Editado pela Angelus Novus, o livro será apresentado em Lisboa por Fernando Rosas e José Neves na próxima quarta-feira, pelas 18.30 horas, na livraria Pó dos Livros (Avenida Marquês de Tomar).
No dia 10 de Maio, segunda-feira, é a apresentação em Coimbra, na Livraria Almedina-Estádio, a cargo de Rui Bebiano e João Paulo Avelãs Nunes.
As décadas de 1960 e 1970 assistiram à afirmação de uma nova esquerda fortemente apostada em transformar o existente. Apesar da sua configuração plural, este cosmos rebelde teve características comuns, que foram da rejeição das hegemonias oriundas da guerra-fria à crítica profunda aos modelos tradicionais de autoridade. Este livro pretende lançar um olhar panorâmico sobre as grandes linhas ideológicas que marcaram a época, dando relevo à maneira como elas se plasmaram no território português.
Excerto
www.angelus-novus.com/admin/livros/uploads/livros/196/aesquerdaexc.pdf
Outros excertos retirados de http://angnovus.wordpress.com/
Acontecimentos como as lutas estudantis, as «eleições» de 1969, as agitações em meio operário e até mesmo as acções de auxílio às cheias ocorridas em Novembro de 1967, foram sem dúvida importantes no alastrar das dinâmicas oposicionistas. No entanto, foi o prolongamento das guerras coloniais que mais dano causou ao regime. Iniciadas em Fevereiro de 1961, em Angola, e progressivamente estendidas a outros territórios – Guiné, em Janeiro de 1963 e Moçambique, em Agosto de 1964 – as guerras que o Estado português travou contra os movimentos independentistas africanos estiveram mesmo, como é sabido, no nascimento do movimento de capitães que haveria de derrubar o regime na madrugada de 25 de Abril de 1974.
A guerra colonial – como qualquer guerra, aliás – era uma questão que dizia respeito, em primeiro lugar, à juventude. Quase todos os rapazes tinham de cumprir um longo serviço militar de pelo menos três anos, em condições de risco físico e psicológico acentuado. Deste modo, o conflito nas colónias foi provocando lentamente um afastamento claro entre os interesses do Estado Novo e as aspirações juvenis. Entre 1961 e 1974, perto de 200.000 jovens faltaram à chamada para a tropa. O número de refractários situava-se, entre 1970 e 1972, já acima dos 20%, contabilizando-se mais de 50.000 faltosos nesses três anos. Tenha-se em conta que, à excepção de Israel, Portugal tinha percentualmente mais homens em armas do que qualquer país ocidental. A mobilização teria sido equivalente aos EUA colocarem 2.5 milhões de homens no Vietname, em lugar dos cerca de 500.000 que lá estiveram Contrastando com a atitude pactuante da generalidade da hierarquia católica, alguns sectores católicos desenvolveram então uma acção de timbre pacifista, essencialmente caracterizada pela tentativa de romper a censura e informar sobre a guerra. Inscrevem-se aqui as dissensões públicas de padres como Felicidade Alves e Mário de Oliveira, mas também publicações como o Direito à Informação, os cadernos GEDOC ou o Boletim Anti-Colonial, e vigílias pela paz como as realizadas nos últimos dias de 1968, em S. Domingos, e de 1972, na Capela do Rato. Muitos «católicos progressistas», aliás, distinguiram-se no auxílio às passagens «a salto» da fronteira luso-espanhola.
No entanto, até final dos anos sessenta a contestação ao conflito mantinha-se confinada a alguns círculos de reflexão crítica. Em Fevereiro de 1968, uma manifestação contra a guerra do Vietname frente à Embaixada dos EUA havia já indirectamente trazido o tema para a rua. Todavia, na importante crise estudantil ocorrida em Coimbra, em 1969, a guerra colonial ainda está ausente do catálogo explícito de reivindicações, se bem que logo a seguir se torne a questão primordial do activismo nas universidades.
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A afirmação da esquerda radical durante os anos sessenta e setenta fez-se de caminhos de renovação teórica e experimentação geracional fortemente apostados em transformar o existente. Apesar da sua configuração múltipla e por vezes conflitual, este cosmos rebelde teve características comuns, que foram da rejeição das hegemonias bipolares da guerra fria à crítica aos modos tradicionais de autoridade; da recusa do imperialismo à sedução por um novo imaginário de combate; da produção e consumo de formas artísticas de matriz contracultural à valorização do papel da juventude como motor da transformação social.
A fecundidade deste movimento não se revelou num momento preciso de ruptura, como sucedeu em 1789 ou em 1917, mas através de um processo continuado que foi modificando substancialmente o campo social e político e as aspirações culturais de sectores significativos da população. Na realidade, se a esquerda radical adjudicou a si mesma a tarefa prometeica de fazer o proletariado cumprir as predições do materialismo histórico, o certo é que foi também a partir desse húmus que se desenvolveram
novos tópicos contestatários que, matizando os conflitos de classe, acentuaram o enfoque em formas mais plurais de libertação.
Em Portugal, este pequeno universo em expansão definiu-se, de modo ambivalente, na recusa do Estado Novo e na busca de uma linha de demarcação relativamente ao PCP, ainda que por vezes, nomeadamente no campo maoísta, se tenham adoptado práticas e discursos implícita ou explicitamente oriundos da tradição comunista. Por outro lado, a demanda de traços anticapitalistas e internacionalistas e a sua particular radicação nos territórios juvenis ajuda a explicar o enfoque decisivo na questão colonial.
Na verdade, se o mostruário programático das organizações foi muitas vezes reticente na adopção explícita de práticas e discursos que fossem além do marxismo-leninismo mais estrito, não há dúvida que foi também no difuso território do radicalismo – não necessariamente militante mas nem por isso menos politizado – que se exprimiram alguns dos contornos da mudança cultural ocorrida nos designados «longos anos sessenta». Deste modo, o livro que se apresenta não pretende apenas fazer a história e a pré-história de alguns partidos de esquerda que marcaram em Portugal o último quartel do século XX, mas também deixar entrevista a maneira como esta constelação radical ajudou a construir uma cultura de conflito e um desejo de modernidade ao qual o presente não permanece alheio.
Miguel Cardina – A Esquerda Radical - p. 111-112
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