5.3.06

Para Antero de Quental o programa político dos operários é a abstenção


Excerto do opúsculo escrito em 1871 por Antero de Quental sob o título
«O que é a Internacional: o socialismo contemporâneo. O programa da Internacional»


«Mas nós trabalhadores, que assistimos, espectadores enojados à comédia tristíssima dos governos da burguesia, que sabemos a suma baixeza, intriga, vilania e corrupção que representam um parlamento, um ministério e um jornal subsidiado, deixemos que passe por nós, na sua dança macabra, toda essa côrte de milagres, que nem ao menos, como a outra, tem a franqueza do cinismo, e não nos indignemos com as vaias dos histriões oficiais ou oficiosos, que, em verdade, não o merecem.
A nossa preocupação é outra; e superior à cólera, à indignação, ao desprezo até, deve ser a nossa atitude. Obreiros materiais do presente, obreiros espirituais do futuro, absorvemo-nos no nosso duplo trabalho, convencidos de que, enquanto o nosso pensamento emancipador, enquanto a reforma social não for um facto, toda a nossa acção política não representa para nós mais do que a dissipação do tempo, dispersão de forças e – o que é pior – auxílio dado aos inimigos, vida emprestada por nós ao organismo fatal que nos suga a nossa substância.
O programa político das classes trabalhadores, segundo o Socialismo, cifra-se numa só palavra: abstenção. Deixemos que esse mundo velho se desorganize, apodreça, esfacele, por si, pelo efeito da vírus interior que o mina. No dia da decomposição final, nós cá estaremos então com a nossa energia e virtude conservadas puras e vivas, longe dos focos de infecção desta sociedade condenada.»