A bicicleta é subversiva! Quem diria?...
(tradução livre do texto  sob o título” Vicissitudes das bicicletas” de Fernando Buen Abad Dominguéz e editado em  www.barriocarmen.net)
Apesar de marginalizadas pela cultura do automóvel, as bicicletas não desistem de se afirmarem  nas sociedades ocidentais contemporâneas. É certo que não poucas vezes desempenham  a função de simples brinquedo, há muito tempo guardado no mundo dos sonhos infantis,  que é oferecido como prenda  no  Natal,  por ocasião de outras festas…ou então, como simples artefacto desportivo capaz das maiores façanhas olímpicas ou de simples e relaxantes passeios matinais.
Espantosamente  acabam sempre por ficar estacionadas  nos mais estranhos lugares, talvez como recordação de uma certa culpa por uma vida e uma ginástica perdida. Mas a verdade é que a bicicleta contém todo um outro potencial nas específicas circunstâncias das nossas cidades em termos de distância, clima e educação. Na realidade, nas condições económicas, políticas e culturais  que as sucessivas  crises nos lançaram, assim como por imperativos de ordem ecológica, urbanística e de saúde pública, a bicicleta bem pode  ser a resposta e solução para um sem número de problemas relacionados com os transportes. 
 Na balança das vantagens e inconvenientes das bicicletas move-se naturalmente toda a força de inércia que prende as pessoas anónimas a determinadas variáveis difíceis de se alterar. Mas não é menos verdade que na balança movem-se poderosíssimas inércias artificiais engendradas por projectos económico-ideológicos empenhados a impedir o desenvolvimento da mais barata solução do problema económico e social que é o transporte. Com efeito, o custo e as vantagens da bicicleta deixam os outros tipos de veículos a milhas de distância. O que a torna perigosa e subversiva.
 Enquanto as grandes empresas de automóveis  se embriagam com records de vendas dos seus veículos, e os políticos  mancomunados com os empreiteiros  se afadigam a esventrar as terras   construindo  auto-estradas, estradas principais e  secundárias, a bicicleta aguarda a sua vez para pôr em cheque uma estrutura económica e social em vias de se desmoronar.
O maior desafio da bicicleta não é no entanto, só de carácter técnico ou económico. Ela enfrenta ainda o poderoso fetiche  publicitário que converteu o automóvel em símbolo do  status social, isto é, da  condição social do seu proprietário ou usuário. Enfrenta pois o poder ideológico de um sinal de classe.
Por mais esforços que se façam a ideia da democratização do transporte automóvel  e do desenvolvimento do transporte público têm minado o potencial da bicicleta, sem negar evidentemente as vantagens de um e do outro.
É bom que se note, porém,  desde que  Blanchard  e Masurier  idealizaram a sua Celerífiro  em 1779, antecedente da bicicleta moderna,  mais os  contributos de Macmillan em 1839, até às bicicletas de carbono ultraligeiras para funções com alto rendimento, passando pelos tandem, side cars, triciclos, etc,etc, a procura de sistemas de transporte com custos baixos e com maiores benefícios inquestionáveis para a saúde, nunca parou. Imagine-se até que, recentemente, alguém inventou com algum laivo surrealista, bicicletas fixas com um só roda para efeitos de ginástica pessoal e de beleza física.
Com as suas vantagens e benefícios a frágil  bicicleta questiona e interpela o urbanismo, a arquitectura, os programas políticos  e até, pasme-se, a moral. Não foram poucas as objecções moralistas quando as mulheres  pretenderam também andar de bicicleta Para os olhos dos conservadores da época era algo de obsceno  ver uma mulher montada num meio de locomoção,  desenvolvendo movimentos musculares a bordo de uma simples bicicleta.
 Virtualmente todo o espaço pode ser utilizado por uma bicicleta, sem necessidade de reservar vias  especiais para o seu uso.  Desgraçadamente não existe qualquer regulamentação ou legislação que favoreça o uso da bicicleta. E isto apesar das virtualidades socializadoras que a bicicleta pode encerrar entre os seus utilizadores. Com efeito, a bicicleta estimula o passeio, facilita a circulação e o acesso a zonas saturadas de tráfico automóvel, diminui radicalmente  os custos energéticos, os custos em estacionamentos e parkings, e elimina  toda a burocracia que gira em torno do todo-poderoso carro. No fundo, a bicicleta é perigosa.
Uma boa bicicleta envolve sempre, pelo menos, duas pessoas. Uma cultura da bicicleta mobilizaria a história. Com tracção humana.
 
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