16.5.11
Movimentos sociais em Portugal são o tema de um encontro na sede da CNT, Confederação Nacional do Trabalho francesa (dia 21 de Maio, em Paris).
Impedir a Demolição do Mercado Bom Sucesso! ( concentração à entrada do mercado no dia 19 de Maio, às 17h.)
Movimento «e o povo, pá?» afixou em vários centros de emprego um cartaz a dizer: Não queremos subsídios, queremos emprego.
15.5.11
A Rua é Nossa! - Manifestação em Lisboa e Coimbra (15 de Maio). Todos à rua, porque não somos mercadoria nas mãos dos políticos e banqueiros
NÂO SOMOS MERCADORIA NAS MÃOS DE POLÍTICOS E BANQUEIROS
Sessão sobre comércio justo e consumo responsável na Casa da Horta ( 19 de Maio; às 21h30)
Feira do livro anarquista 2011 / Anarchist Bookfair in Lisbon 2011 - dias 20,21 e 22 de Maio
Feira do Livro Anarquista - 20,21,22 de Maio
Local: Da.Barbuda, Largo da Severa nº8, à Mouraria, Lisboa
A Feira do Livro anarquista, na sua 4ª edição de 20 a 22 de Maio, cria uma vez mais espaço para a divulgação das ideias anarquistas a partir dos livros e das publicações, levando a debate as ideias e análises sobre questões que nos assaltam a vida em tempos de guerra social.
Rebeldes contra o futuro? 200 anos depois do ludismo. - debate promovido pela Unipop na Casa da Achada ( 20 de Maio, às 21h30)
14.5.11
Realiza-se hoje a Conferência «Mediterrâneo a ferro e fogo» promovida pela PAGAN, Plataforma Anti-Guerra Anti-Nato
Concentração na Pr. da Trindade contra a expulsão, e pela restituição, da Es.Col.a da Fontinha ( 16 de Maio, às 20h30)
Apoio escolar e de preparação dos alunos para os exames do ensino secundário na Es.Col.A da Fontinha
Ver todas as actividades do Projecto Educativo da Es.Col.A do Alto da Fontinha, Porto
Petição a favor da Es.Col.a do alto da Fontinha que foi ilegalmente despejada, apesar das actividades nela desenvolvidas de apoio escolar e animação comunitária
http://agendadaescola.blogspot.com/
PRÓXIMAS ACÇÕES:
- 16 de Maio, 2ª-feira, 18h30 - actividades ao ar livre no largo da Fontinha.
- 16 de Maio, 2ª-feira, 21h30 - participação na Assembleia Municipal (dentro e fora). Na Câmara Municipal do Porto.
- 17 de Maio, 3ª-feira, 18h30 - Assembleia da Fontinha sobre a questão da reocupação. No largo da Fontinha.
PETIÇÃO A FAVOR DA ES.COL.A DO ALTO DA FONTINHA
A antiga escola primária do Alto da Fontinha, abandonada pelas autoridades há mais de 5 anos e vandalizada diversas vezes, foi ocupada por um grupo de pessoas que está a devolver aquele espaço público à comunidade.
Todas as semanas há uma assembleia aberta do ESpaço COLetivo Autogestionado, ES.COL.A, onde se decidem quais as actividades, tarefas e trabalhos de reabilitação a realizar neste espaço.
O espaço, que se encontrava abandonado e vandalizado, está a tornar-se num lugar agradável, renovado, limpo e capaz de receber actividades, tais como aulas de desenho, ciclo de cinema, yoga, apoio escolar e criação de uma biblioteca e espaço para brincar.
Queremos continuar a melhorar e usar este espaço para mostrar que espaços abandonados podem tornar-se vivos e com benefício para a comunidade.
As pessoas abaixo assinadas apoiam este projecto e querem mantê-lo, não comercial e autogestionado pela comunidade.
Sincerely,
Tantas vezes vai a ocupação à Fontinha que o mundo há-de mudar
Esses que tornam o mundo inabitável têm um medo de morte a quem tudo faz para habitar o mundo.
Sobre a ocupação auto-gestionária da Escola da Fontinha, não há lugar a colocar o problema sob o ponto de vista abstracto e universal, para que a perversa impotência sirva como argumentação para neutralizar este exemplo e justifique o fastio do “não vale a pena”.
Aqui, transformou-se num mês o mundo-local que falta fazer e que está ao nosso alcance.
Pessoas que se juntaram livremente, reabrindo a escola ao bairro da Fontinha, propondo actividades (cinema comunitário; oficinas de pintura; um atelier de leitura para os mais velhos e para as crianças; um projecto de Apoio Educativo livre e aberto a todos, que incluía matérias como Matemática, Física, História, Geografia, Português, Francês, Inglês, Espanhol, Ciências Naturais, Biologia, Informática, Desenho; além dos jantares populares), pessoas para quem a vida humana e social, a sua liberdade e realização, não é um negócio.
Do outro lado, o “polícia” Rui Rio, gerindo as rentáveis taxas de exploração do vazio e da desumanização do espaço. Aqueles que instauram a política do vazio, da desumanização, da destruição do espaço colectivo e, ao mesmo tempo, policiam o vazio que geram, demonstram aquilo que os move: punir a vida, por há muito terem feito da sua vida uma troca mercantil.
Agora despeja-se, discrimina-se, criminaliza-se, aqueles que recusam cumprir a sua vida e a dos outros pelos índices de rentabilização do espaço, pelos rankings estatísticos da Educação Europeia que ditam o fecho de escolas, pela lógica do lucro que se instaura na vida pública.
Não tenhamos dúvidas: é preciso despejar e deter os rapazes e raparigas – encarnam o perigo de expor e de pôr em causa a ordem policial subjacente à estratégia de preservação do poder. Eles e elas são a clientela que o poder político necessita para vigiar e punir. E, principalmente, punir para vigiar.
Tomem, por isso, cuidado: se vivem ao lado de património Público, do estado ou municipal, abandonado e destruído por esse mesmo poder, em nome do lucro, em nome dos interesses privados, então, quando virem chegar jovens que comecem a limpar, a pintar, a consertar portas e paredes, a fazerem actividades para a população local, chamem a “polícia política”. Sob pena da humanização, da partilha comunitária, da decisão colectiva, da cooperação, da alegria, ressurgirem à sua volta. Como um fogo que alastra.
A “polícia política”, que se auto-condenou a vender a sua humanidade ao lucro, especializou-se em espezinhar a humanidade dos outros para manter o seu poder, pelo que esmagar este exemplo de ocupação autogestionária e de experiência quotidiana de partilha, é um gesto de coerência.
Já não existe metáfora: a degradação da escola da Fontinha une-se à degradação da vida dos gestores da “polícia política”; o vazio de uma é fruto do vazio da outra. Com um dado fascinante: é a própria “polícia política” que estabelece essa união, que protege, estimula, investe, na degradação e no vazio. Agora, emparede-se aquilo que nos pertence, diz orgulhoso o poder político.
O que se pode obter ainda de quem vende e degrada o património de todos confundindo a gestão pública com a liquidação lucrativa, esvaziando de sentido a substância humana desse património, depois de desde há décadas terem eles próprios feito depender a sua humanidade de valores monetários, do dogma do mercado e do fetiche da mercadoria? O que se pode esperar de quem não equaciona nenhuma manifestação da vida humana a não ser se ela for sancionada pelo altar do lucro e pela hóstia do mercado?
Todas as respostas do poder autárquico em geral, como do governativo, caminham para um beco sem saída: o capital, o interesse económico e a protecção desses interesses (e da elite restrita do círculo de interesses), excluem a possibilidade do diálogo – e o diálogo é a reversibilidade plena e democrática de um poder – e a crítica desses interesses.
Mais uma vez, (depois da venda a privados do Mercado do Bom Sucesso, Mercado do Bolhão, Mercado Ferreira Borges, Teatro Rivoli, Palácio do Freixo, Casa das Glicínias, Praça de Lisboa), sabemos por este exemplo que o poder municipal não está ao serviço dos munícipes e de uma ideia de serviço dos interesses sociais da comunidade, mas está ao serviço do mercantilismo e da sua pedagogia de controlo. Desse princípio orientador, os gestores da submissão ao lucro, extraem a sua verdade: quando advogam que o mercantilismo está ao serviço da comunidade e do serviço público é quando o serviço público e a comunidade passam a estar ao serviço do mercantilismo.
As pessoas que se sentem enojadas por esta grande ideia de estarem sempre perto de se tornarem uma mercadoria útil ou inepta do sistema, uma estatística da base de dados de um sistema bancário, uma vítima a mais de um sistema público de saúde, um precário a tempo inteiro e indefinido, não podem responder com o silêncio.
É um facto que o território desta luta não é o presidente da Câmara do Porto, mas as pessoas que não querem viver sob a mentira do lucro, que querem libertar toda a sua possibilidade de dizer que a sua vida passa também por um gesto de união solidária sem competições, sem estruturas partidárias, sem visar lucros, juros, contas, dívidas ou proveitos, mas apenas contar com a riqueza do humano.
Os que habitam o mundo vão continuar a fazê-lo.
Júlio do Carmo Gomes
10 de Maio, 18h30, Largo da Fontinha, Porto
O dia que começara com repressão acabou
Mas a parte mais importante, a que realmente chamara ali tanta gente, era a de decidir o que fazer a seguir. As propostas foram muitas: tentativa de legalização da situação de uma eventual nova ocupação do espaço, a sua reocupação nos mesmos moldes, a participação na Assembleia Municipal da próxima segunda-feira, uma campanha o mais alargada possível de denúncia, uma queixa judicial, a necessidade de angariar apoios de "notáveis", o pedido de cedência doutros espaços para as actividades, uma assembleia extraordinária da Assembleia de Freguesia. Aceitou-se a proposta de, nesse fim de tarde, falar apenas de três dessas ideias: a da participação na Assembleia Municipal do Porto, a da via da queixa judicial (contra o despejo, contra a actuação particular da polícia... está tudo ainda em aberto) e a da reocupação do espaço.
A próxima Assembleia Municipal do Porto realizar-se-á na segunda-feira, dia 16 de Maio, pelas 21h00. Decidiu-se que algumas pessoas deveriam participar na própria Assembleia Municipal e que todas as outras deveriam ter uma presença visível no exterior do município. As pessoas que vão participar na assembleia ficaram de se coordenar nesse sentido e as que vão apoiar a partir de fora marcaram encontro de conversa e trabalho (pintar faixas, decidir palavras de ordem, ver a possibilidade de levar algumas actividades da Es.Col.A para a porta da Câmara, etc.) para a próxima quinta-feira, 12 de Maio, no Largo da Fontinha, a partir das 18h30.
Há uma pessoa a tratar da questão legal relacionada com a eventual queixa que se possa apresentar. Todas as pessoas interessadas trocaram contactos e ficaram de se coordenar.
Dada a vontade geral de que o espaço da Es.Col.A seja reaberto, ficou marcada uma assembleia para discutir esse ponto
Mas a assembleia estava longe de acabar, que a democracia tem destes truques que lhe permitem ser real e a vontade das pessoas presentes não era ser vencida pelo medo da força bruta. As actividades da Es.Col.A. não acabariam por causa de um despejo. Apesar de não ser possível garantir que todas as actividades se mantêm (não estavam presentes pessoas que coordenam algumas dessas actividades), ficou a ideia de contactar toda a gente que as desenvolva para saber da sua disponibilidade, ao mesmo tempo que se garantia que algumas se realizariam sem qualquer dúvida.
Entre estas, ficaram o Hacklaviva - 5ª-feira, 12 de Maio, 18h00; o Jantar da Fontinha, transformado em merenda autogestionada (naquela do traz comida se quiseres comer) – 6ª-feira 13, às 19h30; e actividades ao ar livre - 2ª-feira, dia 6, às 18h30.
12.5.11
Realiza-se hoje a 2ª sessão do ciclo de pensamento crítico na livraria-bar Gato Vadio sobre o pensamento de Slavoj Zizek
11.5.11
Slavoj Zizek – algumas ideias do seu pensamento político e filosófico
Slavoj Zizek – breve resumo do seu pensamento
Slavoj Zizek é hoje em dia uma vedeta do pensamento crítico contemporâneo. De Buenos Aires a Paris, passando por New York, New Delhi ou Ljubljana (a cidade onde nas céu), as multidões correm a assistir às suas conferências. Esta atracção deve-se em parte ao estilo do filósofo esloveno. Que mistura referências absconsas de Schelling ou Lacan a exemplos retirados da cultura popular – cinema de Hollywood, romance negro ou ficção científica, blagues – tudo isso recheado com citações semi-provocadoras de Stalin e Mão. Esta estratégia intelectual visa a escurecer as fronteiras entre a cultura «legítima» e a cultura «popular». Zizek é o objecto ou protagonista de vários documentários, um dos quais é o notável Pervert’s Guide to Cinema (2006), no qual ele apresenta as suas análises parodiando cenas clássicas da história do cinema. Uma discoteca de Buenos Aires já tem o seu nome.
S. Zizek é um filósofo muito cosmopolita. Realizou uma parte dos seus estudos em França na Universidade de Paris-VIII, sob a direcção de Jacques-Alain Miller (o genro e o legatário intelectual de Lacan), com o qual também fez psicanálise. Escreve e publica em inglês. E é dos poucos pensadores actuais que veio da Europa do Leste.
Um aspecto determinante do pensamento de Zizek é a sua defesa do cogito cartesiano. The Ticklish Subject é uma das suas mais importantes obras, subintitulada «O centro ausente da ontologia política» começa com a seguinte declaração: « Um espectro paira sobre a universidade ocidental… o espectro do sujeito cartesiano.» O filósofo assimila a questão do «sujeito» ao espectro do comunismo que abre o Manifesto Comunista de Marx e Engels. Isto significa que se trata de um ponto importante …
Sabe-se que Descartes formulou um célebre enunciado filosófico ao dizer « Cogito, ergo sum » (Penso, logo existo). A ideia de um sujeito soberano, transparente a si próprio e racional é um dos fundamentos da modernidade. Ela encontra-se não somente no coração do projecto da Luzes, mas está subentendida igualmente num grande número de movimentos emancipatórios do séc. XIX, entre os quais o liberalismo, o marxismo e o anarquismo. Nunca faltaram críticos a esta concepção do sujeito, quer viessem do interior da tradição filosófica (Nietzsche por ex.) quer correntes como o feminismo que denunciou desde muito cedo o carácter de género do cogito.
O Iluminismo e a teoria do sujeito que o acompanha foram novamente questionadas depois da II Guerra Mundial. As atrocidades cometidas então serviram para a modernidade reflectir-se nela própria. Os representantes da Escola de Francfort – Adorno et Horkheimer – consideraram as câmaras de gás como a expressão última da racionalidade instrumental moderna. Depois de ter servido para a emancipação, a razão ter-se-á voltado contra ela própria, e tornou-se ela própria em cúmplice dos piores crimes contra a humanidade. O estruturalismo e pós-estruturalismo, ainda que não tematizam, ou pouco, a barbárie moderna, desenvolvem ainda assim uma crítica do humanismo. O anti-humanismo teórico de Althusser ou a « morte do homem » profetizada por Foucault ai estão para o demonstrar. A perspectiva pós-estruturalista que domina a «universidade ocidental», para retomar a expressão de Zizek, considera o sujeito como uma entidade descentrada. Segundo esta visão existe uma multiplicidade irredutível de posições subjectivas, mas nenhum centro unificador.O cogito ter-se-á literalmente desintegrado. A descoberta do inconsciente por Freud e a importância conferida à linguagem na filosofia na segunda metade do séc. XX consolidaram esta tendência. Para retomar uma fórmula de Jacques Derrida o sujeito passou a ser entendido como uma «função da linguagem».
S. Zizek opõe-se à desintegração do sujeito. Isto não o leva a preconizar um regresso puro e simples ao humanismo moderno, sob a forma cartesiana ou outra .S. Zizek prefere dar um tratamento lacaniano ao cogito . Aliás, todas as coisas são interpretadas à luz das categorias propostas por Lacan. Para S. Zizek, o sujeito não é uma substância , nem sequer pensante como dizia Descartes . Não é uma entidade real, mas antes um «vazio», feito de pura «negatividade». O sujeito aparece na interface do «Real» e do «Simbólico». Estes dois conceitos de Zizek, emprestados de Lacan, são cruciais à sua abordagem. O real é incognoscível para nós: ele designa o mundo antes de toda a categorização ou classificação, isto é, é pré-linguagem. O Simbólico é, para ele, a instância do ordenamento do Real. Quando se fala vulgarmente da «realidade» é do Simbólico que falamos, uma vez que o Real não nos é acessível. O Simbólico representa a «morte da coisa» diz Lacan, no sentido em que aboliu a coisa enquanto coisa tornando-se inteligível( deixando assim de ser uma coisa saída do Real). O Real nunca se deixa simbolizar completamente, há sempre qualquer coisa que resiste.
O que a psicanálise chama de «traumatismo» designa os casos de intrusão ou do ressurgimento brutal do real na ordem do Simbólico. Uma tal intrusão é sempre possível e é susceptível de perturbar o Simbólico. O Simbólico, deste ponto de vista, não é forçosamente aberto. Persiste no tempo, mas sob a condição do ressurgimento de um Real conflitual.
O sujeito forma-se segundo Zizek na distância que separa o Real do Simbólico. Esta distância supõe que o Simbólico difere do Real, o que permite o aparecimento da subjectividade . Se o Real e o Simbólico fossem idênticos, ou se o Simbólico estivesse fechado sobre si mesmo, nenhuma posição subjectiva seria concebível. Segundo Zizek,o sujeiro é um «mediador evanescente» (vanishing mediator). Este conceito foi repescado pelo filósofo a Fredric Jameson. Neste último, ele designa todo o fenómeno que permite o aparecimento de um outro fenómeno, e que desaparece depois de ter realizado aquela tarefa. Jameson usa este conceito na sua interpretação da tese de Max Weber sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo. Para Weber (relido por Jameson), o protestantismo constitui a condições da emergência do capitalismo. Todavia, uma vez nascido, este acelera o desaparecimento do protestantismo, já que o capitalismo favorece o processo de secularização. O protestantismo seria pois um «mediador evanescente» para o capitalismo.
Para S. Zizek, o sujeito tem uma estrutura análoga. Na medida em que é incognoscível, o Real é experimentado como «perda» pelo sujeito. Face a este nada, e a fim de não cair na loucura, o sujeito constrói o Simbólico. Por isso, ele exterioriza-se numa linguagem, sendo a «palavra» a instância pela qual a simbolização é desencadeada:
« […] Ao pronunciar uma palavra, o sujeito empurra o seu ser para fora de si; ele coagula o nó do seu ser (the core of his being) num signo exterior. Através de um signo(verbal) eu encontro-me fora de mim mesmo, eu coloco a minha unidade fora de mim mesmo, num significante que me representa.» Ao exteriorizar-se o sujeito cria o objecto (o Simbólico) mas acaba por isso mesmo de se encontra frente a ele próprio, uma vez que se exteriorizou-se. A separação entre sujeito e objecto é pois abolida, e as duas instâncias são inextrincavelmente misturadas. Isto implica, entre outras coisas, que o lugar do sujeito permanece vazio. Por esse facto, ele poderá sucessiva ou simultaneamente ser ocupado ou reivindicado pelos mais diversos sujeitos. Tal como J. Rancière, S. Zizek considera que o sujeito não é um colectivo concreto, realmente existente. Ele é antes a condição para que individualidades ou colectivos concretos se possam formar. Mas, para isso, o seu lugar deve ficar formalmente vazio.
Um corolário da teoria do sujeito de Zizek é a sua concepção de ideologia. Classicamente, a ideologia designa a separação existente entre uma realidade e a maneira como os indivíduos a representam, de forma errónea ou «ideológica». Esta deformação pode ser explicada pela posição de classe do indivíduo ou por uma razão, mas que leva, de qualquer modo, a significar uma perspectiva entre outras. A crítica filosófica e política dirige-se a essa distância que separa as duas instâncias. A sua função é de chamar a atenção para as vítimas de uma ideologia sobre o facto das suas representações da realidade serem erróneas. Segundo o filósofo alemão Peter Sloterdijk, que serve aqui de ponto de partida para Zizek, este modelo clássico de ideologia deixou de funcionar nas sociedades pós-modernas. A explicação reside em que, hoje, os indivíduos sabem perfeitamente que o discurso que lhes é servido pelos media e pela classe política é falacioso. Eles não são idiotas, o que significa para Sloterdijk que a nossa época é a de um cinismo generalizado, que sucedeu à era das ideologias. Esse cinismo levanta o problema da eficácia da crítica hoje em dia. Se todo o mundo sabe que a representação dominante da realidade não é «verdadeira» realidade, então será que a crítica ainda tem uma razão de ser?
Segundo Zizek a teoria de ideologia de Sloterdijk é errada, o mesmo se passando como o seu diagnóstico sobre a época em que vivemos. Esta está longe de ser pós-ideológica. É verdade que o cinismo está largamente espalhado. No entanto, é errado pensar que um tal cinismo, apesar de generalizado, bastará para justificar a existência de uma época pós-ideológica. E a explicação é que a ideologia não é uma questão de representação, mas antes de actos e acções.
O conhecido argumento de Pascal permitirá clarificar este ponto. Segundo esse argumento, baseado num cálculo de utilidade, no sentido da economia neoclássica, é sempre vantajoso para o indivíduo acreditar em Deus, porque se Deus existir, o benefício da crença é imenso (paraíso), comparado com o imenso custo da falta de crença (inferno). Por outro lado, pouco importa que se acredite ou não em Deus se ele não existe. Todo o ser razoável deve por consequência acreditar em Deus. O problema é que, bem entendido, a crença não se encomenda. Não se acredita na vontade, o que realmente é necessário é possuir uma verdadeira fé. A resposta de Pascal ao problema é conhecida: «Orai e obedecei, a fé virá de seguida.»
Este argumento é frequentemente interpretado como demonstrativo da influência dos comportamentos de um indivíduo sobre os seus estados mentais. A oração interioriza o seu próprio conteúdo, que se transforma progressivamente, graças à repetição, em crença autêntica. Mas uma outra interpretação é possível segundo Zizek. Para este, o que mostra o argumento de Pascal não é que os nossos comportamentos são susceptíveis de produzir representações no nosso espírito. O que ele realmente mostra é que possuímos frequentemente representações antes mesmo de saber que nós as possuímos. Contrariamente, ao que pensa o indivíduo que se ajoelha para rezar, este já antes de se ajoelhar já acredita em Deus. Quando ele pensa que começa a acreditar, ele mais não faz na realidade do que reconhecer uma crença que já estava presente nele. Pois o que conta não é o estado mental, mas o acto. É por isso que a nossa época continua saturada de ideologias. Ainda que o cinismo reine, os indivíduos continua a comportarem-se como se as ideologias continuassem em vigor.
A teoria dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) de Althusser pode ser interpretada à luz deste argumento. Althusser distingue as AIE (Escola, Igreja, Media, Família) dos Aparelhos Repressivos do Estado (policia, exército, prisões). Os AIE têm por função garantir a adesão à ordem existente pela via ideológica «naturalizando» esta ordem aos olhos dos que a sofrem. Ora, para Zizek, os AIE produzem uma adesão ao sistema antes mesmo que o indivíduo se aperceba deles. Trata-se de uma crença anterior. O sintoma que revela a existência desta pré-crença é a actividade do indivíduo, a qual testemunha a sua adesão à ordem existente, que está tão incrustada nele quanto o cinismo nele presente.
S. Zizek reclama-se do marxismo, o que é relativamente raro num intelectual dos países do leste europeu, apesar de ter sido um dissidente no seu país durante a era soviética. Uma consequência deste seu posicionamento é que ele defende a tese da determinação «em última instância» pela economia, que se encontra presente, sob diversas formas, no seu pensamento. Mais precisamente, ele sustenta que a forma de opressão no domínio económico, ou seja, a exploração, tem primazia sobre as outras formas de dominação
Para além da sua vontade de reabilitar o sujeito cartesiano, esta sua tese leva Zizek a opor-se à doxa em vigor na «universidade ocidental». Note-se que a tese da determinação da superestrutura pela infraestrutura dominou o pensamento crítico durante muito tempo, enquanto o marxismo manteve a hegemonia naquele pensamento. Mas a partir dos anos 1970 a ideia da dominação tornou-se plural, ao ponto de se ter tornado a nova doxa. Vários factores contribuíram para esta evolução. Com efeito, desde então, assistiu-se a uma proliferação das «frentes secundárias» que enfraqueceu a centralidade conferida até então ao confronto entre o capital e o trabalho. Mais a mais, as transformações sociotécnicas profundas, tais como a emergência dos media de massas, colocaram a cultura no coração da vida (pós)moderna. A sociologia de Pierre Bourdieu é típica desta evolução. Bourdieu defende que o mundo social é composto de diferentes «campos » sociais que gozam cada qual de uma «autonomia relativa» em relação uns aos ouros. Isto supõe que existem capitais particulares em cada um deles, e que nenhum deles é determinante que os outros.
Segundo S. Zizek, os pensamentos críticos foram demasiado longe na pluralização das formas de dominação, a tal ponto que se tornaram incapazes de compreender a especificidade do capitalismo enquanto sistema. A dominação é plural. Mas oque confere a particularidade ao capitalismo é que todas as formas de dominação subentendidas por um fenómeno, que lhes dá inclusive uma «coloração», a saber: a acumulação do capital.
Os pensadores críticos contemporâneos reconhecem certamente a existência da exploração económica. Mas eles consideram que se trata de um tipo de opressão entre outras, ao mesmo título que a dominação masculina ou o racismo. Para Zizek esta tese está errada. A exploração não é um tipo de opressão entre outras, mas a lógica de conjunto que subentende todas as outras. É por essa razão que o filósofo se mostra muito crítico para com o «multiculturalismo» envolvente, como testemunha o seu livro Plaidoyer en faveur de l’intolérance
S. Zizek retoma, por seu turno, o argumento marxista da «reificação», desenvolvidos nomeadamente por Lukacs no livro Histoire et conscience de classe (1923). Lukacs escreve : « […] a actividade do homem – numa economia mercantil consumada – objectiva-se em relação a ele,tornando-se numa mercadoria que está submetida à objectividade, estranha aos homens, às leis naturais, e realiza o seu movimento independentemente dos homens, qualquer que seja o bem destinado à satisfação das necessidades, convertidas em coisa mercantil». No capitalismo a actividade humana adquire o estatuto «coisa qualquer», isto é, o estatuto de uma mercadoria. O fetichismo da mercadoria contamina o conjunto das esferas de actividade e das acções humanas. Segundo S. Zizek, a consequência deste facto é liminar: « Luto, em suma, por um regresso ao primado da economia, não em detrimento das questões colocadas pelas formas pós-modernas de politização, mas precisamente a fim de criar as condições de uma mais efectiva realização das exigências feministas, ecologistas, e assim sucessivamente.»
Não se trata de minimizar a importância das lutas feministas, ecologistas ou outras. A tese da determinação «em última instância» é apresentada, por vezes, pelos seus adversários como uma maneira de inferiorizar as outras formas de luta, o que para Zizek é falso. Simplesmente, na medida em que estas formas de opressão se revestem de uma conotação capitalistas, elas não podem estar dissociadas da luta geral contra a reificação. Esta luta constitui o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as outras lutas, razão pela qual é necessário considerá-la como central.
Zizek desenvolve uma crítica feroz das teorias do antipoder que proliferaram nos anos 1990 e 2000. Estas teorias defendem que a tomada de poder do Estado é não somente vã, até porque o poder está disseminado no conjunto do corpo social e não concentrado num ponto, mas ainda porque esse objectivo é portador de catástrofes. Elas retoma à sua maneira a argumentação antitotalitária dos «novos filósofos» que defendem que o estalinismo, longe de ser uma degenerescência, estava já presente nas origens da revolução russa, e até mesmo na revolução francesa.
Para Zizek os teóricos do antipoder teorizam a derrota da luta social por antecipação. Eles interiorizam-na e naturalizam-na a tal ponto que se tornam incapazes de imaginar outra coisa senão «zonas de autonomia temporária» situadas nas margens do do sistema. Daí que Zizek se volte contra a crítica ao centrismo estatal, cuja raiz remonta a Foucault, apelidando-a de «nova esquerda» e convida-a a reexaminar a sua concepção descentrada de poder à luz da concepção do poder e do Estado do marxismo clássico, principalmente, a de Lenine, tanto mais que Marx é reabilitado hoje em dia, depois de ter sido denegrido duarnte os anos de 1980 e 1990.
Para Zizek é para a figura de Lenine que a esquerda radical deve agora voltar-se. Ele escreve: « O que um verdadeiro leninista e um conservador têm em comum é o facto de ambos rejeitarem a irresponsabilidade da esquerda liberal, a qual defende grandes projectos de solidariedade de solidariedde e de liberdade, mas que logo se eclipsa quando se trata de pagar todas essas coisas no momento das decisões políticas concretas, por vezes cruéis.»
E a verdade é que na revolução russa, Lenine teve a coragem de assumir a direcção efectiva do Estado, e longe de se limitar a uma celebração romântica do acontecimento-revolução de Outubro, ele procurou transpor e concretizar as suas convicções numa ordem social e política duradoura. É o que o aproxima da figura de São Paulo que procurou perseverar o acontecimento-Cristo ao longo do tempo através da fundação da Igreja. A esta transposição do acontecimento para uma ordem duradoura, Zizek designa o fenómeno com uma fórmula provocadora - «o bom terror». Aos seus olhos, qualquer acontecimento autêntico tem algo de característico que é o seu custo.
9.5.11
Vídeo da manifestação anticapitalista em Setúbal do 1º de Maio
Aqui está o vídeo que durante a última semana foi recolhido e editado. Utilizaram-se as caixas de texto para cobrir as caras, visto que estas durante a manifestação estavam descobertas e porque sabemos como funciona o aparelho repressivo.
Não disparámos armas de fogo, não fomos em formação "bloco-negro", não causamos distúrbios, não partimos vidros, não destruímos carros... nem nenhum dos outros delírios. Houve sim fogos de artifício e frases pintadas pelo caminho.
No final do vídeo é óbvio, pela posição da câmara, que a polícia adoptou uma postura ofensiva para acabar violentamente com uma manifestação que já tinha acabado. É criada uma ratoeira para a qual somos atraídos e a partir daqui a polícia agrediu todos os que encontrou pela frente.
Ao serem posicionados agentes da polícia numa parte do Largo e depois de ser feita a comunicação, no momento em que chega a carrinha da BIR pode então começar o ataque planeado contra os que permaneciam por ali.
Durante a parte em que a câmara corre na direcção da carrinha da BIR já decorria a agressão por parte da polícia (que se pode ver entre dois carros a espancar manifestantes que estão no chão) e ouvem-se os primeiros disparos para afastar os manifestantes que só nesta altura se insurgem contra a atitude policial, não a sua presença!
Faltam-nos imagens desse ângulo e convidamos aqueles que eventualmente as terão a contribuir para o arquivo que se criou para cobrir as consequências desta manifestação.
O que se segue é muito incompleto, as repetidas cargas, os disparos, os abusos, as humilhações, os espancamentos e as caçadas da polícia que levaram muitos dos manifestantes a corridas contínuas até ao outro lado da cidade não estão filmadas.
Mais informações e contacto em:
http://www.terralivre.net/
email:
terralivre.setubal@gmail.com
3.5.11
A peça A Filha Rebelde sobre a filha do ex-director da PIDE vai hoje a julgamento. A nossa solidariedade aos acusados e às vítimas de Silva Pais
Começa hoje, terça-feira, 3 de Maio de 2011 o julgamento da autora da peça de teatro "A Filha Rebelde" e dois antigos directores do Teatro Nacional D. Maria II ( Margarida Fonseca Santos, autora da adaptação, e Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, ex-directores do Nacional D. Maria II), acusados dos crimes de difamação e ofensa à memória de Silva Pais, falecido director da PIDE.
Por ser considerada uma queixa de âmbito privado, por ser uma injúria, o Ministério Público (MP) demarcou-se do processo, não acompanhando a acusação.
A peça é a adaptação ao teatro do livro "A Filha Rebelde", da autoria de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, levada à cena no Teatro D. Maria II, em 2007, com encenação de Helena Pimenta.
Os sobrinhos de Silva Pais, falecido em janeiro de 1981, pedem uma indemnização de 30.000 euros.
Os autores da ação judicial são Carlos Alberto Mano Silva Pais, a residir em Zurique, e Berta Maria Mano da Silva Pais Ribeiro, que mora em Portugal.
Julgamento no dia 3 de Maio, pelas 9h15, Lisboa, no 2º Juízo Criminal, 3ª Secção, Avenida D. João II, 10801 - Edifício B. Parque das Nações.
Recorde-se que A Filha Rebelde é o título do livro de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz que trata da biografia da filha rebelde do conhecido Director da PIDE/DGS, Silva Pais, onde se fala da história de Annie, uma mulher corajosa, que se emancipa do meio social protegido onde sempre viveu, e que em 1965 parte para Cuba ,solidária com a revolução cubana. Uma aventura Esta aventura que se estende ao longo do tempo, com a queda do regime ditatorial em Portugal, a prisão e morte de Silva Pais, assim como a participação de Annie na 5ª Divisão do MFA entre outras facetas.