poucas palavras: «Isto é para as pessoas que não trabalham.»

A obsessão dos media para com a beleza, a prosperidade e a fama impede qualquer alternativa que belisque naqueles valores, considerados intocáveis, tal como acontece com a política ambientalista. Há um conflito inerente entre um estilo de jornalismo que faz os leitores sentirem-se bem consigo próprios e que consegue vender cozinhas rústicas e promover o aumento da procura ambientalista segundo a qual nós devemos consumir menos. «Nenhuma dessas mudanças representa um sacrifício», diz-nos Goldsmith, a autora do livro. «Ser mais consciencioso não é desistir das coisas.» Mas se é assim, podemos então possuir mais do que uma casa quando outros não têm nenhuma. Por mais incómodo que isto seja para os media e os seus publicitários, desistir das coisas é uma componente essencial da atitude comportamental verde. Na secção de comércio ético no livro de Goldsmith recomenda-se comprar produtos locais, orgânicos, reciclados, sustentáveis e da estação do ano. Mas nada diz sobre a necessidade de se comprar menos.

O consumismo verde está a transformar-se numa peste para o planeta. Se simplesmente trocássemos os bens prejudiciais nós compramos por bens menos prejudiciais, eu era o campeão. Dois mercados paralelos estão em franco crescimento - um para produtos anti-éticos e um outro para produtos éticos, e a expansão do segundo faz pouco para travar o crescimento do primeiro. O que me parece é que estou a afogar-me numa onda do eco-lixo (ecojunk). Há seis meses os nossos «coats pegs» passaram a estar revestidos com sacos orgânicos de algodão, que - enchidos com pacotes de sais de banho jojoba e de chá ginseng - são agora as prendas obrigatórias em qualquer encontro ou reunião ambientalista. Tenho diversos carregamentos para canetas de esfera, feitas com papel reciclado, e meia-dúzia de mini-carregadores solares para dispositivos que não possuo.


Na última semana o jornal The Telegraph telégrafo disse aos seus leitores para não abandonar a luta para conservar o planeta. «Há ainda uma esperança, e as classes médias, com os seus compostos e os seus eco-aparelhos, estão a mostrar o caminho a trilhar.» Algumas sugestões úteis foram dadas, tais como «um modelo de carro de competição a hidrogénio», que, por 74.99 libras, pode ter um painel solar, um «electrolyser» e uma célula combustível. Sabe-se lá com que metais raros e processos intensivos de energia foram usados para o produzir. Em nome da consciência ambiental o que estamos a criar é simplesmente novas oportunidades para o aumento dos lucros do capital.

O comércio ético está em vias de se transformar em outro indicador de status social. Conheço pessoas que compraram painéis solares e turbinas de vento antes de isolarem as suas casas, em parte porque adoram aparelhos electrodomésticos, mas também porque, como eu suspeitava, querem mostrar a todos como não só são conscienciosos como ricos e abastados. Afirmamos frequentemente que a compra de tais bens promove uma mentalidade mais aberta acerca dos desafios ambientais, mas também é verdade que esse é o caminho mais curto para a despolitização. Com efeito, o consumismo verde é outra forma de atomização, um substituto da acção colectiva. Nenhuma mudança política pode acontecer por via da simples comercialização de produtos verdes.

As classes médias exibem o seu modo de vida verde e congratulam-se com ele apesar de se deslocarem, comprarem e voarem mais hoje em dia do que em tempo algum. É fácil pintar um retrato da situação em que todo o mundo compre produtos verdes enquanto as emissões de carbono não param de aumentar.


Como muitos ecologistas argumentam, é certo que a maioria de pessoas encontram na vida verde uma aspiração mais atraente que o sujo puritanismo. Mas isso também pode ser alienante. Conheço muitos agricultores e proprietários de terras que se mostram desesperados para começar uma exploração agrícola mas que se sentem excluídos e preteridos por aquilo se chamam a “horsiculture” (cultura do cavalo): as parcelas pequenas de terra agrícola são compradas para serem convertidas em prados do póneis e quintas de entretenimento dos tempos livres. Locais como Surrey e New Forest o preço dos terrenos subiu para cima de 30,000 libras o acre, e bónus da City são oferecidos para comprar modos de vida orgânicos. Quando os proprietários novos se vestem como funcionários do leite, e quando se dizem então excluídos de fazer a manteiga, correm então o risco de virarem para o ambientalismo fantasioso das elites.

Contestar e criticar o novo consumismo verde novo pode valer alguns dissabores como ser acusado de pedante e pateta, o bode expiatório eleito para o mau gosto dos visados. Contra o brilhante novo mundo de expectativas orgânicas, somos forçados a levantar restrições igualitárias monótonas e aborrecidas: racionar o carbono, restringir e aproveitar, regulamentos mais rígidos dos edifícios e faixas de autocarros. Nenhum suplemento colorido cairá sobre isso. Nenhuma estrela de rock poderá viver confortavelmente dentro do racionamento de carbono.

Mas estas medidas, e uma dura e longa batalha política para as aplicar, são infelizmente necessárias para impedir a catástrofe que as recentes inundações são um presságio – de preferência a esta brincadeira de fingir que se é verde. Só quando aquelas medidas forem adoptadas é que o consumismo verde substituirá as despesas consumistas e deixarão de ser mais um suplemento destas. São mais difíceis de se venderem, é certo, mas não porque não podem ser comprados nos catálogos enviados por correio. As difíceis escolhas políticas terão que ser feitas e assumidas, e a elite económica, e respectivos hábitos despesistas, devem ser questionados, em vez de serem elogiados e promovidos. Os multimilionários que aderiram à agenda verde devem urgentemente repensar no que andam a fazer e colarem-se a uma outra causa.


(tradução livre)

www.guardian.co.uk/comment/story/0,,2133110,00.html?gusrc=rss&feed=11

http://www.monbiot.com/

http://en.wikipedia.org/wiki/George_Monbiot