Mais Papel Para a Fogueira
Podemos falar e escrever sobre a morte que emana da crise nas receitas da economia, nos lucros dos patrões, nos bancos e no consumo mas nada se compara à vida que resiste nas manifestações de rua, que entra pelas ocupações de edifícios abandonados, que se desbloqueia nas greves das fábricas e nos portos, que se planta nas hortas urbanas e que se incendeia nas fogueiras em S.Bento. É aqui que nasce também um jornal de informação crítica para ler, partilhar, oferecer ou largar nos transportes públicos, nas escolas, nas feiras, nas manifestações, na cidade ou no campo. Um projecto de comunicação que nasce em tempos de crisehttp://www.jornalcritico.info/
Editorial do jornal MAPA nº1
Um MAPA deve estar sempre à
mão
Partir de um ponto para chegar a outro. Parar. Continuar
caminho para outro ponto e partir novamente para chegar a outro ponto. Na vida,
como nas viagens, é o que liga as coisas que nos faz continuar o movimento. Os
mapas podem-se desenhar assim: descobrindo linhas e percursos, fazendo ligações
entre pontos, ultrapassando os limites do papel, marcando notas e referências,
fazendo ligações e transmitindo informações. Em suma, comunicando. O que faz a
cartografia interessante é a possibilidade de mapear coisas que estão para lá
da geografia e do território e, por isso, quando se desenha um mapa, esperamos
encontrar outro mapa e outro mapa e…
Observar o terreno
A
democracia em Portugal deixou cair a sua aparência de estabilidade, liberdade e
direitos garantidos à medida que uma crise de natureza económica e social ganha
terreno no nosso dia-a-dia. A esperança que possa ser trazida pelas acções que
muitos têm tomado ao ar livre para a confrontar não nos deve desviar olhar dos
sinais quotidianos. Que continuam a ser a austeridade e a força musculada de um
Estado, de um governo e de uma organização social que partem, sem qualquer tipo
de reticência, para a aprovação de leis mais rígidas, cortes salariais e
despedimentos, aumentando o preço de tudo o que puder e colocando polícias
armados até aos dentes em cada esquina. Sinais de que a sociedade falhou na sua
capacidade de se manter de pé e continuar a prometer a paz, o pão, a saúde,
habitação e a educação. Se existia, ainda, uma crença na capacidade dos
políticos de todas as cores e dos parceiros sociais em solucionar os nossos
problemas mais concretos, esta começa a ser seriamente posta em causa, uma vez
que é difícil confiar em quem nos oferece miséria. As longas explicações de
técnicos e políticos em conferências de imprensa e os números por estes
vomitados em relatórios forjados não lhes dão mais legitimidade. Parece até que
estão a gozar, a fazer troça e que isso lhes dá um certo prazer.
Só
quando percebemos que as medidas e transformações a que assistimos não são
apenas de natureza económica nem apenas por causa da crise é que percebemos que
é o modelo económico, social e cultural a que chamamos capitalismo que se está
a transformar e a renovar para que se possa manter durante muito mais tempo. De
facto, não é só a fruta que fica mais cara mas também o seu sabor que fica menos
apurado, não é só o trabalho que escasseia mas aquele que ainda está disponível
mais se parece com escravatura, não é apenas o preço do combustível que aumenta
a cada dia mas é também o petróleo que escasseia nas reservas geológicas. O
grande processo de auto-cura que a sociedade, em Portugal e no mundo, parece
estar a atravessar vai resultar numa outra coisa. Vai dar lugar a uma sociedade
que, funcionando de uma forma muito mais eficiente, lucra da mesma maneira com
a nossa necessidade de comer e respirar. É, portanto, esse o modelo que
desenvolve «novas dinâmicas» de mercado para vender o que resta da pouca fruta
de baixa qualidade, que encontra formas mais democráticas de se ser escravo e
vai gerir, a partir de avançados modelos, os recursos que ainda se encontram
disponíveis.
É o
desenvolvimento da nossa capacidade de duvidar e agir que pode abrir
possibilidades para desafiar o controlo que o Estado, os bancos ou as grandes
empresas têm sobre o nosso pão, a nossa saúde, a nossa habitação, a nossa educação
e a nossa informação. São as acções que tomamos que podem fazer com que o ar
que respiramos e a comida que comemos não sejam coisas para vender. Mas existem
várias formas para essas acções e resistir e confrontar a violência do
capitalismo é tão importante como inventar formas de nos libertarmos dele.
É por
isso que bloquear os acessos a uma fábrica durante uma greve por mais salários
é tão importante como colher vegetais de hortas comunitárias. É por isso que a
mensagem contida num incêndio de um pórtico de autoestrada num contexto de luta
contra as SCUT é tão importante como a ocupação de uma escola abandonada num
Bairro. E é por tudo isso que comunicar é tão importante.
Olhar para o papel
Se
existem , em Portugal, quase 3000 publicações periódicas porquê colocar mais um
jornal em circulação? A resposta está contida não na quantidade mas no tipo e
na qualidade dos jornais de massas e canais de informação que se avistam no
terreno. O seu principal objectivo não é a informação ou a educação mas sim a criação
de uma cultura de medo e a fabricação de opiniões.
O processo é simples na descrição, complexo nas consequências. A partir da divulgação de notícias e informações espectaculares, exageradas e, em muitos casos, a divulgação de mentiras, os vários meios de informação desejam criar o medo de certos sujeitos (grupos sociais, fenómenos e pessoas). Num primeiro momento, abrem o caminho para que deixemos de pensar e passemos a ter todos a mesma opinião, a mesma visão sobre os mesmos assuntos e, inevitavelmente, cheguemos às mesmas conclusões. Noutras alturas, a divulgação de notícias e informações cumpre um objectivo determinado, ou seja, está subordinada aos interesses políticos e económicos do canal informativo ou do jornal onde é publicada. Bastaria, para tanto, notar que os grandes jornais, televisões e agências de noticias não só pertencem a grandes e conhecidos grupos económicos como são a expressão dos partidos políticos das suas áreas de influência, de juízes e polícias. Descrever esta dinâmica é impossível no espaço de duas páginas mas necessário ao longo do mapa. É mais importante ter consciência de que o pensamento livre e crítico, natural dos seres humanos, parece ser um tremendo inimigo das agências de notícias, dos jornais sensacionalistas, dos panfletos publicitários e dos grandes opinion makers da nossa praça.
O processo é simples na descrição, complexo nas consequências. A partir da divulgação de notícias e informações espectaculares, exageradas e, em muitos casos, a divulgação de mentiras, os vários meios de informação desejam criar o medo de certos sujeitos (grupos sociais, fenómenos e pessoas). Num primeiro momento, abrem o caminho para que deixemos de pensar e passemos a ter todos a mesma opinião, a mesma visão sobre os mesmos assuntos e, inevitavelmente, cheguemos às mesmas conclusões. Noutras alturas, a divulgação de notícias e informações cumpre um objectivo determinado, ou seja, está subordinada aos interesses políticos e económicos do canal informativo ou do jornal onde é publicada. Bastaria, para tanto, notar que os grandes jornais, televisões e agências de noticias não só pertencem a grandes e conhecidos grupos económicos como são a expressão dos partidos políticos das suas áreas de influência, de juízes e polícias. Descrever esta dinâmica é impossível no espaço de duas páginas mas necessário ao longo do mapa. É mais importante ter consciência de que o pensamento livre e crítico, natural dos seres humanos, parece ser um tremendo inimigo das agências de notícias, dos jornais sensacionalistas, dos panfletos publicitários e dos grandes opinion makers da nossa praça.
Marcar pontos e traçar linhas
As 16
páginas que aqui estão foram pensadas enquanto projecto de comunicação. Sob a
forma de jornal, publicam-se e difundem-se notícias, reportagens, entrevistas,
análises, fotografias e ilustrações que sejam um contributo para ultrapassar o
tal sistema económico e social baseado no dinheiro, no poder, na dominação e na
exploração. Em suma, tratam-se elementos para a acção e o pensamento crítico.
Para
isso, pratica-se a denuncia nas suas páginas. A partir do desenvolvimento de um
espaço de informação que contenha as notícias da actualidade local escondida,
os episódios perdidos, as versões censuradas e as correspondências não
publicadas põem-se a nu os crimes e as contradições da actualidade.
Essas
contradições estão contidas nas ocupações e nos incêndios referidos em cima mas
também em inúmeras outras situações, lutas e projectos. Estão nas assembleias
populares, no bloqueio dos portos pelos trabalhadores da estiva, nas denúncias
que reclusos fazem contra o sistema prisional e nos insultos que recebem os
políticos onde quer que tenham a vergonha de aparecer. Também aqui precisamos
de um mapa.
Para
além disso trata-se de traçar linhas, fazer ligações e apontar o que há de
comum entre pontos aparentemente desconexos. A possibilidade de comunicação
parece surgir de um balancear entre o que potenciamos e o que denunciamos.
Assim,
um MAPA pode ser muita coisa: uma ferramenta, um meio de informação, um
projecto de comunicação e, finalmente, um jornal.
Desenhar mapas
Este é
o número inaugural. É, em muitos aspectos, experimental e tem como objectivo
dar-se a conhecer para extrair dos seus leitores reacções e comentários que se
transformem em combustível para a viajem que queremos fazer ao longo do MAPA.
O jornalismo que queremos praticar não é uma tarefa de profissionais e as fontes que consideramos são várias e diversas. Dos blogues locais às redes sociais, das entrevistas a desconhecidos na rua às declarações «sacadas» da Internet, das investigações no terreno às conversas com «especialistas» tudo são possibilidades para a informação crítica. Todos somos jornalistas quando escrevemos sobre uma situação no nosso bairro, fotografamos a nossa rua ou informamos sobre uma luta a ter lugar na nossa cidade.
O jornalismo que queremos praticar não é uma tarefa de profissionais e as fontes que consideramos são várias e diversas. Dos blogues locais às redes sociais, das entrevistas a desconhecidos na rua às declarações «sacadas» da Internet, das investigações no terreno às conversas com «especialistas» tudo são possibilidades para a informação crítica. Todos somos jornalistas quando escrevemos sobre uma situação no nosso bairro, fotografamos a nossa rua ou informamos sobre uma luta a ter lugar na nossa cidade.
Para
além disto, a experiência diz-nos que a comunicação admite formas que
ultrapassam a palavra, o texto, a imagem e o próprio meio em que a
desenvolvemos. A comunicação surge em vários formatos e é impossível abranger
ou sequer pensar que se consegue abranger a comunicação no seu todo. Uma
mensagem escrita numa parede pode conter mais informação importante que um
artigo publicado num jornal. Um rol de acontecimentos a terem lugar a uma
rapidez cada vez maior fazem da prática jornalística e da actividade
informativa um desafio. Da mesma forma, uma complexa rede de relações na
sociedade leva-nos a não assumir, nem a isso nos propormos, o relato e
cobertura total dos assuntos que abordamos. Teremos, sem dúvida, uma visão, uma
interpretação e uma forma de olhar, mas não teremos, de forma alguma, a
verdade. A nossa única verdade é a preferência que temos pelos gritos na rua em
detrimento das palavras dos gabinetes, as rádios e os jornais locais em vez dos
canais centrais da informação, as letras das músicas em vez dos pareceres dos
analistas e a escrita a partir do terreno em vez de ficar só a olhar.
Para
além disto o MAPA sai para as ruas em papel e estamos conscientes dos limites,
mas também das possibilidades, de um jornal impresso em Portugal, no séc XXI.
Possui tempo médio de vida e prazo de validade, pode vir rasgado ou sem cor mas
pode ser lido em qualquer lado. É, aliás, por isso que é em papel antes de ser
uma página na Internet. Para ser lido no autocarro e no café, na biblioteca e
na sala de espera, para ser levado para a rua e partilhado entre todos. Bem
enrolado pode servir de megafone, bem dobrado podem-se fazer aviões com as suas
páginas para chegar a outras latitudes mas, em todos os casos, um MAPA deve
estar sempre à mão.