15.12.06

Indígenas do Calaári ganham batalha legal pelas terras ancestrais

Indígenas do Calaári ganham batalha legal pelas terras ancestrais.O Tribunal Supremo do Botswana isentou, porém, o Governo da obrigação de fornecer água a estes descendentes dos primeiros habitantes da África Austral
Os indígenas nómadas do deserto do Calaári, caçadores e recolectores de alimentos que há mais de 20 mil anos sobrevivem nas planícies do centro do Botswana, vão poder regressar às suas terras ancestrais de onde foram expulsos há quatro anos, graças a uma deliberação do Supremo Tribunal.
O colectivo de juízes decidiu ontem a favor dos nativos, considerando a expulsão "ilegal" e "inconstitucional" por dois votos contra um - este último emitido pelo presidente do tribunal, Maruping Diboleto, para quem o caso não tinha base para ser julgado por as terras em causa serem propriedade do Governo.
A "grande vitória" celebrada pelos basarwa ou bushmen (bosquímanos) traz porém um sabor amargo: o Governo não fica obrigado a fornecer serviços básicos, como água, aos que decidam regressar às suas terras na Reserva Central de Caça do Calaári.
Os basarwa apelaram ao tribunal, acusando o Governo de lhes ter cortado os fornecimentos de água, alimentos e serviços sanitários e de os ter afastado dos tradicionais territórios de caça, entre 1997 e 2002, com o propósito de proceder à extracção de diamantes e outros minérios. Perto de dois mil bosquímanos foram reagrupados em campos construídos no exterior da reserva.As autoridades do Botswana rejeitam as acusações e argumentam que os indígenas (descendentes dos primeiros habitantes da África Austral) já tinham abandonado os seus costumes tradicionais há muitos anos, perdendo assim o direito ao território.
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Expulsos pelos diamantes
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A porta-voz do ramo francês da associação Survival International (organização não governamental de defesa dos povos indígenas que apoiou a demanda judicial dos basarwa), Magalie Rubino, defende que os nativos do Calaári foram expulsos para abrir caminho à mineração de diamantes - a exportação mais lucrativa do país.
Rubino apontou directamente o dedo à De Beers, maior empresa mundial do sector e principal parceira do Governo do Botswana na exploração daquelas pedras no país. "É ingénuo sequer pensar que os diamantes não têm nada a ver com o caso", denunciou, citada ontem pelo diário francês Libération.
A activista aproveitou para rebater o argumento de que o modo de vida agro-pastoral dos bushmen é prejudicial ao ambiente e à vida selvagem da reserva, que fora apresentado pelas autoridades do Botswana para justificar a expulsão. "Nenhum dos especialistas que consultámos no terreno registaram deteriorações do meio ao longo de dez anos, tão pouco o desaparecimento de qualquer espécie animal", afirmou.
Rubino sublinhou a importância de uma decisão favorável dos juízes, "reconhecendo o direito dos povos indígenas a um território e subsolo, conforme aprovado em Junho de 2006 pelo Conselho dos Direitos Humanos".O Governo do Botswana alega que os activistas ocidentais, que ganharam o apoio do carismático arcebispo sul-africano Desmond Tutu, herói do movimento anti-apartheid, têm vindo a romantizar o modo de vida dos indígenas. E argumenta que a vida dos basarwa na reserva é uma "armadilha de pobreza" que impede a sua integração e nega o acesso à educação e cuidados de saúde.