15.6.10

Julgamento da Manif do 25 de Abril de 2007: resumo das sessões e convocatória para concentração solidária


Ao fim de 5 meses, o julgamento dos 11 detidos no 25 de Abril de 2007, chega às alegações finais.

A decorrer desde 22 de Janeiro de 2010, o julgamento dos 11 acusados detidos na manifestação antifascista e anti-autoritária de 25 de Abril de 2007, tem tido lugar no Campus de Justiça de Lisboa, situado no Parque das Nações. No próximo dia 15 de Junho terão lugar as alegações finais.
Fica de seguida um pequeno resumo dos argumentos e episódios mais marcantes deste julgamento.
(...)

Os processos e os julgamentos fazem-nos os juízes e o Estado, a luta fazêmo-la nós porque continuamos na rua.

Concentração em Solidariedade com os detidos na Manifestação do 25 de Abril de 2007
15 de Junho, 3ª-feira
às 12h30
em frente ao Campus de Justiça de Lisboa
Av. D. João II (Parque das Nações/Gare do Oriente)



Fica de seguida um pequeno resumo dos argumentos e episódios mais marcantes deste julgamento.
Na primeira sessão do julgamento foi lida a acusação do DIAP contra os arguidos; esta consistia em injúrias, agressão qualificada e tentativa de agressão qualificada, sendo que sobre cada arguido pendem acusações diferentes. Nenhum deles prestou declarações.
Na segunda sessão foram iniciadas as declarações das testemunhas de acusação, ou seja, membros dos variados corpos policiais tais como investigação criminal, Corpo de Intervenção e Serviço de Intervenção Rápida, sendo que uns eram apenas operacionais e outros chefes. Testemunharam, no total, 13 polícias.

A todas as testemunhas foi pedida uma descrição geral da situação com que se depararam na baixa de Lisboa, no dia 25 de Abril de 2007.
Das declarações iniciais salta à vista o facto de todos os polícias divergirem em relação ao número de pessoas que integravam a manifestação. No geral, descrevem uma manifestação assustadora, de pessoas de cara tapada proferindo insultos a tudo e a todos.
Durante todo o julgamento a questão da ordem de dispersão foi recorrente, sendo que todos os polícias concordam com a sua existência mas divergem em relação ao local, momento, forma e palavras utilizadas.
Facto relevante é o de haver um dos polícias que afirma que as forças da ordem não intervieram durante o percurso da manifestação já que o dia era 25 de Abril e que não queriam ser conotados por um lado “com outras coisas”, "com a polícia do antigo regime" e por outro com uma polícia “impiedosa”. Este afirma também que um dos problemas talvez tenha sido deixarem a manifestação sair da Praça da Figueira, ou seja, quando nada daquilo que eles acusam a manifestação tinha acontecido. Isto demonstra a vontade de, pelo menos, a PSP impedir encontros e manifestações de indivíduos com ideias fora do espectro político, independentemente das desculpas que os polícias depois encontrem para espancar e deter esses indivíduos.

As declarações policiais prosseguem e centram-se agora num episódio que dá origem à sequência de acontecimentos na rua do Carmo: algumas pessoas são interpeladas (número que muda dependendo da testemunha), para serem identificadas por alegadamente estarem a pintar paredes no cimo da Rua do Carmo, quando se encontravam sozinhas e isoladas da manifestação, que por esta altura descia a rua. Perante esta situação a manifestação veio em auxílio dos interpelados, e é nesta altura que um dos agentes se queixa de lhe ter sido feita uma "gravata". De referir que estes polícias atacaram por trás, à paisana e infiltrados nas muitas pessoas que por ali passavam e apresentaram os gritos dos alegados “pintores”, que pediam ajuda, como algo surpreendente
Em relação ao mesmo episódio, há ainda um polícia que apresenta uma outra versão dos acontecimentos, afirmando que tiveram lugar no início da rua Garret a 20-30 metros da saída do metro da Baixa-Chiado. Difere ainda no número de pessoas que desciam a rua, sendo agora cerca de 400-500 pessoas contra as 100-150 que os seus colegas apontam.

Um dos agentes, perante algumas fotos que estão anexadas enquanto provas no processo (fotos onde se vêem polícias de bastão na mão e pessoas sentadas no chão a serem obviamente espancadas por estes), afirma que não sabe o que fazem esses polícias com o bastão na mão e que “devem estar a intervir”. Um outro polícia declara que havia espaço e saídas para todos os que quisessem deixar aquela zona sem entrar em contacto com os agentes. Será importante então sublinhar que a rua do Carmo tem cerca de 200m de comprimento, com prédios em toda a sua extensão, com uma única saída a meio (elevador), sendo esta estreita, com escadas e em obras naquela altura (com taipais) e, também, que estavam dois conjuntos de polícias a carregar em ambos os sentidos. Mesmo para quem quisesse sair “ordeiramente”, como seria isso possível?

Por entre as testemunhas de acusação declara uma pessoa que, aparentemente, não se enquadra na profissão das outras, sendo no entanto pior que estas. Uma trabalhadora da loja de roupa GARDENIA afirma que uma manifestação nada pacífica, com cartazes anti-fascistas sobe a rua Garret e mantém-se calma devido à presença da polícia. Ao fazer o percurso inverso, os manifestantes vêm mais violentos e, segundo esta senhora, arremessando bolas de tinta. Afirma ainda que não tem dúvidas de que o grupo era organizado e que a sua loja estaria marcada já que na parede exterior se encontrava um autocolante com um “cocktail molotov”. As ilações desta testemunha são simplesmente ridículas, chegando ao ponto de o próprio procurador comentar que é normal numa manifestação frases de confronto. Além disso, dizer que um autocolante na porta indica que se seguirá um ataque, é de uma imaginação incrível e de uma ausência de realidade perturbante. Mas nada disso surpreende, pois desde o início que as alegadas bolas de tinta contra a loja são referidas como “agressões”

A questão das linhas policiais foi também alvo de declarações neste processo. Os agentes declaram versões contraditórias no que concerne à linha policial formada na parte de baixo da rua do Carmo. É consensual que todas as forças policiais que a formavam, partiram da rua da Prata, onde aliás se encontravam a proteger a sede do PNR.
Existem, no entanto, divergências sobre a razão que os leva a permanecer lá, bem como o tempo que lá estiveram. Uns estariam de prevenção porque havia informações prévias de que iria haver um ataque contra a sede do PNR. Outros foram para sede do PNR porque ouviram os manifestantes gritar a intenção de ir para a rua da Prata.
Recorrente durante todas as sessões foram as contradições dos agentes quando pressionados para precisar as suas respostas. Perante estas pressões os agentes simplesmente fazem uso da sua imaginação dando uma série de dados contraditórios.
A pedido de um advogado, vários agentes descrevem a indumentaria característica neste tipo de situações. As testemunhas dizem que utilizam um fato anti-traumático constituído por equipamento de protecção em determinadas zonas do corpo tais como o tórax e as pernas, existindo alguma vulnerabilidade na parte interior dos braços, costas e ombros.
Os agentes, tanto do Corpo de Intervenção como do Serviço de Intervenção Rápida, tentaram durante todo o julgamento passar a ideia de que os seus corpos policiais eram extremamente eficientes e organizados. A verdade é que os seus testemunhos revelam uma prática totalmente desorganizada e caótica, já que linhas e grupos se formavam e quebravam e as equipas se misturavam durante a operação.


As testemunhas de defesa, 9 ao todo, relataram o clima de confusão gerado pela polícia a partir da rua do Carmo, com perseguições pelas ruas envolventes. No meio da intervenção policial há relatos que os agentes que se encontravam no topo da rua do Carmo mandavam as pessoas descer a rua, ao passo que os de baixo as mandavam subir, causando uma sensação de “sanduiche”. É também consensual que não houve qualquer ordem de dispersão.

O que aqui fica é apenas um resumo daquilo que tem sido dito nas audiências de tribunal. A vida dentro de uma sala de audiência é obviamente limitada por aqueles que mantêm a existência dessa sala. Para todos os outros e também para aqueles que nas ruas se recusam a obedecer ao Estado e à polícia esse conjunto de leis e processos são não mais que a guilhotina que pende sob as suas cabeças. Embora seja um julgamento importante devido ao que representa a manifestação de Abril de 2007 (a facilidade com que a polícia faz o que quer nas ruas, a tentativa de acabar com uma mobilização que era essencialmente autónoma, sem líderes nem liderados) muitos outros julgamentos decorrem por aí espalhados pelas muitas salas de tribunal de Portugal e do Mundo. Aliás, desde 2007 muitas mais razões temos para lutar do que apenas as várias repressões a manifestações. No fundo é para continuar com a luta contra este e qualquer outro sistema que consideramos importante combater este julgamento e todo este processo, pois se deixamos a memória da luta tornar-se em declarações ao tribunal esta fica dependente de juízes e “testemunhas” e inevitavelmente encerrada nas salas de audiência. Corremos assim o risco de que para a próxima também nós nos sintamos isolados lá dentro.

Os processos e os julgamentos fazem-nos os juízes e o Estado, a luta fazêmo-la nós porque continuamos na rua.

Concentração em Solidariedade com os detidos na Manifestação do 25 de Abril de 2007
12h30
Campus de Justiça de Lisboa
Av. D. João II (Parque das Nações)