Os manuais escolares constituem apenas uma parte do que se aprende nas escolas – uma vez que nelas também se aprendem coisas tão impregnantes como a obediência, a imobilidade, a forma competitiva de nos relacionarmos com os outros, quantas vezes sob a capa da cooperação etc – mas a verdade é que são uma boa ( e amarga ) amostra das categorias e dos esquemas mentais que se pretende socializar junto das gerações mais novas, esquemas e atitudes essas que vão estar, mais tarde, na origem das opiniões e da visão do mundo dos actuais jovens.
Apesar dos manuais serem apenas uma fonte, entre outras, de formação escolar e educativa, eles são bem representativos do que o Estado, e com ele, as ideias dominantes numa dada sociedade, pretende difundir e impor aos alunos. Para agravar mais as coisas, não é raro encontrarmos pessoas para as quais o conteúdo dos manuais escolares assume um carácter de verdade absoluta e inquestionável !!!
Encontramos, desde logo, em muitos senão mesmo todos manuais um rasgado e incondicional elogio à tecnologia, e pouca e mesmo nenhuma referência aos seus aspectos negativos. Pretende-se passar a ideia que será a tecnologia a resolver os problemas presentes e nunca se enfatiza a necessidade de transformação das estruturas sociais e dos convencionalismos dominantes.
Muitos grupos sociais tornam-se completamente invisíveis a quem leia a maior parte dos manuais escolares portugueses. Desde os homossexuais até às mulheres domésticas, passando pela terceira idade e pelos operários, muitos grupos sociais e profissionais são suprimidos ou é o mesmo que não existissem à face da terra, tudo isso numa estratégia discursiva que visa consagrar os grupos e elementos que sejam importantes para o mercado, os com papel activo segundo a retórica dominante.
Ignoram-se e desprezam-se igualmente as culturas e práticas locais que, como não se revestem de natureza depredatória, são encaradas as mais das vezes como …atrasadas.
A natureza, a terra e a vida mostram-se sempre como actividades subordinadas à economia e ao mercado. Prevalece uma lógica produtivista. A ecodependência das sociedades humanas é permanentemente uma ilustre desconhecida para os livros escolares, e passa-se ao lado da natureza insustentável dos actuais processos económico-sociais. Celebram-se, por exemplo, os transportes rápidos, e a longa distância, sublimando-se explícita e sub-repticiamente os valores ligados velocidade custe o que custar.
Pior ainda é o profundo e marcado etnocentrismo que todos ou quase todos os manuais dão mostras evidentes, qualquer que seja o nível escolar para que foram destinados.
A história é convertida numa história dos Estados e do poder, com mapas e fronteiras amiúde, relegando para um plano secundário as histórias das culturas e a dinâmica social.
Perpassa em todos esses livros uma noção linear da evolução que acaba por sublimar, invariavelmente, as virtudes da modernidade, esquecendo-se de referir o quanto de barbárie esta mesma modernidade tem engendrado.
As soluções políticas e individuais são sempre de natureza individualista. Parece que não há decisões estruturais a assumir. Fazem-se recomendações e conselhos para o indivíduos, mas não se denunciam as soluções tecnocráticas e lucrativas tomadas pelas autoridades para as sociedades capitalistas.
E passam em branco muitas das áreas fundamentais da nossa vida, desde a educação sexual até à realidade, muito bem escondida, do vil e rentável negócio de armas e do domínio do complexo militar-industrial., passando pela repressão e controle dos cidadãos, a exploração económica, as mentiras e a manipulação mediática, etc,etc.
No fundo, os manuais escolares não preparam nem para o presente, nem muito menos para o futuro. Ignoram ou fazem por ignorar as grandes linhas que movem o mundo e a civilização actual. Servem antes para legitimar um modo de vida adequado às realidades sociais do sistema económico dominante, mas insustentável a curto prazo.
Não falamos, obviamente, dos erros científicos e metodologias discutíveis que pululam nos vários livros de texto editados em concorrência por várias editoras a preços proibitivos, que custam os olhos da cara a muitas famílias. Tudo para bem da reprodução social do capitalismo depredatório.