O livro «Ensaio sobre a lucidez» de José Saramago acabou de ser traduzido para a língua francesa com o título « La Lucidité », numa edição da Seuil.
A conhecida revista semanal francesa Le Nouvel Observateur publica no seu último número uma breve entrevista com o escritor português, onde ele denuncia a impostura democrática.
Le Nouvel Observateur – O seu romance «Ensaio sobre a lucidez» é uma dura crítica aos nossos governos. O que é que o irrita no sistema actual?
José Saramago – As democracias ocidentais não são senão as fachadas políticas do poder económico. Uma fachada com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia. Vivemos uma época em que podemos discutir tudo. Com uma excepção: a democracia. Ele está aí, é um dado adquirido. Não tocar, como se diz nos museus. Ora é necessário lançar um grande debate mundial, antes que seja tarde, sobre a democracia.
N.Obs. – Em que é que as democracias não são democráticas, segundo você?
José Saramago - Durante muito tempo, falava-se de pleno emprego. Estava nos programas de todos os partidos. Hoje, isso acabou. Vivemos numa espécie de anestesia social generalizada. Quando se chega aos 40 anos, e vos é dito, que não há nada para você, o que é que isso significa? Para onde vais o dinheiro? Passou-se do ideal, dessa utopia do pleno emprego ao emprego precário? Quem decidiu esta mudança brutal nas relações das pessoas com o direito ao trabalho? Um governo? O governo francês, italiano, português? Não, claro que não. Foi antes o poder económico. Eu sei que esta expressão pode parecer arcaica. E, todavia, é o poder económico que controla o mundo. Mas ninguém se lembra do momento em que se passou do ideal do pleno emprego a este dado tornado obrigatório que é o emprego precário. Trata-se de um êxito completo da arte do esconde-esconde.
N.Obs. – Você pede para se votar em branco?
J. Saramago – Não, eu não faço essa porpaganda. O que eu digo é que se pode escolher votar por um partido, ficar em casa, anular o seu boletim ou votar em branco. A abstenção é a solução mais fácil, mas pouco significativa. Ao passo que as pessoas que se esforçam por votar podem, através do voto branco, exprimir de uma forma muito clara o seu descontentamento. E mostrar o seu descontentamento em votar sem que realmente nada mude. 20% de votos brancos já daria para as pessoas reflectirem. Você sabe, até porque nunca fiz segredo disso, que sou comunista. Houve quem me censurasse, como se eu fosse inimigo da democracia. Tal é um absurdo. Até pelo contrário. Sou um comunista que diz: salvemos a democracia. Porque o que temos, àquilo que chamamos de democracia, não é senão um simulacro.. Nos gabinetes do poder ri-se dos pobres. Divertem-se à nossa custa. É tempo de fazer qualquer coisa.
N.O. – O comunismo não mudou lá as coisas…
J. Saramago – O comunismo? Isso nunca existiu. Não se sabe o que é. Há ideais, princípios. Mas esses princípios foram desnaturados, quando começaram a ser aplicados. Pode-se dizer que o comunismo é isto ou aquilo, mas a verdade é que não se sabe nada. Na União Soviética o comunismo não foi outra coisa senão um capitalismo de Estado. E a China segue a mesma via, com a cumplicidade das potências ocidentais., que aplaudem e não se cansam de dizer bravo. É lamentável.
N.O. –Na sua opinião essa abertura económica não poderá levar a China para a democracia?
J. Saramago – Abertura? Mas as democracias são governadas por poderes que não são democráticos. O Fundo Monetário Internacional é uma instituição democrática? Não. A Organização Mundial do Comércio? Não. E são ambos que decidem os nossos destinos, a nossa felicidade. Não existe democracia, apenas uma aparência democrática. Quanto aos media, eles são propriedade de grandes empresas, de bancos. Vivemos num simulacro. Se queremos a verdadeira democracia, temos que a inventar.
N.O.- Parece que você anuncia no seu romance uma viragem das democracias para o autoritarismo?
J. Saramago – Posso enganar-me talvez. Mas acho que vamos viver uma nova era de democracias mais autoritárias.
N.O – Você tem 84 anos. É célebre em todo o mundo. O que é que o leva a lutar por um mundo melhor?
J. Saramago – Milhões e milhões de pessoas têm o mesmo discurso que eu, se pudessem. Tão simples como isso. Se se puder dizer o que achamos o que é verdade, então não nos devemos calar. Trata-se de uma possibilidade extraordinária poder exprimir-me pela escrita. Poderia ficar na minha casa , com o meu prémio Nobel, cultivar o meu jardim, metafórico ou real. Mas não posso. Sou um simples cidadão que fala. Mas falar não é suficiente. Já se falou muito. Acho que é tempo de ladrar. De ladrar como os cães, tal como escrevo na epígrafe do meu livro. Com a minha fraca voz é aquilo que eu faço.
Le Nouvel Observateur – O seu romance «Ensaio sobre a lucidez» é uma dura crítica aos nossos governos. O que é que o irrita no sistema actual?
José Saramago – As democracias ocidentais não são senão as fachadas políticas do poder económico. Uma fachada com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia. Vivemos uma época em que podemos discutir tudo. Com uma excepção: a democracia. Ele está aí, é um dado adquirido. Não tocar, como se diz nos museus. Ora é necessário lançar um grande debate mundial, antes que seja tarde, sobre a democracia.
N.Obs. – Em que é que as democracias não são democráticas, segundo você?
José Saramago - Durante muito tempo, falava-se de pleno emprego. Estava nos programas de todos os partidos. Hoje, isso acabou. Vivemos numa espécie de anestesia social generalizada. Quando se chega aos 40 anos, e vos é dito, que não há nada para você, o que é que isso significa? Para onde vais o dinheiro? Passou-se do ideal, dessa utopia do pleno emprego ao emprego precário? Quem decidiu esta mudança brutal nas relações das pessoas com o direito ao trabalho? Um governo? O governo francês, italiano, português? Não, claro que não. Foi antes o poder económico. Eu sei que esta expressão pode parecer arcaica. E, todavia, é o poder económico que controla o mundo. Mas ninguém se lembra do momento em que se passou do ideal do pleno emprego a este dado tornado obrigatório que é o emprego precário. Trata-se de um êxito completo da arte do esconde-esconde.
N.Obs. – Você pede para se votar em branco?
J. Saramago – Não, eu não faço essa porpaganda. O que eu digo é que se pode escolher votar por um partido, ficar em casa, anular o seu boletim ou votar em branco. A abstenção é a solução mais fácil, mas pouco significativa. Ao passo que as pessoas que se esforçam por votar podem, através do voto branco, exprimir de uma forma muito clara o seu descontentamento. E mostrar o seu descontentamento em votar sem que realmente nada mude. 20% de votos brancos já daria para as pessoas reflectirem. Você sabe, até porque nunca fiz segredo disso, que sou comunista. Houve quem me censurasse, como se eu fosse inimigo da democracia. Tal é um absurdo. Até pelo contrário. Sou um comunista que diz: salvemos a democracia. Porque o que temos, àquilo que chamamos de democracia, não é senão um simulacro.. Nos gabinetes do poder ri-se dos pobres. Divertem-se à nossa custa. É tempo de fazer qualquer coisa.
N.O. – O comunismo não mudou lá as coisas…
J. Saramago – O comunismo? Isso nunca existiu. Não se sabe o que é. Há ideais, princípios. Mas esses princípios foram desnaturados, quando começaram a ser aplicados. Pode-se dizer que o comunismo é isto ou aquilo, mas a verdade é que não se sabe nada. Na União Soviética o comunismo não foi outra coisa senão um capitalismo de Estado. E a China segue a mesma via, com a cumplicidade das potências ocidentais., que aplaudem e não se cansam de dizer bravo. É lamentável.
N.O. –Na sua opinião essa abertura económica não poderá levar a China para a democracia?
J. Saramago – Abertura? Mas as democracias são governadas por poderes que não são democráticos. O Fundo Monetário Internacional é uma instituição democrática? Não. A Organização Mundial do Comércio? Não. E são ambos que decidem os nossos destinos, a nossa felicidade. Não existe democracia, apenas uma aparência democrática. Quanto aos media, eles são propriedade de grandes empresas, de bancos. Vivemos num simulacro. Se queremos a verdadeira democracia, temos que a inventar.
N.O.- Parece que você anuncia no seu romance uma viragem das democracias para o autoritarismo?
J. Saramago – Posso enganar-me talvez. Mas acho que vamos viver uma nova era de democracias mais autoritárias.
N.O – Você tem 84 anos. É célebre em todo o mundo. O que é que o leva a lutar por um mundo melhor?
J. Saramago – Milhões e milhões de pessoas têm o mesmo discurso que eu, se pudessem. Tão simples como isso. Se se puder dizer o que achamos o que é verdade, então não nos devemos calar. Trata-se de uma possibilidade extraordinária poder exprimir-me pela escrita. Poderia ficar na minha casa , com o meu prémio Nobel, cultivar o meu jardim, metafórico ou real. Mas não posso. Sou um simples cidadão que fala. Mas falar não é suficiente. Já se falou muito. Acho que é tempo de ladrar. De ladrar como os cães, tal como escrevo na epígrafe do meu livro. Com a minha fraca voz é aquilo que eu faço.