3.7.06

Por um mundo sem fronteiras


As grandes manobras eleitorais mal ainda começaram e já a questão da imigração passou para o centro dos debates. Le Pen, de Villiers, Sarkozy competem entre si para cativar as vozes da França xenófoba., enquanto os deputados de esquerda e de direita, se travam de razões sobre a forma, estão no fundo de acordo sobre o controle da imigração a fim que «toda a miséria do mundo» permaneça fora do território nacional.

Como anarquistas, nós não conhecemos outra fronteira que não seja a que separa os oprimidos dos seus exploradores. Não somente os seres humanos são, para nós, livres e iguais em direitos, onde quer que estejam, como ainda gostamos que estrangeiros venham à nossa casa, e fazemos questão de os acolher como hóspedes. Não aceitamos qualquer entrave à livre circulação de pessoas e a simples ideia de «quotas» para a imigração é coisa que repudiamos veementemente. Rejeitamos igualmente as políticas de Tartufo que preconizam o desenvolvimento do Sul só para que os « negros» não invadam o Norte.

Uma tal posição, que deverá ser partilhada sem hesitação por todos os internacionalistas consequentes, geram frequentemente críticas e acusações de irresponsabilidade, mais concretamente, actos de provocação da «esquerda» sindical e política. Todavia, até de um ponto de vista «razoável» a abertura das fronteiras é perfeitamente defensável (1). Assim, tendo em conta os condicionantes, examinemos os argumentos dos que se opõem à liberdade de circulação e de instalação.

O primeiro que surge, e que faz tremer as torres, é a ameaça de um «vaga migratória»: dada a diferença ente o salário médio por habitante (2) (de 1 a 50) entre a França e numerosos países de África, a abertura das fronteiras provocaria um gigantesco força de atracção que levaria todos os miseráveis do continente negro em direcção à nossa bela e opulenta pátria.

Pensar que os pobres se deslocam mecanicamente de um território para outro em função das diferenças de nível de vida é bem uma ideia ocidental. Quem pode pensar que se deixa, a não ser obrigado, da sua aldeia, da sua família, dos seus amigos, das suas canções, danças e o sol de África para vir suportar as nossas tristes cidades? Todas as pessoas aspiram, na sua
esmagadora maioria, a manter as suas condições de vida e os seus valores do seu meio natural.
Na verdade, aqueles sobre os quais a miséria caiu estão já aqui, ou a caminho, e nada os deterá. Quem os viu a escalar à mão as paredes de arame farpado em Ceuta e Melilla não duvidam. E é inútil barricarmo-nos contra o desespero; a abertura das fronteiras não aumentará o número dos querem matar a fome. Estudos estatísticos das migrações mostram que não são as populações mais pobres que emigram mais (3). Mostram também que as situações de livre circulação – entre a França e o Gabão, o Togo ou a República Centro-africana, até uma data recente, ou ainda actualmente entre os novos membros da União Europeia do Leste e os dos Oeste que lhes abriram as suas fronteiras – não provocaram fluxos migratórios, apesar das enormes diferenças de nível de vida. Provou-se sobretudo que «quanto mais as fronteiras se abrem, mais a mobilidade é de curta duração; e quanto mais elas se fecham, mais a migração de residência se torna desejável» (4). É por isso que a política restritiva transforma uma imigração que poderia ser sazonal em imigração com prazo indeterminado, bem como acaba por dissuadir a partir aqueles que gostariam de regressar ao país, mas temem não poder retornar em caso de fracasso.

A migração internacional, ponderadas todas as suas causas, refere-se a 2,5 % da população mundial (55.000 entradas por ano em França, segundo o INSEE, o mais provável será 100.000). A abertura das fronteiras, passado o breve afluxo dos que já estão às nossas portas e aguardam por entrar – e entrarão mais cedo ou mais tarde – não mudará nada.

O segundo argumento constitui um espantalho para os sindicatos: a imigração incontrolada aumentaria o desemprego e contribuiria a baixar os salários dos franceses. Ora os estudos disponíveis desmentem a correlação entre o crescimento do desemprego e o aumento dos recursos em mão-de-obra, logo o número de imigrados (5). Por um lado, os empregos mais desejados ( a função pública) estão interditos aos trabalhadors estrangeiros, os quais ocupam massivamente os que os franceses recusam. Recordemos ainda que o desemprego é indispensável ao capitalismo a fim de regular o mercado de trabalho, e os imigrados servem normalmente para serem os bodes expiatórios desse facto. Quanto ao risco de haver concorrência entre trabalhadores estrangeiros e autóctones a regra é simples: os mesmos papéis e os mesmos direitos para todos.

O terceiro argumento, o mais frequente, diz respeito ao equilíbrio dos orçamentos sociais, de saúde e o custo da imigração em geral. Mas ele faz parte do preconceito segundo o qual as populações do Terceiro Mundo sonham viver nas nossas sociedades só por causa das ajudas sociais. Para falarmos a sério, torna-se necessário recordar que a imigração é na realidade vital para as economias das sociedaes ricas – os Latinos nos Estados Unidos estão prestes a provar isso mesmo, e tal é a consequência directa da pilhagem do Sul pelo Ocidente desde a colonização. Disto isto, poder-se-ia mesmo dizer que o custo de uma verdadeira política de acolhimento e de integração não excedaria certamente os custos da política repressiva com todo o arsenal de polícias, juízes, centros de retenção e as operações de recondução às fronteiras.

Uma vez afastados os argumentos «técnicos», resta o temor, irracional e perigoso, que leva a votar pela Frente Nacional ( em França) as aldeias onde jamais um imigrante pôr lá os pés, o receio do outro, do estrangeiro, o receio de ver a dissolver-se a cultura e a «identidade nacional» numa mistura de cores, culturas e religiões. O fantasma de uma civilização superiora, branca, cristã e rica, «submergida pelas hordas dos bárbaros» encontra a sua origem histórica na queda do império romano do Ocidente. Mas tal como a maior parte das «verdades» que nos são transmitidas pelos manuais escolares, também essa é truncada. Na realidade, colonizadores romanos e autóctones «bárbaros» viveram juntos durante mais de 25 gerações no interior das fronteiras do império. E quando as povoações, vindas da Ásia, o atravessaram de uma ponta à outra, forma esses mesms «bárbaros» que se esforçaram para manter as estruturas.

Após uma investigação profunda não encontraremos nenhum exemplo na história de qualquer nação que tivesse sido dissolvida ou destruída no seguimento de uma invasão pacífica de migrantes pobres. O contrário não se pode dizer: quando os Europeus começaram a expandir-se pelo planeta, por onde eles passaram reduziram à escravatura os povos autóctones, quando não mesmo os exterminaram, como aconteceu nos Estados Unidos, na Austrália, na Nova Zelândia, só para citar alguns exemplos.

Em suma, a abertura das fronteiras não provocaria o fluxo de imigrantes suplementares nem em França nem na Europa, e evitaria inumeráveis dramas humanos. Ela não mudaria a ordem económica neo-colonislista de que se aproveitam as sociedades ocidentais e que é a primeira causa para a imigração «não escolhida», mas poderia ser um pequeno passo para a solidariedade internacional dos explorados contra o capitalismo globalizado e os seus falsos nacionalistas.

Autor do texto: François Roux

(1) Consultar o dossier »migrations et mondialisation», elaborado pela ATTAC 63
(2) Que corresponde a uma diferença de nível de vida de cerca de 1 a 20
(3) Ler Faut-il ouvrir les frontières? Catherine Withord de Wenden, Éditions de Sciences-Po, 1999.
(4) L'Europe et toutes ses migrations, sob la direction de Catherine Withord de Wenden et Anne de Tinguy, Éditions Complexe, 1995.
(5) Rapport « Immigration, emploi et chômage » , Conseil de l'emploi, des revenus et de la cohésion sociale, 1999.

Texto publicado no Le Monde Libertaire de 18 de Maio de 2006