Ulisses nasceu numa ilha situada no Adriático, diante da costa noroeste da Grécia. A ilha chama-se Ítaca, e eleva-se, escarpada, montanhosa e árida, no meio do mar. O seu pai era Laertes e a sua mãe Anticleia. Os textos não nos falam da sua infância, mas sabe-se que, durante a sua juventude, fez várias viagens ao continente.
Passada a adolescência recebe do velho Laertes o trono de Ítaca. Na sua qualidade de rei quis casar-se . Pensou em obter a mão de Helena, a futura mulher de Menelau e causa da guerra de Tróia, mas Helena era muito bonita e não faltavam pretendentes. Começou então a imaginar outros planos. Aconselhou Tíndaro, o pai de Helena, a exigir dos pretendentes que aceitassem a escolha, qualquer que ela fosse, do futuro esposo, e ajudassem a manter unido o casal.
A guerra de Tróia durará dez anos e dizimará, com pesadas baixas, ambas as partes: os gregos e os troianos. Ulisses tanto será um guerreiro como desempenhará missão delicada do diplomata. Será Ulisses que será enviado por Agamémnon a convencer Aquiles a tomar parte na luta, quando este, ofendido pela atitude do chefe de todos os gregos, que lhe roubara Briseida, se decidira a não combater ao lado dos seus compatriotas. Será também Ulisses que comandará o grupo de guerreiros que, escondido no ventre bojudo de um gigantesco cavalo de madeira, penetrará na cidadela de Príamo. Destruída esta, e acabada a razão de ser da guerra, Ulisses tem a mesma vontade que todos os restantes chefes gregos: regressar à sua terra natal.
Depois de algumas dificuldades, consegue finalmente fazer-se ao mar, onde vai começar a grande série de aventuras em que, sem querer, se verá envolvido.
Já vivera algumas peripécias aventurosas quando chega a uma ilha arborizada e fértil, onde se viam cabras selvagens a pastar. Aportou a terra, encalhou todas as embarcações, menos uma com a qual foi explorar a costa de uma ilha que se postava à sua frente. Viviam nesta os cruéis e monstros Ciclopes, assim chamados por terem, na testa, um único olho redondo. Estes monstros canibais que outrora tinham sido ferreiros dos deuses, dedicavam-se agora à pastorícia de enormes rebanhos. Depois de algumas marchas de reconhecimento, Ulisses, sem o saber, entrou numa enorme caverna, onde vivia Polifemo, o Ciclope. Aí se instalaram os gregos, que acenderam um forte fogo, e nele assaram alguns cordeiros que encontraram na caverna. Ao petisco juntaram o queijo que também tinham encontrado na caverna e começaram o festim. Já pela tarde, entrou Polifemo com o seu rebanho e pôs na entrada uma enorme pedra de proporções gigantescas, que só a sua força ciclópica podia erguer. Sem ter visto os estrangeiros, começou a ordenhar as ovelhas até ao momento em que se lhe depararam Ulisses e os companheiros . Espantado, perguntou o monstro o que faziam e donde vinham, ao que Ulisses respondeu com um pequeno discurso de apresentação, sem dizer, contudo, o principal. A resposta de Polifemo foi agarrar dois dos marinheiros pelos pés, levantá-los ao ar, batê-los contra a parede e devorá-los ainda palpitantes.
Depois de jantar, Polifemo deitou-se a dormir. Ulisses, por seu lado, bem queria tirar a desforra do Ciclope, mas não se atrevia a matá-lo, porque só este seria capaz de levantar a pedra que fechava a entrada. Veio a manhã, Polifemo levantou-se e comeu mais dois marinheiros gregos ao pequeno almoço. Saiu finalmente com o rebanho, depois de, cuidadosamente, ter fechado a caverna. Mas esta tinha sido fechada, já Ulisses pensava na maneira de se livrar de Polifemo. Preparou então um tronco verde de oliveira, cuja ponta endureceu ao lume. Com ele pensava Ulisses cegar o monstro. Ao chegar a noite, voltou Polifemo que comeu logo mais dois dos gregos. Ulisses então ofereceu-lhe uma tijela de vinho, daquele mesmo vinho que Máron lhe tinha dado em Ísmaro dos Cícones.O gigante bebeu, gostou e pediu mais, até que, desconhecendo totalmente os perigos daquela bebida, caiu num sono profundo. Mas antes de adormecer e encantado com o vinho perguntou a Ulisses como se chamava. Respondeu-lhe Ulisses: « O meu nome é Ninguém». Polifemo diz-lhe então, como que prometendo um favor:«Pois bem, Ninguém, meu amigo, serás tu o último a ser comido.»
Logo que o Ciclope adormecer, Ulisses e os companheiros que restavam pegaram no tronco já preparado e puderam a sua ponta ao lume da lareira, de modo a que ficasse incandescente. Quando a ponta já brilhava na escuridão da caverna, aproximaram-se do gigante e meteram-lhe a terrível arma no único olho da testa. Polifemo, ao sentir-se cego e, sobretudo, ao sentir a dor cruciante, deu um tal grito que fez acorrer, dos vales vizinhos, os ciclopes que ali viviam. Mas quando estes, chegando à porta da caverna, lhe perguntaram o que se passava, Polifemo respondia-lhes que «a culpa era de Ninguém». Assim os ciclopes, pensando que Polifemo estava doente e delirante, retiraram-se.
Polifemo, todavia, dirige-se tacteando para a porta e retirou a pedra, pois esperava que Ulisses, contente com a fácil vitória, tentasse agora fugir e lhe viesse cair às mãos. Mas Ulisses, ardiloso, sabia esperar: atou os companheiros aos ventres das grandes ovelhas do gigante e ele próprio prendeu-se, como pôde, ao ventre de um enorme carneiro. Já vinha a manhã e Polifemo, cansado de esperar pelos estrangeiros, que não vinham, levou o rebanho a pastar e com ele os marinheiros e Ulisses. Assim que este conseguiu desprender os companheiros, todos fugiram para o navio que estava encalhado na praia, e partiram, remando vigorosamente. Ulisses, ao ver que o perigo estava lá ao longe, lançou uma grande gargalhada, gritando a Polifemo que ele tinha tido junto de si não o «Ninguém», mas «Ulisses de Ítaca». O monstro, em resposta, lançou pelo ar uma pedra de proporções ciclópicas, que por pouco não afundou o navio de Ulisses, e pediu, ao mesmo tempo, a seu pai, Posídon, o deus do mar, que castigasse Ulisses. Posídon ouviu a prece do filho e tudo fará para perder o herói.
Ulisses, agora, irá buscar o resto da sua frota à ilha vizinha. Por fim, põe-se Ulisses ao mar novamente e a vingança de Posídon não se fez esperar. Depois de ter aportado à ilha de Eolo, guardador dos ventos, e depois de ter sido bem recebido por este, vai Ulisses a caminho da Ítaca. Eolo tinha-lhe dado, como presente, um odre cheio de ventos, dos quais Ulisses faria uso quando quisesse. Já se viam os telhados de Ítaca e o fumo das chaminés, quando Ulisses caiu exausto de sono e de fadiga. Um dos companheiros abriu então o odre, julgando encontrar nele o vinho. Soltam-se os ventos e logo terrível tempestade vem assolar a região de Ítaca e lançar para muito longe o barco de Ulisses. Depois de várias peripécias, chega Ulisses, perseguido pela ira de Posídon, ao reino dos Lestrigões na Sicília, ou, segundo outros, em Fórmias, no Sul de Itália. Não sabendo a que terra tinha chegado, mandou Ulisses encalhar as embarcações sobre a praia e enviou ao interior, em reconhecimento, alguns homens. Quando os Lestrigões, porém, os viram, vieram em hordas sobre as falésias onde os barcos de Ulisses estavam encalhados e do alto delas destruíam os navios com grandes pedras. Depois, desceram à praia e massacraram as tripulações, que devoraram. Só Ulisses logrou escapar com alguns camaradas e um só barco, após ter cortado a amarra com a sua espada.
Mais alguns dias de mar e eis que chegou Ulisses à ilha da Aurora, governada por Circe, a feiticeira. Era esta experimentada em todo o género de encanto e desconfiada, por natureza, do género humano. Transformou em porcos os 22 homens de Ulisses e foi preciso que este se munisse de um amuleto do deus Hermes para obrigar Circe a restituir aos companheiros a forma humana. Entretanto, apaixonou-se este por Ulisses, que não resistiu à sua beleza e vivei com ela alguns anos, até que, fatigado de estar na mesma ilha, pediu à própria feiticeira que o deixasse fugir. Consentiu esta na vontade de Ulisses, mas primeiramente exigiu dele a promessa de ir ao inferno. Para aí se dirigiu, pois o herói, seguindo, conforme indicou a feiticeira, o vento norte e as correntes do oceano até chegar à entrada do Aqueronte, que é o rio principal do Hades, do inferno. Depois de alguns sacrifícios aos deuses, entrou Ulisses no próprio Hades e percorreu o reino das sombras, no meio das quais encontrou velhos companheiros que tinham morrido na guerra, como Aquiles, e outros que tinham sido assassinados no regresso à pátria, como Agamémnon. Cumprida esta missão, voltou Ulisses à ilha de Circe e daí partiu novamente , depois de ter ouvido os conselhos da deusa, que o pôs de sobreaviso quanto às Sereias, por cuja ilha ele iria passar. Deste modo, quando Ulisses se fez ao mar e sentiu que se aproximava da ilha das Sereias, não se esqueceu das recomendações de Circe. Efectivamente, as Sereias, seres híbridos, formados de busto de mulher e corpo de peixe, cantavam de tal modo que fascinavam os mareantes, que, esquecendo tudo, iam em sua busca, acabando por se precipitar nos escolhos que se erguiam na costa daquela ilha. Por isso, Ulisses, quando as entendeu, ao longe, mandou que os seus homens tapassem os ouvidos com cera e que o prendessem ao mastro do navio de modo a que, no meio do encantamento, não levasse o barco contra os escolhos. Assim escapou Ulisses do cantar das Sereias e seguidamente escapará também dos dois monstros do estreito de Messina, Cila e Caríbdis.
Após ter abordado à Sicília, e devido a um sacrilégio, destrói-lhe Zeus o navio e a tripulação. Ulisses a custo chega à ilha Ogígia, onde viverá sete anos, acompanhado pela ninfa Calipso, a cujos encantos só logrará escapar quando Zeus, o pai dos deuses, lhe permita que construa uma jangada e se ponha, outra vez, a caminho de Ítaca.
Mas Posídon sabia tudo o que se passava no mar, e também soube que Ulisses se metera novamente a caminho. Encolerizado com tanta audácia, levantou uma tal tempestade que Ulisses andou dias e noites balançando pelas vagas, perdeu a jangada, e fo lançado, completamente exausto, e já sem quaisquer meios, à praia da ilha dos Feaces.
Estava Ulisses dormindo profundamente, quando se aproximam doze raparigas, que acompanhavam Nausícaa, a filha do rei Alcínoo, senhor da ilha. Tinham acabado de lavar a roupa, num ribeiro próximo, e agora divertiam-se a jogar à bola. Nausícaa, porém, afastou-se das companheiras e, ao chegar à praia, encontrou Ulisses, que acordou sobressaltado e nu. Cobriu-se com um ramo denso de oliveira, e, vendo que a jovem o tratava como amigo, seguiu-a em direcção do palácio real. Aí o receberam Alcínoo e Arete, sua mulher, que deram um festim em sua honra. Ulisses, perante tão grande generosidade, deu-se a conhecer e contou grande parte das suas aventuras.Bem teriam querido os reis casar Nausícaa com Ulisses, mas este declinou a oferta, pedindo tão-somente que lhe dessem um navio que o transportasse a Ítaca. Foi-lhe concedido o navio e Ulisses chegou finalmente à ilha, que ficava perto. Contudo, já tantos anos tinham passado que Ulisses nem sequer conhecia a ilha onde tinha chegado. De facto, depois de tanto tempo, todos os habitantes de Ítaca, súbditos de Ulisses, o julgavam morto. Todos menos Penélope e Telémaco, que ainda tinham alguma esperança.
Na verdade, muitos acontecimentos se tinham dado na ausência de Ulisses. Como este fosse julgado morto, muitos jovens príncipes, insolentes e brutais, apresentaram-se no palácio real, como pretendentes à mão de Penélope e, bem entendido, ao trono da ilha. Entretanto, esvaziavam os celeiros e dizimavam os gados, passando o tempo de espera em contínuos banquetes. E isto porque Penélope os obrigava a esperar, prometendo que no dia em que terminasse a mortalha para Laertes ( que ainda vivia), nesse mesmo dia, se faria a boda com o pretendente escolhido. Mas, com um ardil de mulher, a parte da mortalha que tecia durante o dia, desfazia de noite. E assim se manteve durante três anos. Nesta altura, porém, já os pretendentes estavam a perder paciência e tinham decidido matar Telémaco, quando este voltasse de Esparta, aonde tinha ido saber notícias de Ulisses.
Eis o ambiente que Ulisses sentiu, quando, depois de desembarcar, se dirigiu a casa do seu antigo porqueiro Eumeu. Sem se dar a conhecer, mas contando histórias ligadas a Ulisses, o herói ouviu de Eumeu tudo o que se passava. Entretanto, chegou Telémaco à casa do porqueiro, depois de ter conseguido escapar à morte preparada pelos pretendentes. Telémaco, todavia, não conheceu o homem que estava diante dele. Como poderia conhecer ele o pai, que, ainda Telémaco criança, partiu para Tróia e nunca mais voltara? É Ulisses que finalmente se dá a conhecer ao filho, nada dizendo, contudo, a Eumeu. Telémaco põe o pai ao corrente do perigo que os ameaçava e Ulisses decide partir imediatamente para o palácio, disfarçado de mendigo. Ao chegar ao palácio real, o primeiro ser que encontra é o seu velho cão Argos, que imediatamente o reconhece e logo morre de velhice e emoção. A fidelidade do cão comove-o, mas Ulisses tem muito a fazer e com Eumeu penetra no palácio, ou, mais precisamente, na sala de banquete, onde Telémaco, fingindo não o conhecer, recebe o pai, que está envolto de andrajos de mendigo. Todos os pretendentes estavam reunidos na sala e logo um deles o mais poderoso, Alcínoo de Ítaca, trata mal o mendigo que Telémaco recebera. Ulisses não se mostra ofendido, mas Penélope, sabendo do caso, manda chamar aquele que pensa ser um simples mendigo. Este, porém, faz os preparativos para aniquilar os pretendentes e manda Telémaco que retire todas as armas que estão penduradas na sala. Só então se dirige aos aposentos de Penélope, que, naturalmente, o não reconhecera ,muito embora o heróis lhe conte que Ulisses em breve voltará. É Euricleia, a ama de Ulisses, que o reconhece quando, ao lavar-lhe os pés, vê a cicatriz que outrora Ulisses tinha feito na caça ao javali. Mas Ulisses não a deixa comunicar o reconhecimento.
No dia seguinte, dá Penélope um grande banquete, durante o qual prometera decidir qual dos pretendentes escolherá para marido. Escolhido só poderá ser oque for capaz de dobrar o arco de Ulisses e meter uma seta entre doze anéis formados pelos orifícios de doze machados alinhados a seguir. Quando chega o momento nenhum dos pretendentes consegue dobrar o formidável arco de Ulisses, até que este, apoderando-se da arma, envia a seta por entre os doze anéis. Há grande espanto e grande fúria entre os pretendentes, mas, quando, Ulisses se vê em perigo, começa por matar Alcínoo, que para ele avançava. E assim Mata, auxiliado por Telémaco, todos os pretendentes, que, sem armas, foram completamente aniquilados. Agora já se pode dar a conhecer a Penélope, à qual, para maior segurança, faz minuciosa descrição do leito nupcial, que por ele mesmo fora mandado construir. No dia seguinte vai visitar Laertes, seu pai, que vivia no campo. Mas entretanto rebenta uma revolução contra Ulisses acusado de ter morto os mais importantes chefes de Ítaca. Atena, a deusa protectora de Ulisses, tomará parte dos acontecimentos e acalmará a multidão, disfarçada na figura de Mentor. Desta maneira tem Ulisses de novo o trono de Ítaca e a paz reinará para governar a ilha.
Quanto ao fim de Ulisses, muitas são as versões e uma delas até dizia que o herói teria sido morto pelo filho que tivera de Circe, num combate havido na própria Ítaca. Porém, Homero, nada nos diz.
Com símbolo grego Ulisses representa o homem hábil nas ocasiões difíceis e adaptável às mais variadas circunstâncias. Simboliza o homem que, perante um destino, nunca desanima, e tudo faz para vencer as dificuldades e que, perante o perigo mais grave, nunca volta a cara.