Nota: independentemente de partilharmos ou não as teses que são defendidas no texto de Maria Inês Fontinha julgamos da máxima utilidade a sua divulgação.
Congratulamo-nos também que a Seara Nova, conhecida revista anti-fascista, disponibilize os seus textos on-line.
Texto retirado de:
http://www.searanova.publ.pt/1695/index.html
autora do texto:
Maria Inês Fontinha (Socióloga, Directora de O Ninho)
Molduras jurídicas
Foi a questão do moralismo que inspirou os ideólogos do sistema regulamentarista que vigorou em Portugal até 1963 e que tem como objectivo “a necessidade de sujeitar a rigorosa inspecção as meretrizes” a fim de “prevenir e acautelar os males que resultam para a moral, saúde e segurança pública, da notável relaxação em que se acha esta classe miserável como se refere na introdução do Regulamento Policial das Meretrizes e Casas Toleradas da Cidade de Lisboa de 1858.
A idade mínima de inscrição não era fixa: 16 anos - caso do regulamento de Lisboa de 1858 e 1900, por exemplo, - e 21 anos para as restantes cidades.
Distinguiam-se as mulheres que viviam em comum sob a direcção da “dona ou directora de Casa Tolerada” e as que habitavam sós em casa própria. A meretriz (mulher que, por costume, se entrega a um e a outro por dinheiro) a fim de ser tolerada era obrigada a matricular-se num livro de registo ou na administração local. Possuía obrigatoriamente um livrete com os seus dados pessoais que teria de apresentar à inspecção sanitária ou à polícia sempre que o requeressem.
Proibiam-se arrendamentos e mudanças de habitação sem prévia autorização, ausências superiores a cinco dias da área de residência, a coabitação com filhos maiores de três anos, impunha-se a declaração obrigatória das gravidezes. Interditava-se a presença de prostitutas em lugares públicos e requeria-se a “maior severidade para com as faltas à decência” (...) No caso da tolerada abandonar a prostituição por casamento ou tutela dos pais continuava objecto de vigilância policial.
No que diz respeito aos clientes, os regulamentos eram omissos.
O Estado, ao institucionalizar as condições de funcionamento dos mecanismos de comercialização da prostituição, visava garantir o controle estrito das mulheres por parte das autoridades. A segregação das prostitutas visava manter dentro de limites, mais ou menos aceitáveis, os focos de desvio social e garantir a reprodução de formas de controle existentes ao delimitar expressamente as zonas de respeitabilidade e as zonas de transgressão socialmente admissíveis.
O paradigma regulamentarista, centrado numa concepção do mercado da prostituição fechado, controlado e hierarquizado, revelou-se ineficaz. Segundo Arnaldo Brazão face a esta situação desenham-se duas correntes.
Uma defendendo o reforço da repressão regulamentada da prostituição, doutrinariamente dirigida contra o “deboche” , o “adultério”, o vício, a liberdade dos costumes, responsáveis pelas baixas taxas de nupcialidade e de natalidade, pela “degenerescência da raça”, pela desagregação da integridade física e moral da família, do Estado, da Nação.
Um dos muitos casos típicos da repressão regulamentarista é relatado por Arnaldo Brazão no Congresso Abolicionista Português (1926). As autoridades de Leiria ordenaram a inspecção forçada às criadas de servir, em Julho de 1926, e obrigaram todas as que não estavam virgens a matricular-se nas “casas toleradas.”
A segunda corrente, a abolicionista, condena o regulamentarismo: “A regulamentação da prostituição pelo Estado, instituída sob o tríplice aspecto da moral da higiene e da família é, de todas as instituições sociais que têm sido criadas com determinado fim, aquela que tem fracassado mais escandalosamente” (Arnaldo Brazão - 1926).
As primeiras manifestações doutrinais do movimento abolicionista datam do início do século XX. Em 1902, Ângelo Fonseca apresenta uma proposta de regulamentação geral das doenças venéreas em que defendia a abolição do sistema de matrículas numa dissertação apresentada na Faculdade de Medicina do Porto.
A sua análise, através de um inquérito realizado nas subdelegações de saúde, constatava o fracasso do regulamentarismo e dos fins a que o sistema se propõe: “a prostituição feminina em vez de diminuir aumentou; o número de matriculadas é diminuto e o número de clandestinas cresce regularmente em especial no Porto e em Lisboa; os regulamentos locais são contraditórios e, sobretudo, não são aplicados; a inspecção sanitária é insuficiente e mal organizada, não cobre sequer as matriculadas e tão pouco abrange as clandestinas e os clientes. O sistema até hoje seguido, degrada a mulher, sem que dessa degradação possa resultar profilaxia das doenças venéreas”.
Ãngelo Fonseca sublinhava ainda que “as prostitutas têm direito a beneficiar e não a servir de instrumentos ao bem, que porventura possam causar no campo sanitário” e salienta a necessidade de “difundir a educação no proletariado, dar à mulher outros direitos, levantá-la do servilismo em que a tem emergido a sociedade”. Considerava que as condições de vida do proletariado, o desemprego, os baixos salários, a promiscuidade familiar, a miséria em geral eram responsáveis pelo alastramento da prostituição.
Em 1926, é criada a Liga Portuguesa Abolicionista filiada na Federação Abolicionista Internacional, fundada, em 1875, por Josephine Butler (luta contra a prostituição regulamentada).
A Liga Portuguesa Abolicionista realiza o seu primeiro congresso em Agosto do mesmo ano. Arnaldo Brazão, eleito Presidente, disse que o Congresso votou por:
a) Abolição dos regulamentos da prostituição
b) Encerramento das casas de tolerância
c) Mudança das idades civis para os 18 e 21 anos
d) Combate à pornografia do livro, teatro e cinema
e) Co-educação
f) Moral única (igualdade entre homens e mulheres)
g) Reforma dos serviços policiais, segundo os princípios abolicionistas
h) Polícia feminina
i) Educação sexual, moral e cívica
j) Repressão do proxenetismo
l) Liberdade de tratamento e criação de dispensários gratuitos
m) Educação profissional da mulher
n) Criação de maternidades
o) Educação e instrução da mulher sob todos os pontos de vista
p)Vulgarização das medidas preventivas do mal venéreo e de conhecimentos de higiene individual
q) Medidas contra a escravatura feminina e criação de casas de refúgio e regeneração.
Arnaldo Brazão pronunciou-se sistematicamente contra a prostituição regulamentada em diversas intervenções públicas e artigos nos jornais da época. Afirmava que “o encerramento das casas de tolerância conduz à paz nas ruas e nas famílias e liberta as mulheres das amarras de situações indignas e ultrajantes e que a prostituição escraviza a mulher “
Proibição do exercício da prostituição
Em 1949 uma proposta do Ministério do Interior à Assembleia Nacional definiu as normas a observar na luta contra as doenças contagiosas, estabelecendo que “a autoridade sanitária determinará o encerramento das casas em que exerçam prostituição menores de 21 anos, ou quando se verifique que as mesmas funcionam em contravenção das normas de higiene por elas estabelecidas, ou ainda quando, constituindo focos de infecção, representam perigo grave para a saúde pública.”
A Câmara Corporativa apresentou então um parecer, sob proposta governamental, em que propunha o encerramento imediato de todas as casas de prostituição, a abolição das matrículas das prostitutas e extinção de todos os regulamentos, alvarás e serviços em vigor.
Após discussão em defesa da família, da raça e da alta moralidade do Estado, a Assembleia, por voto unânime, aprovou a proibição de novas matrículas de prostitutas e a abertura de novas casas, mantendo em funcionamento as casas já existentes. (Diário da Assembleia Nacional de 1949)
Em 1962, proíbe-se o exercício da prostituição pelo Decreto-lei n.º 44579, de 19 de Setembro.
O artigo 2.º pune com pena de prisão e multa correspondente todos os indivíduos que, conscientemente, favorecessem ou de algum modo facilitassem o exercício da prostituição ou nela interviessem com fins lucrativos. As prostitutas eram equiparadas aos vadios (n.º 3, art.º 19) e a medida de segurança aplicada é de internamento em casas de trabalho ou colónia agrícola, por período indeterminado de 6 meses a 3 anos.
Segundo esse Decreto-lei consideravam-se prostitutas as raparigas e mulheres habitualmente entregues à prática de relações sexuais ilícitas com qualquer homem, dela obtendo remuneração ou qualquer proveito económico.
Foram encerradas pelas autoridades policiais todas as casas onde se exercia a prostituição, com despejo e apreensão de todos os bens aí encontrados.
Posteriormente, o Tribunal da Relação de Lisboa esclareceu “que a incriminação do artigo 2.º não abrangia aquele que mediante remuneração mantivesse relações sexuais com prostitutas” (Acórdão de 6/6/1964, Boletim do Ministério da Justiça, 141, pág. 208), isto é, apenas as mulheres seriam perseguidas pelos agentes da autoridade e submetidas a processos que poderiam culminar num julgamento no Tribunal de Execução de Penas.
Proibiu-se a prostituição por via legislativa, mas não se previu nenhuma intervenção na área da prevenção, nem da reintegração social da mulher, tendo-se o cuidado de excluir o cliente de qualquer punição.
Código Penal de 1982
Com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, a partir de 1 de Janeiro de 1983, a prostituição foi despenalizada, tendo por base de referência a Convenção de 2 de Dezembro de 1949, pela repressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição de outrém. Tendia-se, então em Portugal, para o sistema abolicionista. Este sistema considera a prostituição incompatível com a dignidade humana, sendo o seu objectivo abolir a exploração da prostituição de outrém.
Conceitos
Considerando a prostituição a efectivação de práticas sexuais, hetero ou homossexuais, com diversos indivíduos, a troco de remuneração e dentro de um sistema organizado, podemos compreender que a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, mas é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais e transnacionais onde se encontram três parceiros: pessoas prostituídas, proxenetas e clientes. E por isso, assumimos a prostituição como um problema social na perspectiva em que é “uma situação que afecta um número significativo de pessoas e é julgado por estas ou por um número significativo de outras pessoas como uma fonte de dificuldade ou infelicidade e susceptível de melhoria ou resolução” (Unesco), e por isso, falar de prostituição é tomar consciência de que a prostituição é resultado de um conjunto de causas de natureza económica, social, cultural e política.
Falar de prostituição implica necessariamente reflectir sobre um conjunto de fenómenos sociais que a ela estão, directamente ou indirectamente, ligados.
Os fenómenos sociais não se podem separar das sociedades em que se integram e dos espaços em que ocorrem e uma reflexão sobre prostituição obriga-nos a reflectir sobre o sistema social em que estamos inseridos, obriga-nos a reflectir sobre a natureza das relações homem/mulher, sobre os comportamentos, sobre os papéis historicamente atribuídos.
E a prostituição faz-nos reflectir sobre a forma como os homens e as mulheres vivenciam a sua sexualidade.
As mulheres e os homens têm sido educados de formas diferentes para vivenciarem a sua sexualidade e a prostituição feminina tem exercido, ao longo dos anos, uma função social: era com mulheres prostitutas que os jovens-rapazes iniciavam a sua sexualidade. Era comum um amigo da família aconselhar e até acompanhar um jovem com 16/17 anos a uma “casa de passe”. Segundo a mentalidade da época “ele tinha que aprender, tinha que ter experiência”. Pelo contrário, a mulher tinha que ser pura, ingénua, inexperiente. A virgindade é um valor profundamente valorizado na mulher até ao casamento e desvalorizado no homem a partir da idade da adolescência. Assim, a prostituição é aceite, porque é legítimo que o homem liberte as suas fantasias não com a sua companheira, mas com as prostitutas.
A prostituição assume uma função reguladora numa sociedade monogâmica e por isso tolerada como um mal necessário porque é legítimo que o homem procure prazer fora do lar. A prostituição liberta as tensões sexuais que a organização social reprime. Na prática, ela responde às necessidades que não são satisfeitas no casamento ou nas uniões estáveis e contribui para atenuar os problemas decorrentes das restrições sexuais impostas pela monogamia patriarcal absoluta.
As mentalidades parecem estar a mudar e homens e mulheres são considerados em igualdade de direitos e de deveres.
A OMS diz-nos que a sexualidade é uma energia que nos motiva a encontrar amor, contacto, ternura, intimidade. Ela integra-se no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados. É ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. A sexualidade influencia pensamentos, acções e interacções e por isso, influencia a nossa saúde física e mental. Apercebemo-nos assim claramente que na prostituição se vive em contradição com o conceito de sexualidade. Na prostituição todos estes actos íntimos são transformados num valor mercantil, onde a mulher é instrumento do prazer do homem.
Integrada numa relação afectiva, a sexualidade é vivida de uma forma responsável, partilhada, em igualdade, cimentando uma relação estável.
O meio prostitucional
O meio prostitucional funciona como um mercado de oferta e de procura. Oferta por parte da mulher que se vende. Procura por parte do homem que a compra. E os que lucram com este negócio - o chulo e o proxenetismo organizado.
O mercado é caracterizado por uma procura à qual responde uma oferta. A procura é feita pelo cliente a quem chamamos de “prostituidor”. A oferta é feita pela mulher. É o caso mais simples mas o mais raro. Na maioria dos casos, oito ou nove em cada dez, segundo os observadores na Europa, intervém uma terceira pessoa. Talvez a mais importante: o organizador e explorador do mercado, o chulo ou proxeneta, o proprietário de casa fechadas, de salões de massagens, o fornecedor de quartos de hotel ou de estúdios.
A mulher prostituída é uma intermediária do dinheiro que vem do cliente, passa pelas suas mãos e segue para o chulo e /ou outras formas de proxenetismo.
A armadilha do dinheiro fechou-se em volta dos parceiros. O peso maior recai sobre a mulher prostituta.
O meio prostitucional desempenha um papel formador. Em apenas alguns meses, as jovens ficam formadas nas deformações do “meio”. Ficam formadas e encerradas. O “meio” ensina-lhes os modelos, as atitudes aconselhadas ou proibidas face ao dinheiro, face aos clientes, face aos proxenetas.
E, como a escravatura, também a prostituição tem um aspecto económico. Ao mesmo tempo que é um fenómeno cultural enraizado nas imagens do homem e da mulher veiculadas pela sociedade, ela é também um mercado forte e lucrativo.
A mercadoria é aqui o prazer do homem ou a imaginação desse mesmo prazer, é a oferta da intimidade da mulher ou da criança. Também, o que é aqui alienado na pessoa, é mais grave do que na escravatura, no sentido habitual, pois nesta aliena-se a força de trabalho e não a intimidade.
O Cliente
Quando se fala de prostituição, fala-se sobretudo de quem se vende e não de quem compra ou de quem consome - o cliente. Ele é o “eterno anónimo”. É o que fica ilibado de todos os valores comprometidos neste acto. Paga. E o acto de pagar desculpabiliza, desresponsabiliza, descompromete. Afasta qualquer afecto, e o cliente pode assim entregar-se às suas fantasias, à sua realidade interior - à sua , não à dela - sem ter que se preocupar com o que ela sente, pensa ou deseja. O dinheiro lá está para pôr os sentimentos à distância. Estamos perante o sexo separado de todo o significado humano. Sexo-objecto. É muito aquilo que se joga, ao recusar dissociar-se o sexo, objecto de prazer, do sexo, órgão de reprodução, e do sexo como meio de exprimir o amor)
O cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado. Varia consoante o seu poder de compra. Por exemplo, numa zona pobre de prostituição, a clientela é constituída por trabalhadores com fracos recursos económicos. O preço da prática sexual está de acordo com o seu poder de compra e, por isso, é pouco exigente no que diz respeito à aparência da mulher e ao seu comportamento. Há oscilações na procura, esta é intensa no princípio e no fim de cada mês, que é quando o cliente recebe o salário, e vai diminuindo nos restantes dias.
Num hotel ou bar de luxo, o cliente tem poder económico. É exigente quanto à oferta. A maneira de se vestir e de se comportar da mulher, adapta-se à origem social do cliente, confundindo-se com ela. É a oferta a adaptar-se à procura. E devido aos nossos estereótipos de pertença, inconscientemente colocamos a mulher na classe social do cliente.
O Chulo
O chulo é o homem que explora directamente a mulher prostituta. Recebe o dinheiro proveniente do acto prostitucional. Em muitos casos é o recrutador de jovens para o “meio”. Desempenha para a mulher prostituta o papel de protector e é a sua componente afectiva.
O relacionamento da prostituta com o cliente é mercantil. Ela sente-se objecto, “uma coisa” que é usada e posta de lado. Não existe afectividade neste tipo de relação. O pagamento do acto sexual descompromete o cliente, desresponsabiliza-o, desculpabiliza-o. Ele usa a mulher para a satisfação do seu prazer.
O chulo quebra a agressividade desta relação e é elemento de socialização.
A necessidade de “ter um homem” que as proteja e que as torne semelhantes a um casal normal é o sentimento expresso pelas mulheres que se prostituem.
Proxenetismo organizado
Falar sobre o chulo das outras é sempre mais fácil do que falar do seu chulo. Este é apresentado não como explorador, mas como o seu marido, o seu companheiro com quem afirmam estabelecer uma relação afectiva.
Ouvimos com muita frequência uma mulher prostituta dizer:
“Eu tenho um homem mas ele não é chulo. Ele gosta de mim e eu gosto dele. Ele não tem trabalho mas anda à procura. Eu ajudo-o e ele é meu amigo. Leva-me a jantar a restaurantes finos e dá-me tudo o que eu preciso. Leva-me ao cinema. É mesmo meu amigo.”
Compra-lhe a afectividade, a companhia e a protecção, mas não tem consciência disso. Vive a ilusão do amor.
A economia tornou-se global e as pessoas já não são recrutadas apenas na periferia das grandes cidades ou nas zonas pobres de Portugal.
Já não são só as filhas de portugueses pobres que se prostituem. O campo de recrutamento cresceu. Hoje, em diversos locais da cidade, multiplicam-se jovens africanas, asiáticas, brasileiras, da América Latina, da Europa de Leste que sofrem diante dos nossos olhos a forma mais violenta de escravatura.
O mundo todo, com os seus níveis de subdesenvolvimento cruéis, transforma-se numa reserva gigantesca de mulheres, de jovens e de crianças para a indústria do sexo global.
Calcula-se que todos os anos, cerca de 200 mil mulheres provenientes de países de Leste caem nas mãos de proxenetas europeus.
A Liga Feminina de Kiev afirma que “nos últimos anos, 100 mil ucranianas foram vítimas de redes criminosas da indústria do sexo” (Le Monde Diplomatique).
Segundo a Interpol, “o negócio da exploração sexual entre os dois lados da Europa (Ocidental e de Leste) está em plena explosão”.
Na Polónia, a prostituição estrangeira concentra-se nos grandes eixos que conduzem à Alemanha. Na Bulgária, cerca de 10 mil raparigas caíram nas malhas dos proxenetas.
Desenvolve-se um autêntico mercado de escravas (segundo a Associação Animus). Os traficantes romenos leiloam ucranianas, moldavas, romenas, búlgaras, russas. Despidas, exibidas, são compradas por cerca 500 euros por proxenetas que as violam antes de as fazer seguir para outros países.
Uma rapariga caída nas mãos de um proxeneta, passa dois meses numa casa de passe. É depois vendida por 2.500 dólares (2.709 euros) a outro proxeneta ainda mais brutal que o primeiro. Uma jovem foi vendida dezoito vezes.
As mulheres são reduzidas à escravatura. Existem autênticos campos de sujeição onde as raparigas são violadas, domadas.
No total, a prostituição poderá representar um volume de negócios entre os 5 mil milhões de dólares e 7 mil milhões de dólares (entre 5,4 e 7,6 mil milhões de euros). Segundo a Interpol, uma mulher prostituta consegue entregar anualmente 107 mil euros ao seu proxeneta.
Em Paris a prostituição gera um volume de negócios anual avaliado em 3 milhões de euros. “O negócio da prostituição é um negócio muito menos perigoso do que o tráfico de droga, porque não existe nenhum quadro jurídico internacional para combatê-lo”. (Gerard Stoudman, da Organização para a Cooperação e a Segurança na Europa - OSCE).
A causa do recurso à prostituição é sobejamente conhecida: a miséria. A maioria das mulheres espera ganhar dinheiro suficiente para regressar ao seu país e ajudar as famílias a sobreviver. Três quartos delas nunca se tinham prostituído antes.
O volume de negócios gerado pelas mafias organizadas da indústria do sexo faz circular milhões de euros, que fazem até com que Estados legalizem a prostituição como se de um trabalho se tratasse, concedendo ao homem o poder legítimo de comprar sexo a outros seres humanos.
Mulheres prostituídas defendem o reconhecimento da prostituição em nome “do direito fundamental de dispor do seu próprio corpo”. Mas não dizem que a reclamação desse direito é-lhes incutida pelo proxenetismo organizado, pelas mafias criminosas, que as empurram e as obrigam a “dar a cara” porque objectivamente querem ser legalizados como industriais do sexo e não perseguidos por envolvimento em crime organizado. Legalizando a prostituição automaticamente as redes criminosas ficam de mãos livres.
Que significado social tem esta situação?
Trata-se de uma dinâmica profunda segregada pela sociedade mercantil, da qual, o capitalismo é a forma actualmente dominante. Este sistema não produziu ainda um antídoto, um “contra-veneno” que nos permita passar do dinheiro como equivalente de todo o valor, para o dinheiro como equivalente unicamente de alguns valores.
Os mecanismos económicos funcionam no “meio” mas de uma forma caricatural. Por exemplo: há um preço para a relação sexual, depois há mais uma determinada quantia por uma atitude suplementar. É bem a lógica da tabela de preços de qualquer comerciante: uma lata de ervilhas custa tanto, se o cliente levar também uma lata de feijões, custa mais tanto.
Assim, não se pode reduzir a prostituição a uma questão de moral individual. A moral está realmente em causa, mas é a moral do sistema económico, social e político.
O Ninho
O Ninho é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que tem por objectivo a promoção humana e social de mulheres vítimas de prostituição.
Foi fundado em Portugal em 1967 seguindo o modelo de O Ninho Francês criado em Paris pelo Padre André Marie Talvas, em 1936.
A história de O Ninho insere-se na história do trabalho de colaboração entre os Movimentos do Ninho da França, da Bélgica (1980), do Brasil e de outras organizações e movimentos que trabalham directamente com pessoas prostituídas.
O Ninho nasce a partir das necessidades sentidas pelas mulheres prostituídas e estrutura uma metodologia de intervenção que se vai adequando às realidades.
Conhecer o meio prostitucional e os seus agentes foi o início de uma intervenção inovadora que, na década de sessenta poucas pessoas compreendiam.
Os serviços vão sendo estruturados de acordo com as solicitações feitas pelas mulheres e com a aprendizagem que os técnicos foram fazendo ao longo do seu percurso de trabalho directo com as mulheres.
Conhecemos a origem social das mulheres e dos clientes.
Conhecemos os proxenetas ( os companheiros, como elas dizem )
Conhecemos mulheres que foram traficadas, vendidas para certos países.
O Ninho, ao longo dos anos, tem tido uma intervenção séria e coerente na denúncia da prostituição. Na denúncia das suas causas e consequências. Parte do conhecimento adquirido ao longo de 39 anos de trabalho directo com pessoas prostituídas e da troca de experiências com organizações congéneres da Europa e do Brasil.
Por isso a análise feita tem por base a experiência de intervenção psicossocial feita com as pessoas que são prostituídas