«O dinheiro não dá felicidade» é um adágio, inventado certamente pelos ricos, que se tornou cada vez mais verdadeiro.
Nos estados Unidos, a acreditar numa sondagem Gallup, a riqueza média por habitante triplicou desde a última guerra passando de 15.000 para 35.000 dólares ( cerca de 11.500 a 26.700 euros) anuais, enquanto a proporção das pessoas «muito felizes» não pára de descer desde 1960.
Face a esta realidade os economistas não deixam de se preocupar. Entre eles está Daniel Kahneman, Prémio Nobel da Economia de 2002 que acaba de abrir um centro de investigação para compreender o que cada vez mais parece ser um sério revés para a a civilização capitalista, nas palavras do Financial Times desta semana.
Karl Max profetizara que o capitalismo destruir-se-ia por ele mesmo, minado por uma baixa tendencial da taxa de lucro. Era até irremediável o seu fim por efeito da substituição do trabalho pelo capital e uma mais-valia extraída a uma mão-de-obra cada vez mais reduzida.
A verdade é que, não obstante estes prognósticos, o capitalismo regista hoje mais do que nunca lucros records, dignos dos anos mais lucrativos do século XIX.
Porém, a experiência de vida de todos nós, ao olhar à nossa volta, leva-nos a uma nova profecia do declínio capitalista. Com efeito, a motivação no trabalho desce rapidamente a olhos vistos, e atinge um número crescente de categorias sociais. O que gera um paradoxo. É que enquanto o novo capitalismo cognitivo e high-tech sente a carência de maiores recursos humanos, o que se passa na realidade é justamente o contrário: os assalariados, os quadros superiores, a até os dirigentes sentem-se fatigados, e mostram-se críticos face à situação, pretendendo dedicar mais do seu tempo à «vida pessoal».
E, na verdade, o debate sobre o trabalho nos países desenvolvidos ainda mal começou. 62 assalariados norte-americanos, em cada cem, são de opinião que a sua carga horária de trabalho é pesada, enquanto 53 sobre cem declaram-se «muito fatigados».
Até o custo dos medicamentos e dos tratamentos anti-stress atingiu a soma de 300biliões de dólares anuais segundo o New York Times, ou seja, 3% do PIB.
No Japão o fenómeno do karoshi ( a morte por sobrecarga de actividade) tomou proporções alarmantes.
E na Inglaterra, o Ministério da Saúde calcula que o stress provoque um absentismo calculado em 13 milhões de dias, em cada ano.
E para completar o cenário começam a aparecer livros como o de Corinne Maier, investigadora na EDF francesa ( a correspondente à nossa EDP) com títulos que retratam bem esse mal-estar : ««Bom dia, preguiça. Da arte e da necessidade da fazer omens possível numa empresa( edição francesa da Michalon ).
zero de falhas, zero de stocks, externalização, emagrecimento permanente, responsabilização dos agentes, avaliação contínua das suas prestações: o management moderno provocou uma revolução nas relações de trabalho, desde os operadores das máquinas até aos criativos. As trajectórias profissionais são regidas pela sacrossanta mobilidade: Richard Sennet, sociólogo da Universidade de New York, estima que um jovem americano que entra hoje no mercado de trabalho terá que mudar 11 vezes de emprego ao longo da sua vida. O emprego foi repartido em vários contratos de trabalho a prazo e a tempo parcial. Antes, a condição do assalariado era a estabilidade, hoje tornou-se a insegurança, como bem nota Robert Castel no seu livro «L’Insécurité Sociale» ( edição francesa da Seuil)
E nem os quadros superiores escapam à tormenta. Todos os estudos revelam o ser enorme descontentamento. « Os quadros tinham um contrato de lealdade para com a a sua empresa, que lhes conferia prestígio.Mas isso acabou.», declara Gilles Alenxandre, director de estudos do Institut Entreprise et Personnel. E acrescenta: «Os mais novos não deixam de demonstrar apego e ardor, é certo, mas tudo isso não demora a esmorecer, e a converter-se até em desamor.»
Ora como pode o capitalismo resolver esta contradição entre a necessidade de implicação dos seus agentes e a crescente desmotivação que estes dão conta cada vez mais?
A reacção das empresas não deixa de ser lamentável. «Elas não procuram pessoal motivado, mas sim pessoal eficaz Procuram mais a satisfação do cliente que a do seu empregado.», prossegue Gilles Alexandre. E tentam superar essa falta de motivação através da «normalização» à americana das tarefas e dos resultados tal como aparecem nos sistemas informáticos. Restam as adesões locais e circunstanciais que emprestam alguma vida. Mas de uma maneira geral o assalariado sujeita-se pura e simplesmente aos constrangimentos e opta por um desinvestimento pessoal.
Aumentar os salários? É uma resposta possível. Os prémios sempre foram usados como a promissora cenoura que era entregue a quem dela fizesse merecimento. Acontece que duas evoluções retardaram ou modificaram este tipo de dispositivos. Por um lado, a exigência de alto rendimento empresarial ( 15%) na época do capitalismo financeiro desequilibrou a partilha tradicional entre salário-lucro a favor deste último. Por outro lado, a chegada de novos mercados como a China e a Índia promete endurecer a concorrência que se traduzirá por um novo apertar do cinto pelas próprias empresas.
Reinventar um compromisso entre a mobilidade económica e a protecção social constitui para Robert Castel o novo desafio. Pensar no regresso à estabilidade dos modos de trabalho do «fordismo» de ontem releva de algum lirismo. Tornar o Estado social mais flexível e activo seria condená-lo. Resta, assim, reconfigurar os sistemas sociais de modo a que cada qual possa estar em condições de enfrentar a necessidade da mobilidade.
(adaptação de um texto de Eric Le Boucher, publicado no Le Monde de 16/01/2005)