Quando da implantação em massa de robots e de computadores nas actividades produtivas em geral, os optimistas consideraram que os efeitos seriam positivos para os trabalhadores. A realidade, no entanto é muito diferente.
O surgimento das máquinas ferramenta de controle numérico computorizadas, robots e redes de computadores nas industrias, gerou muitas expectativas. As pessoas mais optimistas, desvalorizando a função objectiva de uma empresa capitalista, logo viram apenas sinais positivos.
Seguiu-se uma onda de especulações sobre como o futuro dos trabalhadores seria radioso doravante. As máquinas iriam substituir o trabalho humano penoso e enfadonho. Os trabalhadores passariam a exercer funções muito mais criativas, em ambientes mais agradáveis, com horários de trabalho menores e mais flexíveis e, sobretudo, melhor remunerados.
Isso tudo seria possível pelo vertiginoso aumento da produtividade que, como todos “sabem” sempre reverte em benefício de… toda a sociedade! O elementar facto de que os ganhos em função desses aumentos de produtividade são apropriados pelas empresas, e não pelos empregados parecia ser um mero detalhe de pouca importância.
Para os economistas, administradores de empresas e profissionais de informática, a realidade logo ficou clara. Os objectivos da automação eram respectivamente: cortar o maior número possível de empregados e extrair o máximo de trabalho da mão-de-obra restante nas unidades industriais.
Mas, para se alcançar esses objectivos era necessário um novo sistema de gestão, capaz de compatibilizar os novos equipamentos com os recursos humanos. A isso se prestavam perfeitamente os conceitos desenvolvidos no Japão, mais especificamente, o sistema concebido pelo engenheiro Eiji Toyoda e o seu especialista em produção Taichi Ohno nas instalações da Toyota.
Dessas técnicas, hoje bastante conhecidas, nasceram os processos de reestruturação e reengenharia da produção, largamente utilizados em todo o mundo. Dele também deriva o conceito de produção “enxuta”, das vantagens da terciarização e da flexibilização das relações de trabalho. A este novo paradigma, seguindo Manuel Castells, chamamos de capitalismo informacional.
As consequências da utilização combinada das novas tecnologias de informação e telecomunicações e dessas técnicas de gestão de pessoal podem ser brevemente sintetizadas:
1) A automação elimina empregos, em quantidade assustadora, nos níveis intermediários da hierarquia. Os empregados “sobreviventes” aos processos de reengenharia, tanto os operários quanto os executivos, passam a serem pressionados a aceitar aumentos progressivos de sua carga de trabalho.
2) Embora o desemprego possa não se manifestar nos níveis mais baixos, as condições de trabalho em geral deterioram-se. Os trabalhadores são obrigados a um ajustamento às velocidades de produção dos robots, muito mais exigentes do que a linha de produção “taylorista/fordista” tradicional.
3) O nível de instrução dos trabalhadores decresce continuamente com o aumento da “inteligência” das máquinas e das interfaces “amigáveis”.
2) Embora o desemprego possa não se manifestar nos níveis mais baixos, as condições de trabalho em geral deterioram-se. Os trabalhadores são obrigados a um ajustamento às velocidades de produção dos robots, muito mais exigentes do que a linha de produção “taylorista/fordista” tradicional.
3) O nível de instrução dos trabalhadores decresce continuamente com o aumento da “inteligência” das máquinas e das interfaces “amigáveis”.
Para mostrar como isso ocorre na prática, citaremos o depoimento de uma trabalhadora que passou dois anos a trabalhar no Japão, o berço dessas novas ideias e de longe o país que mais as utiliza.
Escolhemos a narrativa dessa pessoa por duas razões:
Escolhemos a narrativa dessa pessoa por duas razões:
Em primeiro lugar porque sua experiência de trabalho foi junto a linhas de produção automatizadas e executando as mesmas tarefas que seus colegas japoneses, e não como acontece com muitos imigrantes que se aventuram nos EUA e Europa, que acabam executando tarefas específicas, justamente onde a nova automação está quase ausente (restaurantes, hotéis, serviços de manutenção, limpeza, etc).
A segunda razão é que se trata de pessoa com um alto nível intelectual, tanto mais que as suas narrativas são extraídas de um trabalho académico da sua autoria, cujo objectivo é exactamente uma análise do “toyotismo”.(1)
Segundo reconhece a autora: “A automatização é considerada o primeiro elemento desse modelo. Trata-se da utilização de máquinas capazes de parar automaticamente quando surgem problemas. Assim o trabalhador que até então era treinado para desenvolver o seu trabalho numa única máquina pode ser responsabilizado por várias, o que diminuiria a quantidade de trabalhadores necessários numa linha de montagem, onde a autora teve experiência de trabalho, como relata a seguir”.
A narração da autora inicia-se, como era de se esperar, pelas dificuldades do próprio processo de deixar o seu país e enfrentar uma realidade totalmente desconhecida, o Japão. Note-se que o novo capitalismo informacional não reduz significativamente a procura de empregos de baixa qualificação.
A autora relata que a certa altura, “a ala feminina do grupo é submetida a um teste com trinta cálculos matemáticos, com a informação de que quem resolvesse todos os trinta cálculos em cinco minutos seria indicada para a vaga daquele dia. A autora conseguiu resolver vinte e oito dos cálculos no tempo que foi estipulado e por isso foi levada a uma fábrica da Suzuki na cidade de Kosai para uma entrevista”.
Isso levar-nos-ia a concluir que se valoriza bastante o nível de ensino, principalmente a preparação básica em ciências exactas, já que o trabalho é junto a equipamentos altamente sofisticados. Mas, após repetir o teste na fábrica da Suzuki, a autora acaba por ser recusada, e o motivo foi que:
“a fábrica não aceitava secretárias, enfermeiras e professoras, pois, a função (trabalhar no sector de reposição de peças) exigia que se desse 15 mil passos por dia, e para a empresa se certificar que o funcionário estava dentro das normas era colocado um marcador na perna – na altura do tornozelo – e segundo eles, pelo porte físico, ela não conseguiria desenvolver a função”.
Perguntar-se-á então: e o teste de matemática não serviu para nada? É simples. Uma pessoa capaz de realizar cálculos sob pressão (trinta cálculos em cinco minutos), está apta a tomar decisões simples, como escolher e contar peças codificadas, por exemplo, na velocidade exigida pelas linhas de montagem dirigidas pelos robots.
Prossegue a autora: “No dia seguinte, candidatei-me a outra vaga, desta vez uma fábrica que produzia fechaduras para carros da Mitsubishi. Ao chegar recebo o uniforme e fui levada à linha de montagem. Não houve nenhum treino, apenas orientações de como realizar a tarefa”.
Devemos notar que isso seria impensável numa fábrica tradicional. Além disso, a autora “durante os primeiros dias trabalhou muito preocupada em dar conta da produção exigida (950 peças por dia), as dificuldades eram grandes, pois, jamais havia visto ou executado tal função”. Como é possível que uma indústria espere que um funcionário atinja metas ambiciosas de produção sem nenhum treino e sem “jamais ter visto ou executado tal função?”
A resposta está em que, como dissemos, as novas tecnologias estão longe de necessitar de empregados com melhor nível cultural e mesmo qualquer experiência anterior. As “interfaces amigáveis” permitem que tarefas complexas sejam executadas por pessoas sem nenhuma qualificação.
Prossegue a autora: “Ao terceiro dia de trabalho, a tentativa para tentar conseguir acompanhar o ritmo das máquinas, criou-me problemas de saúde o que obrigou a ecarregada a levá-la para a enfermaria, sob o olhar reprovador do chefe e dos colegas de linha. Neste dia ficou a saber que uma colega havia tentado suicidar-se, tão grande era o sofrimento pelo qual passava, pois além da adaptação ser difícil, havia a agravante de estar no emprego já por vários dias sem confirmação de trabalho”.
Isso comprova o que também afirmamos: O segredo da espectacular “produtividade” do capitalismo informacional não está somente na tecnologia mas sim na sua combinação com técnicas, às vezes brutais, de exploração da mão-de-obra.
Depois disso, a autora conseguiu transferir-se para outra fábrica e ao cabo de um mês estava a trabalhar num departamento de controle de qualidade. Devemos lembrar que nas fábricas tradicionais, esse era um cargo altamente qualificado, mas a autora relata uma realidade bem diferente:
“As peças eram dispostas num aparelho que através de um computador verificava a sua perfeição ou seu o defeito. A actividade era tão mecânica que apesar do entendimento da língua japonesa ser pouco e de informática ainda menos, a autora foi capaz de realizá-la sem maiores problemas”.
Ou seja, o “controle de qualidade” na realidade era feito pelo computador e a trabalhadora limitava-se a observar os resultados num monitor de vídeo. Resumindo, ela não passava de um auxiliar humano da máquina. Nas suas conclusões a autora nota que:
“A experiência como operária subcontratada tornou possível ver bem de perto que a única diferença entre os trabalhadores, ainda que isso seja despercebido para muitos deles, são as mercadorias que produzem. Não fosse assim, não haveria diferença de uma fábrica para outra. Em todas que a autora teve oportunidade de trabalhar ou apenas conhecer, como era de se esperar, as actividades sempre seguiam a mesma linha, extremamente repetitivas e exaustivas, onde o trabalho se encontra totalmente alienado”.
Isso ocorre porque as novas tecnologias são flexíveis. Ao contrário das máquinas mais antigas, os robots e computadores podem ser programados para executar tarefas diferentes sem alterar praticamente nada as suas características. O mesmo acaba por acontecer para as pessoas que trabalham com eles.
Com esse relato, podemos passar a ter uma visão prática do que até então abordávamos apenas em teoria. Longe do paraíso das jornadas de trabalho flexíveis e do trabalho criativo e de alto nível intelectual, a nova realidade da classe trabalhadora pode ser sintetizada na visão da fabrica do futuro como descrita por Fabio Kazuo Ocada, citado pela autora: “[...] por todos os lados sirenes piscam e os ruídos ensurdecedores da estrutura de metal em funcionamento misturam-se com a música sintética [...] A primeira impressão chega a lembrar um sofisticado parque de diversões, a segunda impressão sugere a imagem do inferno”. (2)
Notas:
(1) FUTATA, Marli Delmônico de Araújo. Breve análise sobre o toyotismo: modelo japonês de produção – Revista Espaço Acadêmico – Nº 47 – Abril de 2005.
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/047/47cfutata.htm
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/047/47cfutata.htm
(2) OCADA, Fabio Kazuo. Trabalho, sofrimento e migração internacional: o caso dos brasileiros no Japão. In: ANTUNES, Ricardo e SILVA, Maria Aparecida Moraes. O avesso do trabalho. 1ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
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(texto retirado da net)