28.3.05

Mary Wollstonecraft (1739-1797) e a primeira Reivindicação dos Direitos da Mulher



Mary Wollstonecraft nasce em Spitalfieds, subúrbios de Londres, no ano de 1739, no seio de uma abastada família de empresários, mas cuja riqueza não estava destinada para a instrução das raparigas. Por isso mesmo, Mary só muito tarde aprendeu a ler numa escola de dia, já quando tinha 14 anos. A sua educação foi completada com a ajuda de uma casal idoso, os Care, que a puseram em contacto com Shakespeare, Milton e Pope. No fundo, Mary foi uma autodidacta.

De 1777 a 1783 viveu com dificuldades económicas, partilhando os seus problemas com a sua amiga de sempre, Fanny Blood e a sua irmã Elisa, que havia decidido separar-se do marido trazendo consigo a filha. As 3 mulheres decidiram viver juntas e começaram a realizar trabalhos artesanais. Mary tentou também abrir uma escola mas não conseguiu.

Ao transferir-se para Newington Hill, perto de Londres, Mary conheceu Richard Price (1723-1791), um intelectual não conformista. Price era teólogo e filósofo de orientação unitarista, logo, um deísta seguidor de Franklin, Jefferson e Condorcet. Conheceu a obra de Locke e de Rouseeau, e leu ainda A Nova Eloísa.
Em 1785 fez uma viagem a Lisboa onde assistiu à morte por problema de parto da sua amiga Fanny. Atenta observadora da difícil condição feminina, publicou em 1787 o seu primeiro escrito com a preciosa ajuda do editor anticonformista Samuel Johnson, « Pensamentos sobre a educação das raparigas». Um texto que revelava, apesar de Mary ser programaticamente anglicana, a influência que recebera de Locke e de Rousseau, para além da dos unitaristas. No livro recolhiam-se ideias tanto de «Emilie» como dos «Pensamentos a respeito da educação», especialmente as relacionados com as raparigas, e se sublinhava a dificuldade de inserção social das jovens, mesmo sendo estas instruídas.

Depois de uma breve estância na Irlanda como professora, regressou a Londres em 1781 e começa a frequentar o ambiente intelectual da livraria de Johnson.

Conheceu o pintor pré-romântico Henry Fussli (1714-1825), Tom Paine , Coleridge, Wordsworth, William Godwin, e o pintor e gravador William Blake, que veio a ilustrar um livro de fábulas para crianças de Wollstonecraft, «Histórias originais»(1788). Muitos dos participantes deste ambiente intelectual sentiram-se inspirados e inflamados com os acontecimentos revolucionários de Paris, e a própria Mary escreveu em 1790 a «Reivindicação dos direitos dos homens» em que tomava posição a favor de Richard Price , que estivera ligado à revolução de 1688 e à de 1789 contra o conservador Edmund Burke (1729-1797).

No seu livro, Wollstonecraft criticava a iníqua divisão da riqueza típica da sociedade inglesa do seu tempo: o domínio que penalizava as raparigas bem assim a condição coactiva do matrimónio, definido por ela, como uma «prostituição legal» No plano político, reivindicava o direito do povo a eleger os governantes e os reis, segundo aliás uma tese de Price. Em 1792 publicou então a sua obra mais importante, «Reivindicação dos direitos da mulher»

No mesmo ano Mary Wollstonecraft parte para França com o objectivo de escrever uma história da revolução para o seu editor. Assiste, entre o temor e a angústia, à decapitação da Luís XVI.. Entre as forças políticas francesas sentia uma inclinação para os girondinos que combatiam por uma mudança regida pela razão e não tanto pelo sangue das massas.

Desta experiência surge o primeiro volume da «Visão histórica e moral da origem e evolução da Revolução Francesa» (1794), uma obra em impera uma visão oficial e na qual não marcas da presença feminina no movimento revolucionário.

À vida intelectual de Mary se somou entretanto (1793) as incertas e dolorosas vicissitudes da relação com um homem de negócios americano que conheceu em França durante o período do Terror, e que mais tarde a abandonaria em Le Havre com uma filha nos braços, relação que terá estado na origem em duas tentativas de suicídio em 1795.

As leis repressivas de 1794-1798 de William Pit contra os radicais e os filojacobinos ameaçaram Mary Wollstonecraft e o seu círculo de amigos intelectuais.

Em 1796 inicia uma relação como filósofo radical William Godwin, com o qual se decidiu casar-se,enquanto esperava um filho seu. Em Agosto de 1797 nasce a pequena Mary Godwin, mas quinze dias depois Mary Wollstonecraft morre por septicemia.

Mary Godwin, mais conhecida por Mary Godwin Shelley (1797-1851), a filha de Mary Wollstonecraft, foi também um mulher de engenho e uma escritora de créditos firmados. Mary Godwin Shelley casa-se com o poeta Percy Bisshe Shelley (1792-1822).Maru Shelley escreve a sua obra mais famosa, «Frankenstein».


A Reivindicação dos Direitos da Mulher (1792)

Em 1791, Thomas Paine, livre pensador angloamericano, que tinha regressado à Inglaterra em 1787, publica «OS Direitos do Homem», facto que constituiu motivo bastante para ser desterrados e obrigado a emigrar para França. No ano seguinte, Mary Wollstonecraft publica a sua «A Reivindicação dos Direitos da Mulher». Trata-se de um livro que se inscreve na literatura político-filosófica do período revolucionário, entre a declração da Independência americana e a Declaração dos direitos do cidadão, na França.

Mary Wollstonecraft pretendia inserir as reivindicações sobre a liberdade e igualdade social e política das mulheres dentro do contexto mais geral dos Direitos do Homem. Ou seja, para Wollstonecraft o ideal da emancipação feminina e a igualdade entre homens e mulheres não era visto como um valor em si mesmo, mas estava antes inserido nos princípios do direito natural moderno, como uma espécie de suplemento ao programa iluminista.

Para Wollstonecraft as mulheres devem sair da sua jaula de ouro, desse limbo formal de «feminilidade» que é a outra cara da marginalização e da submissão. A mulher deve adquirir, segundo ela, o ideal da razão, ou seja: não mais «amantes sedutoras» mas sim «mulheres afectuosas e mães racionais».

As mulheres deveriam implicar-se plenamente no projecto ilustrado e reformador: educação, direitos políticos, responsabilidade pessoal, igualdade económica, racionalidade e virtude, liberdade e felicidade. Estas são os ideais de Wollstonecraft que chaga a propor, provocatoriamente, uma castidade feminina desmistificadora das relações ambíguas com o homem. Frequentemente faz referência a Francis Bacon que, encarna para ela, o poder libertador da razão filosófica. Mas não menos frequentemente polemiza com Rousseau, de quem aceita a agudeza das análises de «Emilie» e do «Contrato Social», mas cujas conclusões rejeita.

Os vícios das mulheres do seu tempo são vivamente censurados por Wollstonecraft. O intelecto e a virtude são inseparáveis, e não poderá haver verdadeira moralidade ( e verdadeira religiosidade) se, porventura o intelecto é débil e está mal aproveitado: à mulher exige-se um intelecto firme, e é sobre ele que poderá fundar a sua própria moralidade e felicidade. A superstição é coisa totalmente contrária à razoabilidade da religião cristã. A frivolidade e o sentimentalismo são induzidos às raparigas pela literatura novelesca. O apego afectivo mórbido ao marido resulta da sua subordinação intelectual. A incapacidade de educar bem os filhos é possível tanto nas mulheres como nos homens. A ignorância, no seu sentido mais enfático, tem a raiz na inferioridade e na instabilidade psíquica das mulheres. Esta é a lista dos males que as mulheres padecem, especialmente as burguesas, que tinham alguma possibilidade de se ilustrarem, na óptica de Mary Wollstonecraft.

A mentalidade feminina fora relegada pela tirania masculina para o limbo da fatuidade ao que as mulheres, em geral, acabaram por se adaptar. E as mulheres que, hoje, reclamam direitos, devem saber que a estes correspondem deveres, assim como a rebelião contra a dominação masculina se deve realizar em nome dos valores universais.

O interesse pedagógico de Wollstonecraft reside na sua visão geral da evolução do mundo feminino com base na ideia do progresso intelectual e moral. A educação feminina deve ser, pois, renovada e igual à do homem, de acordo com os princípios da razão.

Nesse sentido, Rousseau entra em contradição quando postula o regresso ao «estado da natureza». O Ser sábio, que criou os homens, deu-lhes a luz da razão para que a Virtude ocupe o lugar do vício.
O Intelecto, a Virtude e a Liberdade são as 3 caras da razão iluminada que Mary Wollstonecraft tomou como os princípios do seu pensamento.

O seu objectivo é a criação de uma «nova civilização» em que humanidade seja virtuosa e feliz. A via de acesso é aberta pela Razão , uma razão que é reforçada pela fé: «firmemente persuadida de que não existe o mal no mundo fora do desígnio divino, construo a minha fé sobre a perfeição de Deus». É a religião da Razão.