12.3.07

Quilombo de Conceição das Crioulas

A saga das mulheres negras brasileiras pela liberdade, dignidade e protagonismo é exemplificada na fundação do quilombo Conceição das Crioulas, no sertão pernambucano, onde seis mulheres criaram o povoado fundamentado nesses princípios no início do século XIX.
Da lida na lavoura de algodão, o pequeno grupo deu origem a mais de 4 mil quilombolas que hoje lutam pela posse de mais de 17 mil hectares e desenvolvimento sustentável.



Da comunidade Conceição

A vocês quero falar
Onde o povo descobriu
Um jeito novo de trabalhar



Fugindo da escravidão
As crioulas aqui chegaram
Fiaram aquele algodão
E seu território compraram



Não sabiam que assim estavam
Fazendo seu artesanato
Povo simples de pequena cultura
O ofício que sempre desempenharam



Se antes alguém viu como insignificantes
Vejam agora um povo vitorioso
Que se assumem como negros
Bem felizes e importantes



Conceição das Crioulas é uma pequena comunidade no Pernambuco com cerca de 4 mil remanescentes de quilombos. Um detalhe: a grande maioria descende também de índios. Sua população vem resistindo à miséria ao longo dos anos. Ainda hoje, quando precisam de um médico ou algum outro serviço em Salgueiro, a cidade mais próxima, os moradores têm de pagar 9 reais pela viagem de ida e volta na carroceria de um caminhão, em cima da carga. O transporte sai só alguns dias por semana, pela manhã, e volta à tarde para a comunidade. A estrada é de chão batido e o lugar de difícil acesso. Para quem muitas vezes passa mais de um mês sem ver uma nota de 1 real, o preço da passagem é inacessível.A comunidade fica no chamado "Polígono da Maconha", onde persistem os casos de trabalho escravo em grandes propriedades que cultivam a erva e a grilagem de terras quilombolas.



Outro problema enfrentado pelos moradores de Conceição das Crioulas é o abastecimento de água. A lagoa de onde a população tira a água para consumo está praticamente seca. Os animais são raquíticos. Não há condições para plantar, mas as mulheres não esmorecem: saem de casa às 5 da manhã em direção a uma roça distante, onde, de forma comunitária, plantam milho e feijão de corda. Por volta do meio-dia elas estão de volta com sacos imensos e pesados nas costas. São mulheres de 50, 60, 70 anos que, ao chegarem da roça, passam a trabalhar como artesãs. Isso porque as mulheres da comunidade fazem do caroá, catulé (plantas típicas da região) e barri a matéria-prima para produzir bolsas, bonecas, tigelas e pratos.


Quilombo de mulheres


Mas se o cenário de seca impressiona quem chega a Conceição das Crioulas, a generosidade de seus moradores é um contraponto. Eles têm prazer em receber os visitantes em suas casas, oferecer com gosto um copo de umbuzeiro, contar como vivem, as dificuldades, as histórias quilombolas, a paixão pelo Esporte Clube Palmeiras - de cada 10 casas visitadas em Conceição das Crioulas, pelo menos 7 trazem na sala uma foto do time paulista.


A presença das mulheres na comunidade é histórica. Conceição teve início quando as escravas Francisca, Germana e Mendeira, fugidas dos Quilombos dos Palmares, em Alagoas, chegaram à região, no século 18. Daí em diante, é a força das mulheres que faz a diferença nesse distrito. Uma delas, Aparecida Mendes, coordenadora da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas - fundada em julho de 2000 e formada por 10 associações de produtores e trabalhadores rurais vindos de diversas partes de Conceição -, roda o mundo levando a história de sua comunidade. Agora, o lugar está ganhando um presente valioso: a primeira biblioteca. Para isso, uma campanha está sendo realizada para que livros sejam mandados ao local, já que são pouquíssimos os exemplares por enquanto. Toda publicação é bem-vinda, mandam dizer os moradores.



História

Contam os mais velhos que, no início do século XIX, seis negras livres chegaram à região e arrendaram uma área de 3 léguas (1 légua = 6 km) em quadra. Com a produção e fiação do algodão que vendiam na cidade de Flores, conseguiram pagar a renda e ganharam o direito à posse das terras. Em 1802, as crioulas receberam a escritura com o carimbo da Torre, dezesseis selos, feita por José Delgado, escrivão do cartório de Flores.



Esta história é contada nos mais diversos sítios, ligando a identidade da comunidade de Conceição das Crioulas à descendência das suas fundadoras, que através do trabalho tomaram a iniciativa de legitimar o terreno, antes mesmo dos homens que também aqui vieram.



Um deles de nome Francisco José, fugido da guerra, trouxe consigo uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Ao encontrar-se com as crioulas, tiveram a idéia de construir uma capela e tornar a santa sua padroeira. Surgia assim o nome do povoado: Conceição das Crioulas.



A identidade quilombola



A identidade de "remanescente de quilombos" está intrinsecamente relacionada à origem das crioulas e às relações de cooperação entre os sítios que formam a comunidade. A descendência de determinadas famílias tradicionais é sempre resgatada de forma a confirmar o pertencimento e a participação na história de Conceição das Crioulas.



Ao contrário de outras comunidades negras que ainda lutam pelo reconhecimento como "remanescente de quilombos", Conceição não se utiliza de elementos que reportem à condição de escravos. Sempre a imagem das crioulas lembra o poder da autonomia e a articulação entre os sítios, reforçando o sentido de unidade e sua capacidade política-organizativa.



Tudo isso torna o povo de Conceição ciente da sua condição e do seu papel na sociedade, trazendo comprometimento com a construção de um novo futuro para a comunidade quilombola.


A economia que vem da terra



Em meio a uma vegetação composta por árvores de pequeno e médio porte, como juazeiro, baraúna, jurema preta, aroeira, caroá, catulé, está o povoado de Conceição das Crioulas. Até 1987 o algodão foi o sustentáculo da economia quilombola, mas com o ataque da praga do bicudo e a entrada dos fios sintéticos, a população assistiu a sua decadência. Hoje, através de uma agricultura de subsistência, seus habitantes sobrevivem plantando milho, feijão, mandioca, jerimum e melancia. Há também pequenos criatórios de ovinos, caprinos, bovinos e suínos.


Com o sucesso da ação voltada para a valorização e desenvolvimento do artesanato, três recursos naturais ganharam destaque, como o caroá, o barro e o catulé.


O caroá é uma bromélia da espécie neoglaziovia variegata que fornece uma fibra para tecelagem. De caule curto, o caroá possui espinhos em sua borda, com folhas dispostas em roseta. Em meados do século XX, existiu uma fábrica de caroá em Conceição, mas foi desativada com a concorrência do sisal.



O barro está presente até os dias atuais nos utilitários do povo de Conceição. Até a década de 50, aproximadamente, usava-se apenas louças de barro. Muitas dessas peças eram vendidas em feiras e lojas da cidades circunvizinhas como Cabrobó, Floresta e Salgueiro, em pequenos povoados e por encomenda de famílias influentes. Conhecidas como louceiras, as mulheres que trabalham com o barro pertencem todas a mesma família consangüínea e agregados através do matrimônio.



Palmeira silvestre da espécie rhapis pyramidata, bem comum no sertão, o catulé fornece uma amêndoa de onde se extrai óleo. A sua palha é aproveitada no artesanato, transformando-se em chapéus, cestas, bolsas, etc. Em Conceição, a palha de catulé sempre esteve presente na produção de vassouras e esteiras, sendo considerada, até o momento, uma atividade tipicamente dos mais velhos.



Associação quilombola



Fundada em 17 de julho de 2000, a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas é uma sociedade civil sem fins lucrativos formada por 10 associações de produtores e trabalhadores rurais provenientes dos diversos sítios que compõe o povoado.



Nascida da necessidade de intensificar a luta pelo bem comum de Conceição das Crioulas, a AQCC tem com objetivos o desenvolvimento da comunidade - levando em conta sua realidade e sua história, a valorização das suas potencialidades, a conscientização do povo negro da sua importância para construção de uma sociedade justa e igualitária, a quebra da barreira do preconceito e discriminação racial. No momento, o maior empenho da Associação Quilombola é a batalha pela posse da terra, com área aproximada de 17.000 hectares, numa perspectiva sustentável.



A estrutura de funcionamento se dá através da Coordenação Executiva e de comissões formadas pelas lideranças da comunidade e, até o momento, a ACQC vem se mantendo com o trabalho voluntário dos seus sócios, não possuindo recursos financeiros suficientes para a sua perfeita atividade





Mulheres Guerreiras

Mulheres guerreiras
Chegaram em Conceição
Pra conseguir a liberdade
Plantaram algodão

O grande sonho
Virou verdade
Com força e união
Conquistaram a liberdade

Então os fazendeiros
Ricos e opressores
Invadiram Conceição
Se tornaram dominadores

Mas o povo de Conceição,
Meu irmão
Demonstraram
Resistência
E continuam resistindo
A todo o tipo de violência

Hoje a comunidade
É organizada
Busca seus direitos
Com força e coragem

Durante muito tempo
A educação
Foi um forte instrumento
A favor da opressão

É por isso que
Defendemos
Uma educação diferente
Que inclua nos currículos
A história da gente



Ver e consultar:
http://www.conceicaodascrioulas.org.br/