11.7.10

O elogio à preguiça pelo poeta brasileiro Juvenal Antunes



ELOGIO DA PREGUIÇA
(A mim mesmo)

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!


Mas, queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.

Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é um grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.

Ó sábios, dai à luz um novo invento:
Para mim, já é um grande sacrifício

Todo trabalho humano em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!

Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!

Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas...

Cresce teu filho? É belo? É forte? É louro?
Mais uma rês votada ao matadouro!...

Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,

Que arda, depressa, a colossal fogueira
E morra, assada, a humanidade inteira!

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?

Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder?...
Para quê, se, amanhã, tem de morrer?

Qual o mais feliz? – o mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,

Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?

Do trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!

Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!


Ó Laura, tu te queixas que eu, farsista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,

E que, ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor – por outro amor...

Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.

Que me não faças mais essa injustiça!...
Se ontem, não fui te ver – foi por preguiça.

Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir... sonhar...


Juvenal Anunes (1883-1941) é um personagem real que nasceu no Rio Grande do Norte, no Brasil, e viveu no Acre. Poeta, dono de um humor irónico e mordaz, ficou conhecido pela sua irreverência, anarquia e boémia. Pregava o amor livre e ridicularizava os valores da sociedade da época . Era hóspede e cliente constante do famoso Hotel Madrid.
Em 2007, foi inaugurada em Rio Branco uma estátua em sua homenagem à frente de uma galeria de arte com o seu nome, que funciona no prédio do antigo hotel e também abriga a sede da Fundação de Cultura Elias Mansour.

O poeta Juvenal Antunes é uma das personagens de uma série de televisão sobre o Acre, cujo título é “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes”, de autoria da escritora acreana Glória Perez.

O poeta começou por publicar o livro "Cismas", além de vários poemas em jornais acreanos. Em 1922, publicou "Acreanas", o primeiro livro de poesia escrito no Acre. "Laura", a quem Juvenal Antunes escrevia poemas, era a sua musa, a mulher que parece ter sido sempre a "Desejada e nunca a Possuída"

http://galeriadeartejuvenalantunes.blogspot.com/

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