Rali Lisboa-Dakar? Não, obrigado.
Hordas de carros, camiões e motas (240 motos, 188 automóveis, 80 camiões e 240 veículos de assistência) vão invadir, mais uma vez, ecossistemas frágeis ao longo de todo um percurso que vai partir, este ano, de Lisboa até chegar a Dakar, capital do Senegal, em plena África subsariana. Trata-se de um rali automóvel que espelha bem o modelo de sociedade consumista em que vivemos e que é responsável pela dissipação e esbanjamento de recursos.
Hordas de carros, camiões e motas (240 motos, 188 automóveis, 80 camiões e 240 veículos de assistência) vão invadir, mais uma vez, ecossistemas frágeis ao longo de todo um percurso que vai partir, este ano, de Lisboa até chegar a Dakar, capital do Senegal, em plena África subsariana. Trata-se de um rali automóvel que espelha bem o modelo de sociedade consumista em que vivemos e que é responsável pela dissipação e esbanjamento de recursos.
Esta ocasião serve geralmente para que uma multidão de veículos todo-o-terreno, altamente poluidores, sejam lançados agressivamente a toda a velocidade por terras desconhecidas, e sejam objecto de uma estranha veneração mediática, quase que mitificados, numa operação propagandística com forte impacte e indutora, junto da população em geral, de comportamentos despesistas e contrários ao desenvolvimento sustentável.
Mas um tal Rali é duplamente chocante quando pensamos nas múltiplas carências que atingem o continente africano, que será atravessado por aquelas hostes motorizadas, numa deplorável atitude de arrogância e indiferença para com o sofrimento alheio. Uma caravana de engenhos motorizados rutilantes, atravessando os países mais desfavorecidos de África, é bem a triste imagem da «civilização» depredadora e injusta em que os países do Norte se revêem.
Não é, por isso, de todo extemporâneo, interrogarmo-nos sobre a razão de ser do ralli:
Será aceitável um evento deste género quando milhares de africanos se lançam desesperadamente, muitas vezes, numa viagem sem regresso, nos difíceis caminhos da emigração clandestina para os países europeus?
Será aceitável o desperdício de centenas de milhar de litros de combustível numa empresa que só serve para glorificar a rapacidade dos construtores de automóveis?
Será aceitável fomentar os padrões e atitudes próprios de uma mentalidade que se alimenta de valores como a velocidade, a agressividade e o risco na estrada, o poder e o domínio da máquina?
Será, enfim, aceitável tudo isto quando a África se afunda em fome, doença, má-nutrição e guerras?
Pelo facto de terem começado a encontrar uma viva contestação, os organizadores do Rali Paris-Dakar decidiram no ano passado transferir o ponto de partida para Barcelona. Mas também aqui vieram a deparar com críticas muito fortes que levou o governo da Catalunha a desinteressar-se pelo evento. Os promotores não tiveram outro remédio que ir bater a outra porta,. Encontraram então o apoio incondicional das figuras inefáveis que dão pelo nome de Santana Lopes ( então, primeiro-ministro) e Carmona Rodrigues ( enquanto presidente da autarquia) para que a cidade de Lisboa passasse a ser o ponto de saída.
É preciso não esquecer que, desde o seu aparecimento em 1979, este Rali já provocou mais de 30 mortos e que muitos poucos governos dos países europeus autorizariam a sua realização no seu território pelos efeitos catastróficos que provocaria no ambiente e em muitos outros domínios, sem esquecer os elevados riscos humanos que comportaria.
Como é possível assistirmos a este espectáculo indigno sem nos revoltarmos?
É altura de denunciar e pedir a supressão deste infeliz espectáculo, montado, todos os anos, pelos construtores de automóveis sem consciência ambiental e, ainda menos, cívica e planetária.
Já em 1988 René Dumont, o conhecido agrónomo e ecologista francês, dizia:
« Este Rallye é indecente. Comparo-o a um bando de estroinas que organizam uma bagunça, não na casa deles, mas que se permitem fazê-lo na casa de pobres, sem sequer partilhar com eles a patuscada(…) Ora a verdadeira aventura está, sim, na luta contra a fome” ( René Dumont)