6.1.13

Mapa, jornal de informação crítica - saiu já o nº1


Mais Papel Para a Fogueira

Podemos falar e escrever sobre a morte que emana da crise nas receitas da economia, nos lucros dos patrões, nos bancos e no consumo mas nada se compara à vida que resiste nas manifestações de rua, que entra pelas ocupações de edifícios abandonados, que se desbloqueia nas greves das fábricas e nos portos, que se planta nas hortas urbanas e que se incendeia nas fogueiras em S.Bento. É aqui que nasce também um jornal de informação crítica para ler, partilhar, oferecer ou largar nos transportes públicos, nas escolas, nas feiras, nas manifestações, na cidade ou no campo. Um projecto de comunicação que nasce em tempos de crise

http://www.jornalcritico.info/
 


Editorial do jornal MAPA nº1
Um MAPA deve estar sempre à mão
Partir de um ponto para chegar a outro. Parar. Continuar caminho para outro ponto e partir novamente para chegar a outro ponto. Na vida, como nas viagens, é o que liga as coisas que nos faz continuar o movimento. Os mapas podem-se desenhar assim: descobrindo linhas e percursos, fazendo ligações entre pontos, ultrapassando os limites do papel, marcando notas e referências, fazendo ligações e transmitindo informações. Em suma, comunicando. O que faz a cartografia interessante é a possibilidade de mapear coisas que estão para lá da geografia e do território e, por isso, quando se desenha um mapa, esperamos encontrar outro mapa e outro mapa e…
Observar o terreno
A democracia em Portugal deixou cair a sua aparência de estabilidade, liberdade e direitos garantidos à medida que uma crise de natureza económica e social ganha terreno no nosso dia-a-dia. A esperança que possa ser trazida pelas acções que muitos têm tomado ao ar livre para a confrontar não nos deve desviar olhar dos sinais quotidianos. Que continuam a ser a austeridade e a força musculada de um Estado, de um governo e de uma organização social que partem, sem qualquer tipo de reticência, para a aprovação de leis mais rígidas, cortes salariais e despedimentos, aumentando o preço de tudo o que puder e colocando polícias armados até aos dentes em cada esquina. Sinais de que a sociedade falhou na sua capacidade de se manter de pé e continuar a prometer a paz, o pão, a saúde, habitação e a educação. Se existia, ainda, uma crença na capacidade dos políticos de todas as cores e dos parceiros sociais em solucionar os nossos problemas mais concretos, esta começa a ser seriamente posta em causa, uma vez que é difícil confiar em quem nos oferece miséria. As longas explicações de técnicos e políticos em conferências de imprensa e os números por estes vomitados em relatórios forjados não lhes dão mais legitimidade. Parece até que estão a gozar, a fazer troça e que isso lhes dá um certo prazer.
Só quando percebemos que as medidas e transformações a que assistimos não são apenas de natureza económica nem apenas por causa da crise é que percebemos que é o modelo económico, social e cultural a que chamamos capitalismo que se está a transformar e a renovar para que se possa manter durante muito mais tempo. De facto, não é só a fruta que fica mais cara mas também o seu sabor que fica menos apurado, não é só o trabalho que escasseia mas aquele que ainda está disponível mais se parece com escravatura, não é apenas o preço do combustível que aumenta a cada dia mas é também o petróleo que escasseia nas reservas geológicas. O grande processo de auto-cura que a sociedade, em Portugal e no mundo, parece estar a atravessar vai resultar numa outra coisa. Vai dar lugar a uma sociedade que, funcionando de uma forma muito mais eficiente, lucra da mesma maneira com a nossa necessidade de comer e respirar. É, portanto, esse o modelo que desenvolve «novas dinâmicas» de mercado para vender o que resta da pouca fruta de baixa qualidade, que encontra formas mais democráticas de se ser escravo e vai gerir, a partir de avançados modelos, os recursos que ainda se encontram disponíveis.
É o desenvolvimento da nossa capacidade de duvidar e agir que pode abrir possibilidades para desafiar o controlo que o Estado, os bancos ou as grandes empresas têm sobre o nosso pão, a nossa saúde, a nossa habitação, a nossa educação e a nossa informação. São as acções que tomamos que podem fazer com que o ar que respiramos e a comida que comemos não sejam coisas para vender. Mas existem várias formas para essas acções e resistir e confrontar a violência do capitalismo é tão importante como inventar formas de nos libertarmos dele.
É por isso que bloquear os acessos a uma fábrica durante uma greve por mais salários é tão importante como colher vegetais de hortas comunitárias. É por isso que a mensagem contida num incêndio de um pórtico de autoestrada num contexto de luta contra as SCUT é tão importante como a ocupação de uma escola abandonada num Bairro. E é por tudo isso que comunicar é tão importante.
Olhar para o papel
Se existem , em Portugal, quase 3000 publicações periódicas porquê colocar mais um jornal em circulação? A resposta está contida não na quantidade mas no tipo e na qualidade dos jornais de massas e canais de informação que se avistam no terreno. O seu principal objectivo não é a informação ou a educação mas sim a criação de uma cultura de medo e a fabricação de opiniões.
O processo é simples na descrição, complexo nas consequências. A partir da divulgação de notícias e informações espectaculares, exageradas e, em muitos casos, a divulgação de mentiras, os vários meios de informação desejam criar o medo de certos sujeitos (grupos sociais, fenómenos e pessoas). Num primeiro momento, abrem o caminho para que deixemos de pensar e passemos a ter todos a mesma opinião, a mesma visão sobre os mesmos assuntos e, inevitavelmente, cheguemos às mesmas conclusões. Noutras alturas, a divulgação de notícias e informações cumpre um objectivo determinado, ou seja, está subordinada aos interesses políticos e económicos do canal informativo ou do jornal onde é publicada. Bastaria, para tanto, notar que os grandes jornais, televisões e agências de noticias não só pertencem a grandes e conhecidos grupos económicos como são a expressão dos partidos políticos das suas áreas de influência, de juízes e polícias. Descrever esta dinâmica é impossível no espaço de duas páginas mas necessário ao longo do mapa. É mais importante ter consciência de que o pensamento livre e crítico, natural dos seres humanos, parece ser um tremendo inimigo das agências de notícias, dos jornais sensacionalistas, dos panfletos publicitários e dos grandes opinion makers da nossa praça.
Marcar pontos e traçar linhas
As 16 páginas que aqui estão foram pensadas enquanto projecto de comunicação. Sob a forma de jornal, publicam-se e difundem-se notícias, reportagens, entrevistas, análises, fotografias e ilustrações que sejam um contributo para ultrapassar o tal sistema económico e social baseado no dinheiro, no poder, na dominação e na exploração. Em suma, tratam-se elementos para a acção e o pensamento crítico.
Para isso, pratica-se a denuncia nas suas páginas. A partir do desenvolvimento de um espaço de informação que contenha as notícias da actualidade local escondida, os episódios perdidos, as versões censuradas e as correspondências não publicadas põem-se a nu os crimes e as contradições da actualidade.
 
Essas contradições estão contidas nas ocupações e nos incêndios referidos em cima mas também em inúmeras outras situações, lutas e projectos. Estão nas assembleias populares, no bloqueio dos portos pelos trabalhadores da estiva, nas denúncias que reclusos fazem contra o sistema prisional e nos insultos que recebem os políticos onde quer que tenham a vergonha de aparecer. Também aqui precisamos de um mapa.
Para além disso trata-se de traçar linhas, fazer ligações e apontar o que há de comum entre pontos aparentemente desconexos. A possibilidade de comunicação parece surgir de um balancear entre o que potenciamos e o que denunciamos.
Assim, um MAPA pode ser muita coisa: uma ferramenta, um meio de informação, um projecto de comunicação e, finalmente, um jornal.
 
Desenhar mapas
Este é o número inaugural. É, em muitos aspectos, experimental e tem como objectivo dar-se a conhecer para extrair dos seus leitores reacções e comentários que se transformem em combustível para a viajem que queremos fazer ao longo do MAPA.
O jornalismo que queremos praticar não é uma tarefa de profissionais e as fontes que consideramos são várias e diversas. Dos blogues locais às redes sociais, das entrevistas a desconhecidos na rua às declarações «sacadas» da Internet, das investigações no terreno às conversas com «especialistas» tudo são possibilidades para a informação crítica. Todos somos jornalistas quando escrevemos sobre uma situação no nosso bairro, fotografamos a nossa rua ou informamos sobre uma luta a ter lugar na nossa cidade.
Para além disto, a experiência diz-nos que a comunicação admite formas que ultrapassam a palavra, o texto, a imagem e o próprio meio em que a desenvolvemos. A comunicação surge em vários formatos e é impossível abranger ou sequer pensar que se consegue abranger a comunicação no seu todo. Uma mensagem escrita numa parede pode conter mais informação importante que um artigo publicado num jornal. Um rol de acontecimentos a terem lugar a uma rapidez cada vez maior fazem da prática jornalística e da actividade informativa um desafio. Da mesma forma, uma complexa rede de relações na sociedade leva-nos a não assumir, nem a isso nos propormos, o relato e cobertura total dos assuntos que abordamos. Teremos, sem dúvida, uma visão, uma interpretação e uma forma de olhar, mas não teremos, de forma alguma, a verdade. A nossa única verdade é a preferência que temos pelos gritos na rua em detrimento das palavras dos gabinetes, as rádios e os jornais locais em vez dos canais centrais da informação, as letras das músicas em vez dos pareceres dos analistas e a escrita a partir do terreno em vez de ficar só a olhar.
Para além disto o MAPA sai para as ruas em papel e estamos conscientes dos limites, mas também das possibilidades, de um jornal impresso em Portugal, no séc XXI. Possui tempo médio de vida e prazo de validade, pode vir rasgado ou sem cor mas pode ser lido em qualquer lado. É, aliás, por isso que é em papel antes de ser uma página na Internet. Para ser lido no autocarro e no café, na biblioteca e na sala de espera, para ser levado para a rua e partilhado entre todos. Bem enrolado pode servir de megafone, bem dobrado podem-se fazer aviões com as suas páginas para chegar a outras latitudes mas, em todos os casos, um MAPA deve estar sempre à mão.