6.6.05

O Congresso dos Vagabundos ( Stuttgart, 1929)



No fim dos anos 20, número de desempregados e sem-abrigo não parava de crescer na Alemanha. Muitos jovens partiam pelas estradas na esperança de encontrar emprego e pão. No caminho encontravam operários, artesãos e vagabundos que se tratavam todos entre si como «companheiros». Os desempregados citadinos, entre os quais se encontravam elementos politizados e outros que se interessavam por arte, passaram a conviver com os vagabundos.
Aparece então em 1927 o primeiro número da revista dos vagabundos «Der Kunde» ( «O Companheiro»), editado pelo escritor Gregor Gog, que vivia numa cabana de madeira, construída por ele mesmo, nos arredores de Stuttgart. Tinha a intenção de fundar uma «Confraria dos Vagabundos» internacional a fim de superar a atomização e a passividade dos sem-pátria. Com esse objectivo é que Gregor Gog lança um convite aos vagabundos para um encontro internacional em Stuttgart para a semana do Pentecostes de 1929. Compareceram cerca de 300 pessoas que se reuniram entre 21 e 23 de Maio no jardim da juventude livre-pensadora, atrás da Escola das Artes Aplicadas situada em Killesberg, Stuttgart. As autoridades locais tudo fizeram para silenciar a iniciativa, mas a imprensa não deixou de fazer reportagens circunstanciadas e publicar fotografias. Gregor Gog abriu o «Congresso». Falaram, em seguida, o pintor Hans Hammelrath, o agitador comunista Rudolf Geist, o advogado Philip Heinz, o professor exilado Karl Roltsch e o pastor Jakob Weidemann. Seguramente que para os operários presentes os discursos pareceram muito longos e algo solenes. Apesar de não terem ultrapassado poucas centenas de participantes, o encontro foi um sucesso. A vagabundagem fazia parte dos sinais do tempo que passava, e a imprensa não hesitou em relatar o acontecimento. Tanto mais que não se via solução para a crise social, e as autoridades tradicionais iam sofrendo forte erosão, o que permitiu um certo efeito «mobilizador». Começavam, enfim, a organizar-se, aqueles que se tinham tornado nómadas. Discutiam ao longo do dia, entre si, e apresentavam orgulhosamente os primeiros documentos de uma cultura específica, «não sedentária». Simultaneamente, na Casa das Artes Hirrlinger,situada no nº 7 da Gartenstrasse, em Stuttgart, abria uma Exposição de arte dos vagabundos.
Nos três anos seguintes, a miséria eo desemprego cresceram ainda mais. Não existiam 70.000, mas antes uns 500.000 sem-abrigos que levavam por toda a Alemanha uma vida de errância. Quando os nazis chegaram ao poder, uma das primeiras promessas foi metê-los em ordem. Deportaram os «Sinti» e os «Roms» (ciganos), declarados «racilamente inferiores», para os campos e mataram mais de 400.000. Quanto aos operários e vagabundo «arianos» obrigaram-nos pela força a sedentarizaram-se e a trabalharem. Ao mesmo tempo, centenas de anticonformistas, opositores políticos e judeus foram perseguidos, mortos ou obrigados a exilarem-se. Ao fim e ao cabo, o Estado nazi cujo objectivo deliberado era acabar com tudo o que era anti-social e criminal, acabou por se mostrar o Estado mais anti-social e criminoso da história alemã.
No ano de 1981 houve uma tentativa de retomar o «Congresso dos Vagabundos» de 1929, mas a ideia fracassou. Entretanto, o desemprego, a mendicidade e os sem-abrigo não pararam de aumentar. Há de novo mais de 100.000 pessoas na rua e ao longo das estradas. A ideia abortada de retomar aquela iniciativa, realizada no fim da República de Weimar, não tinha nada de nostálgico. A questão era antes de tentar encontrar formas eficazes de comunicação e organização susceptíveis de superar o isolamento e o desespero. Não se tratava de pôr limites à miséria, mas sim de a equacionar a partir de razões económicas. E de dizer aos políticos para inventarem outra coisa que não seja apenas o habitual reforço da polícia.

(tradução do texto publicado na revista Marginales, nº 3-4 , Hiver 2004, editado pela Agone, num número monográfico sobre «Les dépossédés,figures durefus social»)