Ler o livro de Saul Newman, From Bakunin to Lacan: anti-authoritarianism and the dislocation of power - AQUI
Recensão crítica de Todd May do livro «De Bakunine a Lacan: anti-autoriatrismo e o deslocamento do poder» (From Bakunin to Lacan: Anti-Authoritarianism and the Dislocation of Power), de Saul Newman, retirada daqui
1. O objectivo geral do novo livro de Saul Newman, From Bakunin to Lacan: Anti-Authoritarianism and the Dislocation of Power, é oferecer uma crítica aomodo pelo qual o poder, e especificamente o poder político, é comummenteconcebido. Ele evita a abordagem padrão a tais discussões que giram em tornode um abraço ou uma modificação de Marx, voltando-se, ao invés, à desprezadaarena do anarquismo e articulando-a com pensadores actuais associados pelotermo de “pós-estruturalismo”. Newman argumenta que o que ele chama de“local do poder”, a ideia de que o tratamento dado ao poder parecefrequentemente constrangê-lo conceptualmente à certa região ou tipo – e com efeito, essencializando o poder num tipo natural – interpreta mal, assim, a verdadeira operação do poder.
O poder, como muitos pensadores recentesargumentaram, é mais difuso e incircunscrito do que foram capaz de reconheceros tratamentos progressistas tradicionais ao tema, especialmente o Marxismo.
2. O livro inicia-se com um tratamento ao Marxismo, e mostra que, para osMarxistas, o local do poder é sempre na economia, e abordagens ao poder não-economicistas não são consideradas. A discussão foca aqui a ideia de que, umavez que os Marxistas pensaram frequentemente o estado como determinadopelo poder económico, não se embaraçaram, então, em assumir o controle doestado a fim de mudança nas relações económicas. As consequências de talpensamento, longamente criticado pelos anarquistas, manifestaram-se durantetoda a história de nosso século.
3. Anarquismo, em contraste, enxerga que o Marxismo perdeu devista o papel do poder de estado nas relações sociais. Infelizmente, osanarquistas parecem querer colocar todo poder no nível do estado, e assimmeramente substituir um local de poder pelo outro. Em sua visão, o estado é olocal do poder, e a resistência reside nos impulsos naturais de uma humanidadenão-contaminada por tal poder. Elimine o estado, e as deletérias relações depoder cairão por si mesmas.
4. Neste ponto, Newman volta-se para o anarquista Max Stirner, numa mistura interessante de explicações padrões, a fim de criticar o tipo de humanismoinerente ao pensamento de tantos outros anarquistas. Para Stirner, o humanonão é um recurso natural de resistência não-contaminada, mas antes é um localvazio, um projecto a ser realizado. Este projecto pode ser realizado igualmentepor meios opressivos ou não-opressivos. A questão é, então, como conceber opoder e a resistência se a nenhum deles é relegado a um local natural.
5. Michel Foucault começa tal processo através da análise dos meios polimorfos pelos quais o poder opera. Entretanto, ele vacila, pois, ao enxergar o poder emtodo lugar, parece prescindir da possibilidade de contextualizar a resistênciasem retornar a um lugar externo ao poder e não-contaminado por ele. Tal lugarseria tão essencialista como aquele oferecido pelo anarquismo.
6. Deleuze e Guatarri, ao buscarem novas categorias conceituais para o poder,minam a ideia de locais distintos para o poder e a resistência, especialmentecom o seu conceito de “máquina de guerra”. Entretanto, ao contrapor o desejo ao social, acabam retornando a muitas categorias que sua obra propõe-se a resistir.
7. Derrida, ao deslocar muito da estrutura oposicional que caracteriza o pensamento político (e outros), oferece uma abertura para re-conceber o poder ea resistência. Se o poder e a resistência estão entrelaçados a ponto de prescindir de uma separação em dois locais distintos, então um pensamento que envolve categorias derrideanas, como differance e infra-estrutura, pode ser mais apropriado para compreender tal operação. Derrida, entretanto, não oferece um tratamento ao sujeito da resistência, ao actor político.
8. Aqui, finalmente, Lacan, o verdadeiro herói do livro de Newman, se torna relevante. Para Lacan, o poder contém a sua própria falta. O significante é internamente fendido, permitindo que a resistência ocorra no poder e não fora dele. Se o sujeito lacaniano é incrustado no e resistente ao poder em sua estrutura mesma, então ambos poder e resistência existem sem locais distintos e essenciais, são dispersos e polimorfos, e podem ser pensados sem os problemas que caracterizaram os tratamentos dados desde Marx até Deleuze e Guatarri.
Um pensamento pós-anarquista, que leva a sério o impulso anti-autoritário do anarquismo, ao passo que se livra do tratamento humanista ao poder e a resistência, se iniciaria a partir daqui.
9. Newman acredita que ao usar um framework lacaniano, também utilizado na obra de Ernesto Laclau, em sua discussão sobre a lógica do significante vazio,pode ao mesmo tempo abraçar uma ética da crítica e evitar qualquer carácter essencializante aos quais os termos da crítica poderiam prestar-se. Se isto soa à abordagem desconstrutiva da linguagem de Derrida, a verdade é que Newman busca alcançar uma abordagem ao pensamento progressista que parta do anarquismo e do pós-estruturalismo, e não do Marxismo, e que enxerga nos impulsos por trás desses movimentos não somente uma abordagem para conceber o poder, mas também, indissociavelmente, uma abordagem à linguagem.
10. Há diversos aspectos de From Bakunin to Lacan que particularmente o recomendam. Em primeiro, diferente de tantas explicações referentes aos pensadores citados, o livro é claro e coerente. As visões sumárias que providencia de filósofos tão difíceis como Lacan e Deleuze são ambos acurados e legíveis. É uma virtude difícil de se alcançar em tal trabalho. Em segundo, Newman afunilou uma vasta gama de visões num programa único de teoria política. Não se lê o livro como um conjunto de capítulos desconectados, mas como um movimento progressivo por sobre diversas visões em direcção a uma abordagem teórica coerente sobre a concepção de política. Finalmente, em contraste com minha própria obra, que focava Foucault, Deleuze e Lyotard em contraste a Derrida e Lacan, o livro de Newman busca articular um anarquismo alinhado a elementos desconstrutivos do pensamento francês actual.
11. A questão que resta para mim é se tal intento foi conseguido. Eu acredito que não, sobretudo pelas razões que motivaram o meu afastamento de Derrida e Lacan, num primeiro momento. Eu não estou convencido de que ao utilizar uma abordagem desconstrutiva à linguagem e à política, haveria lugar para o tipo de acção colectiva que parece necessária para o sucesso político. Indeterminação, no meu entender, é uma base fraca para o pensamento e para a organização política. Ele tende a afastar as pessoas e não juntá-las.
Eu entendo que Newman põe em causa, e correctamente, que juntar também traz o risco de abraçar de novo conceitos essencializantes e formas autoritárias de poder. Para mim, parece que uma abordagem política adequada não pode se furtar a esse risco; sua tarefa é articular uma concepção de linguagem que enxergue o significado – e as categorias políticas que daí ascendem – como determinado, mas contingente, e não como necessariamente indeterminado.
A escolha, em suma, me parece não residir unicamente entre a indeterminação derrideana/lacaniana (ou uma determinação sempre ameaçada) e a determinação autoritária essencializante.
Uma terceira possibilidade, e na minha opinião a correcta, seria uma determinação contingente, uma determinação que pode flutuar ao redor das margens, ser criticada e alterada pela crítica genealógica ou outra crítica, mas que retenha seu poder de providenciar o tipo de margem ética que Newman busca (mas me parece não encontrar) em Derrida e Lacan.
12. Dito isto, recomendo altamente o livro a pesquisadores do pensamento progressista. Newman, para mim, parece estar correcto em seu alvo, em enxergar o anarquismo e não o Marxismo como o ponto de partida apropriado para a teoria política progressista; e nisso seu trabalho, além disso, está em consonância com a tendência actual dos movimentos anti-globalização ao redor do mundo. A questão de saber se se há-de escolher Foucault/Deleuze/Lyotard ou Derrida/Lacan como herdeiros e modificadores do pensamento anarquista clássico continua em aberto. De qualqiuer forma, Newman mostra através desta sua obra que adoptou uma perspectiva interessante e original, enraízada no local correcto, o que não pode ser negado.
Todd May é Professor de Filosofia na Clemson University. Escreveu extensivamente sobre o pensamento de Michel Foucault e Gilles Deleuze.
Recensão crítica de Todd May do livro «De Bakunine a Lacan: anti-autoriatrismo e o deslocamento do poder» (From Bakunin to Lacan: Anti-Authoritarianism and the Dislocation of Power), de Saul Newman, retirada daqui
1. O objectivo geral do novo livro de Saul Newman, From Bakunin to Lacan: Anti-Authoritarianism and the Dislocation of Power, é oferecer uma crítica aomodo pelo qual o poder, e especificamente o poder político, é comummenteconcebido. Ele evita a abordagem padrão a tais discussões que giram em tornode um abraço ou uma modificação de Marx, voltando-se, ao invés, à desprezadaarena do anarquismo e articulando-a com pensadores actuais associados pelotermo de “pós-estruturalismo”. Newman argumenta que o que ele chama de“local do poder”, a ideia de que o tratamento dado ao poder parecefrequentemente constrangê-lo conceptualmente à certa região ou tipo – e com efeito, essencializando o poder num tipo natural – interpreta mal, assim, a verdadeira operação do poder.
O poder, como muitos pensadores recentesargumentaram, é mais difuso e incircunscrito do que foram capaz de reconheceros tratamentos progressistas tradicionais ao tema, especialmente o Marxismo.
2. O livro inicia-se com um tratamento ao Marxismo, e mostra que, para osMarxistas, o local do poder é sempre na economia, e abordagens ao poder não-economicistas não são consideradas. A discussão foca aqui a ideia de que, umavez que os Marxistas pensaram frequentemente o estado como determinadopelo poder económico, não se embaraçaram, então, em assumir o controle doestado a fim de mudança nas relações económicas. As consequências de talpensamento, longamente criticado pelos anarquistas, manifestaram-se durantetoda a história de nosso século.
3. Anarquismo, em contraste, enxerga que o Marxismo perdeu devista o papel do poder de estado nas relações sociais. Infelizmente, osanarquistas parecem querer colocar todo poder no nível do estado, e assimmeramente substituir um local de poder pelo outro. Em sua visão, o estado é olocal do poder, e a resistência reside nos impulsos naturais de uma humanidadenão-contaminada por tal poder. Elimine o estado, e as deletérias relações depoder cairão por si mesmas.
4. Neste ponto, Newman volta-se para o anarquista Max Stirner, numa mistura interessante de explicações padrões, a fim de criticar o tipo de humanismoinerente ao pensamento de tantos outros anarquistas. Para Stirner, o humanonão é um recurso natural de resistência não-contaminada, mas antes é um localvazio, um projecto a ser realizado. Este projecto pode ser realizado igualmentepor meios opressivos ou não-opressivos. A questão é, então, como conceber opoder e a resistência se a nenhum deles é relegado a um local natural.
5. Michel Foucault começa tal processo através da análise dos meios polimorfos pelos quais o poder opera. Entretanto, ele vacila, pois, ao enxergar o poder emtodo lugar, parece prescindir da possibilidade de contextualizar a resistênciasem retornar a um lugar externo ao poder e não-contaminado por ele. Tal lugarseria tão essencialista como aquele oferecido pelo anarquismo.
6. Deleuze e Guatarri, ao buscarem novas categorias conceituais para o poder,minam a ideia de locais distintos para o poder e a resistência, especialmentecom o seu conceito de “máquina de guerra”. Entretanto, ao contrapor o desejo ao social, acabam retornando a muitas categorias que sua obra propõe-se a resistir.
7. Derrida, ao deslocar muito da estrutura oposicional que caracteriza o pensamento político (e outros), oferece uma abertura para re-conceber o poder ea resistência. Se o poder e a resistência estão entrelaçados a ponto de prescindir de uma separação em dois locais distintos, então um pensamento que envolve categorias derrideanas, como differance e infra-estrutura, pode ser mais apropriado para compreender tal operação. Derrida, entretanto, não oferece um tratamento ao sujeito da resistência, ao actor político.
8. Aqui, finalmente, Lacan, o verdadeiro herói do livro de Newman, se torna relevante. Para Lacan, o poder contém a sua própria falta. O significante é internamente fendido, permitindo que a resistência ocorra no poder e não fora dele. Se o sujeito lacaniano é incrustado no e resistente ao poder em sua estrutura mesma, então ambos poder e resistência existem sem locais distintos e essenciais, são dispersos e polimorfos, e podem ser pensados sem os problemas que caracterizaram os tratamentos dados desde Marx até Deleuze e Guatarri.
Um pensamento pós-anarquista, que leva a sério o impulso anti-autoritário do anarquismo, ao passo que se livra do tratamento humanista ao poder e a resistência, se iniciaria a partir daqui.
9. Newman acredita que ao usar um framework lacaniano, também utilizado na obra de Ernesto Laclau, em sua discussão sobre a lógica do significante vazio,pode ao mesmo tempo abraçar uma ética da crítica e evitar qualquer carácter essencializante aos quais os termos da crítica poderiam prestar-se. Se isto soa à abordagem desconstrutiva da linguagem de Derrida, a verdade é que Newman busca alcançar uma abordagem ao pensamento progressista que parta do anarquismo e do pós-estruturalismo, e não do Marxismo, e que enxerga nos impulsos por trás desses movimentos não somente uma abordagem para conceber o poder, mas também, indissociavelmente, uma abordagem à linguagem.
10. Há diversos aspectos de From Bakunin to Lacan que particularmente o recomendam. Em primeiro, diferente de tantas explicações referentes aos pensadores citados, o livro é claro e coerente. As visões sumárias que providencia de filósofos tão difíceis como Lacan e Deleuze são ambos acurados e legíveis. É uma virtude difícil de se alcançar em tal trabalho. Em segundo, Newman afunilou uma vasta gama de visões num programa único de teoria política. Não se lê o livro como um conjunto de capítulos desconectados, mas como um movimento progressivo por sobre diversas visões em direcção a uma abordagem teórica coerente sobre a concepção de política. Finalmente, em contraste com minha própria obra, que focava Foucault, Deleuze e Lyotard em contraste a Derrida e Lacan, o livro de Newman busca articular um anarquismo alinhado a elementos desconstrutivos do pensamento francês actual.
11. A questão que resta para mim é se tal intento foi conseguido. Eu acredito que não, sobretudo pelas razões que motivaram o meu afastamento de Derrida e Lacan, num primeiro momento. Eu não estou convencido de que ao utilizar uma abordagem desconstrutiva à linguagem e à política, haveria lugar para o tipo de acção colectiva que parece necessária para o sucesso político. Indeterminação, no meu entender, é uma base fraca para o pensamento e para a organização política. Ele tende a afastar as pessoas e não juntá-las.
Eu entendo que Newman põe em causa, e correctamente, que juntar também traz o risco de abraçar de novo conceitos essencializantes e formas autoritárias de poder. Para mim, parece que uma abordagem política adequada não pode se furtar a esse risco; sua tarefa é articular uma concepção de linguagem que enxergue o significado – e as categorias políticas que daí ascendem – como determinado, mas contingente, e não como necessariamente indeterminado.
A escolha, em suma, me parece não residir unicamente entre a indeterminação derrideana/lacaniana (ou uma determinação sempre ameaçada) e a determinação autoritária essencializante.
Uma terceira possibilidade, e na minha opinião a correcta, seria uma determinação contingente, uma determinação que pode flutuar ao redor das margens, ser criticada e alterada pela crítica genealógica ou outra crítica, mas que retenha seu poder de providenciar o tipo de margem ética que Newman busca (mas me parece não encontrar) em Derrida e Lacan.
12. Dito isto, recomendo altamente o livro a pesquisadores do pensamento progressista. Newman, para mim, parece estar correcto em seu alvo, em enxergar o anarquismo e não o Marxismo como o ponto de partida apropriado para a teoria política progressista; e nisso seu trabalho, além disso, está em consonância com a tendência actual dos movimentos anti-globalização ao redor do mundo. A questão de saber se se há-de escolher Foucault/Deleuze/Lyotard ou Derrida/Lacan como herdeiros e modificadores do pensamento anarquista clássico continua em aberto. De qualqiuer forma, Newman mostra através desta sua obra que adoptou uma perspectiva interessante e original, enraízada no local correcto, o que não pode ser negado.
Todd May é Professor de Filosofia na Clemson University. Escreveu extensivamente sobre o pensamento de Michel Foucault e Gilles Deleuze.
Saul Newman: Postanarchism between Politics and Anti-Politics