Parlamento Europeu aprova o regulamento Reach
Se há legislação que tenha implicações em quase tudo, da roupa aos cosméticos, dos automóveis ao mobiliário, esse é o caso do novo regulamento sobre os produtos químicos, ontem aprovado pelo Parlamento Europeu e que deverá entrar em vigor em Junho de 2007. Chegam assim ao fim as negociações sobre um dos dossiers mais complicados e mais ambiciosos de sempre da União Europeia.
A partir de meados do próximo ano, os produtores e importadores de produtos químicos terão de fornecer informações sobre as substâncias que utilizam, fazer o seu registo e requerer autorização para o seu uso. Esta é a principal determinação do regulamento Reach, que, na sigla inglesa, significa Registo, Avaliação e Autorização de Produtos Químicos.
Em nome da saúde e do ambiente, os eurodeputados aprovaram o Reach, por 539 votos a favor, 98 contra e 24 abstenções, concluindo um processo que começou há 11 anos e que movimentou poderosos interesses. A Europa é líder mundial em termos de indústria química, mas é também no espaço europeu que os defensores dos consumidores e do ambiente mais conseguem fazer ouvir a sua voz.
O processo esteve à beira de falhar, pois o Parlamento Europeu e o Conselho defendiam posições opostas em diversos pontos do regulamento. Uma maratona negocial no início de Dezembro conseguiu evitar que os eurodeputados chumbassem o documento, o que provavelmente levaria a que o Reach tivesse de voltar à estaca zero.
Uma das grandes divisões entre o Parlamento e o Conselho dizia respeito ao princípio da substituição, isto é, a obrigação dos produtores e importadores encontrarem alternativas para os produtos mais perigosos. Ficou estabelecido que os industriais terão de apresentar um "plano de substituição" para as que oferecem maiores riscos.
Uma das grandes novidades introduzidas pelo Reach é que, a partir de agora, caberá à indústria provar que as substâncias que usam são seguras. Até agora, eram as autoridades públicas que tinham de demonstrar a nocividade dos produtos.
Será criada uma Agência Europeia das Substâncias Químicas, com sede em Helsínquia, que avaliará que as empresas estão a aplicar o regulamento. Será criado um registo central para as cerca de 30 mil substâncias abrangidas pelo Reach. O processo de registo decorrerá ao longo dos próximos anos e começará por aquelas consideradas mais perigosas para a saúde e o ambiente.
Número baixo de substâncias testadas
Das mais de 100 mil substâncias existentes no mercado europeu, apenas as que foram introduzidas depois de 1981 - cerca de 3000 - é que foram testadas. Vários estudos indicam que o contacto com estas substâncias é responsável pelo aumento de casos de alergias, asma, cancros e infertilidade.
"Esta aprovação coloca em vigor uma legislação essencial para proteger a saúde pública e o ambiente contra os riscos colocados pelas substâncias químicas sem pôr em causa a competitividade europeia", disse Josep Borrel, presidente do Parlamento.
Os riscos para a competitividade europeia e o perigo de deslocalização de empresas foram os grandes argumentos da indústria química contra o Reach, assim como as questões de propriedade intelectual - devido à partilha de dados sobre as substâncias - e os custos do processo. Os defensores da legislação contrapunham com os custos que os Estados têm em cuidados de saúde e sublinhavam que a busca de produtos menos perigosos potenciaria a inovação na Europa.
"Queremos livrar-nos dos produtos químicos mais perigosos, ao mesmo tempo que incentivamos a inovação e o desenvolvimento da União Europeia", reafirmou ontem Guido Sacconi, que foi relator do Reach no Parlamento Europeu.
Mas as críticas ao Reach vêm também da parte dos ambientalistas, que gostariam de ver uma legislação mais ambiciosa, que evitasse que os compostos químicos mais perigosos entrassem no mercado.A indústria não deixou de lamentar a burocracia que o Reach implicará, mas afirma-se disponível para apoiar as instituições europeias de forma a que o regulamento se torne operacional.
É a percentagem de produtos químicos existentes no mundo produzidos pela indústria química europeia, o que gera 1,7 milhões postos de trabalho.
23.000
É o número de empregos que a indústria química gera em Portugal. Por cada trabalhador neste sector, existem outros cinco em empresas que lidam com estas substâncias e necessitam delas
2,3
Mil milhões de euros é o custo calculado pela Comissão Europeia para que a indústria química europeia adopte as regras do Reach. No entanto, conta que sejam poupados 50 mil milhões em despesas de saúde em 30 anos, devido à redução do número de cancros, doenças da pele e respiratórias
O que é o Reach?
Para quê este programa?
O regulamento Reach, que na sigla inglesa significa Registo, Avaliação e Autorização de Produtos Químicos, estabelece novas regras para o uso e comercialização de produtos químicos, que obrigarão os produtores e importadores a fornecer informações sobre as substâncias que utilizam, a promover o seu uso seguro e a substituir progressivamente as mais perigosas por alternativas mais seguras.
Qual o seu objectivo?
Atingir um maior nível de protecção ambiental e da saúde humana, para um maior conhecimento e um maior controlo sobre os produtos químicos existentes no mercado.
Quando entra em vigor?
Junho de 2007
Como funcionará?
As empresas que fabricam e importam produtos químicos terão de avaliar os riscos decorrentes da sua utilização e devem tomar as medidas necessárias para gerir todos aqueles que identificarem. O sistema irá uniformizar os critérios de aplicação de mais de 30 mil substâncias químicas utilizadas pela indústria europeia num período de 11 anos, e prevê a criação de uma Agência Europeia dos Produtos Químicos, que irá gerir a base de dados, coordenar os processos de avaliação e as autorizações aos Estados-membros.
O que é que tem de ser registado?
Todos os produtos químicos produzidos ou importados em quantidades superiores a uma tonelada têm de ser registados na Agência Europeia de Produtos Químicos, o que irá abranger cerca de 30 mil substâncias.
Os compostos químicos nos produtos do dia-a-dia, como no vestuário, também devem ser registados?
Sim, porque artigos como sapatos ou têxteis contêm substâncias químicas e algumas delas podem ser prejudiciais para a saúde humana e ambiente.
O que será feito em relação às substâncias de alto risco?
As empresas que produzam as substâncias chamadas CMR (cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução) - calculadas entre 2500 e 3000 - só terão autorização de uso se forem desenvolvidos planos de substituição. Se as alternativas não existirem, os produtores terão de propor planos de investigação e de desenvolvimento.
A autorização de uso é ilimitada?
Não, as autorizações têm um tempo-limite para permitir que os podutos químicos mais perigosos sejam substituídos.
Todas as substâncias químicas devem obrigatoriamente ser registadas?
Não. Alguns óleos, ácidos gordos, minerais e minérios, gás natural, petróleo bruto e carvão, pilhas e acumuladores, ferro, celulose, vidro, gases nobres, óleos animais e vegetais, metais e ligas metálicas, produtos cosméticos, pesticidas e produtos farmacêuticos estão excluídos. As substâncias para investigação e desenvolvimento estão isentas de registo.
Em quanto tempo será possível registar todas as substâncias abrangidas pelo Reach?
As substâncias que se encontram já disponíveis no mercado serão gradualmente incluídas no Reach. As produzidas em maior volume ou com propriedades perigosas, especialmente as CM
R, serão registadas em primeiro lugar. Quem produz mais de mil toneladas por ano ou que produz mais de uma tonelada anual de CMR tem um prazo de três anos. A quem produz entre 100 e mil toneladas serão dados seis anos e entre um e 100 toneladas terá 11 anos.
Fonte. Público