19.1.06

A criminologia anarquista



O anarquismo é uma das correntes do pensamento político mais difíceis de definir e conceptualizar por várias razões, uma das quais é a não existência de uma ideologia anarquista sistematizada e uniforme, a que se deve acrescentar o facto do anarquismo ser frequentemente objecto de permanentes deformações pelos seus opositores. Daí que se prefira concebê-lo mais como um movimento onde convergem um certo número de filosofias, algumas convicções e práticas de acção que emergiram como reacção ao aparecimento e consolidação do Estado-Nação e do capitalismo ao longo dos últimos séculos, se bem que num passado remoto já tenham surgido autores e pensamentos de natureza anarquista.
Um dos traços comuns a todos os anarquistas é a afirmação de que o Estado é uma entidade coerciva, punitiva, opressiva, corruptora e destrutiva. Formas de vida alternativas como o apoio mútuo, a cooperação voluntária segundo formas não-autoritárias, não-coactivas, não-hierárquicas são normalmente preconizadas e promovidas pelos autores anarquistas.

Algumas das principais ideias anarquistas foram desenvolvidos por autores como Max Stirner (1806-1856), Proudhon ( 1814-1876), Bakunine (1814-1876), Kropotkine (1842-1921) e Emma Godman (1869-1940).
Em geral, os princípios por eles defendidos não conceptualizam nenhuma sociedade caótica e desordenada, mas antes uma forma de aprofundamento e expansão da ordem social que passa por dispensar a presença ( e a omnipotência ) do Estado. Uma tal ordem social maximizará as liberdades individuais, encorajando ainda o associativismo voluntário e a auto-regulação. Outro dos traços importantes do pensamento anarquista é a ideia da substituição das formas monopolísticas do capitalismo e da propriedade privada pela posse colectiva dos bens.

Segundo criminologistas de filiação anarquista, como Jeff Ferrell, não se pode falar de uma criminologia anarquista propriamente dita pois tal seria uma contradição nos termos. Todavia, os escritos de Pete Kropotkine sobre a lei e o Estado constituem referências-chave para a construção de uma criminologia anarquista.
Kropotkine sustenta que as leis são inúteis e nocivas, provocando a criminalidade em massa e várias patologias sociais. As leis que protegem a propriedade privada e os interesses do Estado são responsáveis por dois terços a três quartos de todos os crimes. O principal objectivo da legislação criminal, que é punir e prevenir os crimes, acaba por não conseguir o seu objectivo e, pior que isso, degrada a sociedade ao alimentar os piores instintos humanos como a obediência, o conformismo passivo e o reforço vicioso da dominação estatal.
Kropotkine insiste que a maioria dos crimes desaparecerão no dia em que deixar de existir a propriedade privada, e ainda quando as necessidades humanas e a cooperação substituírem a ânsia do lucro e a competição concorrencial como princípios organizadores da vida social.. Formas alternativas de relacionamento social como a solidariedade social, a justiça e a inclusão social mostram-se mais adequadas do que o sistema estatal de justiça criminal ou o chamado «primado da lei» para responder e contrariar os comportamentos anti-sociais.

Jeff Ferrell, um autor que se tem dedicado a estas matérias, escreve a propósito da existência de uma criminologia anarquista:

«At its best, anarchism and the process of justice that flows from it constitute a sort of dance that we make up as we go along, na emerging swirl of ambiguity, uncertainty, and pleasure. Once you dive into the complex rhythms of human interaction and the steps that you and others invent in response. So, if you want centainty or authority, you might want to sit this one out. As for the rest os us: start the music.»
Jeff Ferrell, in «Anarchy against discipline»,
in Journal of Criminal Justice and Popular Culture, 3 (4)


Em suma, a teoria anarquista consiste:
- numa profunda crítica à lei, ao poder e ao estado
- na defesa de relações sociais não-coercivas
- em formas alternativas de resolução de conflitos como a auto-composição de interesses e que não passem tanto quanto possível pela intervenção de entidades terceiras, estranhas à disputa
- em intervenções de carácter político que se mostrem adequadas para um mundo complexo e fragmentado

Para mais informação:

Ferrell, Jeff (1995) «Anarchy against discipline», in JOurnal of Criminal Justice and Popular Culture, 3 (4)

Ferrel, K. (1999) «Anarchist criminology and social justice», in B.A. Arrigo (ed.) Social Justice/Criminal Justice. Belmont, CA, Wadsworth

Kropotkine, P (1996) «Law and Authority», in J. Muncie, E. McLaughlin and M. Langam (eds), Criminological Perspectives: a Reader. London, Sage

Tifft, L.L. (1979) «The coming re-defitions of crime: Ana anarchist perspective», Social Problems, 26