A mostra encontra-se na galeria do antigo edifício da Capitania de Aveiro, de terça a sexta-feira das 10.00 às 12.00 horas e das 14.00 às 17.30 horas. Tem entrada livre.
José Estêvão nascido a 26 de Dezembro de 1809, em Aveiro, constitui uma figura de extrema importância no quadro político do séc. XIX, durante o qual ocorreram transformações profundas na sociedade portuguesa. Como parlamentar, notabilizou-se pelos seus dotes oratórios e pelo seu amor à liberdade na Câmara dos Deputados entre 1836 e 1862.Esta mostra subordinada à vida privada e política deste ilustre parlamentar português permite uma melhor compreensão da época em que este viveu. Assente numa estrutura cronológica, conduz, de forma intuitiva, o público (jovem e adulto) por um percurso sinuoso que constitui a época do Liberalismo em Portugal.
José Estêvão Coelho de Magalhães (Aveiro, 26 de Dezembro de 1809 — Lisboa, 4 de Novembro de 1862), mais conhecido por José Estêvão, foi um notável jornalista, político e orador parlamentar português, sendo durante o período de 1836 a 1862 a figura dominante da oposição de esquerda na Câmara dos Deputados.
Era bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, veterano das guerras liberais e um dos académicos que viveu o exílio em Inglaterra e na ilha Terceira e participou no desembarque do Mindelo. Em 1841 fundou a Revolução de Setembro, o mais influente jornal da imprensa liberal. Sempre mais radical que as soluções preconizadas pelos partidos políticos da época, foi por várias vezes obrigado a procurar refúgio fora do país devido à sua frontalidade na oposição. Participou activamente na Patuleia, integrando o exército rebelde que operava no Alentejo.
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retirado de: www.prof2000.pt/users/hjco/JEsteweb/Pg00005f.htm
SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1840
Sr. presidente, entrou o préstito lúgubre, e traz debaixo das togas o decreto da morte. Poucos momentos de vida restam à vítima, e em poucos momentos, sobre o cadáver dela, levantara seu trono a tirania - mas tirania que há de ser funesta a quem a proteger, funesta a quem a lembrou, funesta aos que tem de a exercitar!
Sr. presidente, quando eu esperava que o poder se penetrasse da delicadeza da sua posição e se elevasse à gravidade dos acontecimentos; quando eu esperava que das Cadeiras do governo só se levantasse a linguagem da moderação e da prudência, que as circunstâncias recomendavam, estrugiram-me os ouvidos os uivos da vingança, os silvos da tirania!
O Sr. Presidente do Conselho (com veemência): - Peço a palavra!
O ORADOR: - Quando eu esperava ouvir da boca dos conselheiros de sua majestade, a face do parlamento e da constituição do país, conselhos de benevolência, frases de paz, ponderações de estadistas, escandalizaram-me as declamações frenéticas de Marat e as lamentações fementidas de Robespierre!
Sr. presidente, a câmara ouviu os Srs. ministros, e a câmara há de ouvir-me, se não declarar suspensa a última das garantias constitucionais, a última das garantias do homem, a liberdade de falar, de cuja duração eu não concebo muitas esperanças!
Sr. presidente, quando os partidos vêem assim ao campo dos factos, quando eles, prescindindo dos meios, denunciam tão claramente os fins, - eu sei que a palavra é um crime e o raciocínio um escândalo! Mas, apesar disto, quero ainda, por um esforço imaginativo, esquecer-me a situação em que nos achamos, quero por alguns momentos aproveitar-me das imunidades desta cadeira, usando do direito de falar perante uma assembleia, que tem obrigação de me ouvir.
Sr. presidente, o Sr. ministro dos negócios da guerra declarou que a espada da justiça cairia inexoravelmente sobre esses homens iludidos, infelizes ou altamente criminosos, como os trata a caprichosa jurisprudência do governo, sobre esses homens que foram despojos do seu miserável triunfo! Já nós sabemos qual é a espada da lei que há de cair sobre estes desgraçados: é a espada de uma lei facciosa, e a espada da lei do arbítrio, não manejada pelos exercitadores naturais das leis, mas pela mão dos próprios ministros! E quem são esses inimigos, triste despojo, miseráveis vítimas de nossos arrogantes senhores? Alguns são oficiais beneméritos, cujos peitos se ornam com cicatrizes recebidas em batalhas pelejadas pela rainha e pela liberdade, cicatrizes, que se querem abrir pelas balas dos granadeiros em nome desta mesma rainha e dessa liberdade outros são homens de vida honesta, que não importunam o poder, que não embaraçam as escadas das secretarias, homens que vivem dos seus mesteres, e cuja independência é para o governo um crime imperdoável, que só com o suplício pode expiar-se!
Os Srs. ministros, querendo dar ao assunto o uma consideração que ele não merece, esgotaram-se em esforços de eloquência e denunciaram a sua impotência amplificativa. Que é esta história de homens presos, de oficiais encontrados, uns que se aprisionaram, outros que foram soltos, de guardas que foram envolvidas, de guardas que foram respeitadas, de marchas e contra marchas, de vestimenta, de correame, de ruídos de armas? Que são estas ocorrências, Sr. presidente, senão factos ordinários, senão episódios saídos de uma insurreição? (Sinais de desaprovação do centro e do lado direito.) Sr. presidente, tudo isto são, repilo, factos ordinários de uma tentativa insurreccional: e bem o sabem os Srs. ministros, porque eles, graças ao seu amor pela ordem pública, possuem em alto grão a teoria e a prática das insurreições - se exceptuarmos o Sr. ministro da fazenda, que, pela sua compleição e génio, não me parece muito alo para esse trabalho.
Ministros da coroa! Que fizestes vós, quando aconselhastes, quando promovestes as insurreições em que tendes figurado, e a que deveis riquezas e honras? Como juntastes vós a força, como iludistes os incautos, que lugares designastes, para se irem procurar armas? Não cingistes os vossos cúmplices de fuzis e correames? Ministros da coroa! Não eclipseis a vossa história, não escondais as vossas heroicidades, e, mestres que sois no ofício de ordeiros, não trateis agora tão mal uns poucos de aprendizes da vossa profissão!.... E que alentados se cometeram no meio de todas estas violências que se nos relatam? Foram presos alguns indivíduos conspícuos do partido odiado, alguns indivíduos que se assentam nesta câmara; e eles foram bem tratados e logo soltos: a revolta poupou-lhes as vidas, deu-lhes a Liberdade. E hão de esses indultados de ontem votar hoje uma Lei sanguinária, em paga da generosidade com que foram respeitados?!....
Se os seus corações não estão podres; se as suas almas não estão corrompidas, hão de estremecer de horror, hão de recuar de vergonha, quando tiverem de levantar a voz ingrata, que tiver de sancionar essa bárbara lei, esta lei que levanta o patíbulo contra os seus benfeitores!...
Sr. presidente, o governo declarou-se sabedor dos projectos dos conspiradores, declarou-se sabedor do dia para que eles tinham destinado o seu primeiro rompimento e dos seus sucessivos adiamentos, declarou-se sabedor dos seus meios, dos seus recursos, do lugar em que deviam desenvolver a sua tentativa. E, com isto, o Sr. ministro do reino provou que tinha tirado todo o proveito das grossas somas que agora se despendem com certo género de serviço, que eu não quero aqui devidamente qualificar. Mas por que motivo o governo, conhecedor de tudo, e com tantos meios, com tanta fortuna, não sufocou a insurreição no seu começo? Porque consentiu que um punhado de revoltosos desses gritos sediciosos, e ao som de instrumentos de guerra descessem do Largo da Estrela até a Fundição? Porque sofreu que esses perigosos conspiradores tivessem por quatro horas levantada a bandeira da anarquia, e se conservassem em risco por tanto tempo o trono e o altar?
O Sr. ministro da guerra, em uma inspiração de inocência, revelou o verdadeiro pensamento desta tardança de providências: era o desejo, a precisão que ele tinha de factos que o habilitassem a propor esta lei! Tal foi a própria frase do Sr. ministro da guerra, que eu recolhi com cuidado, porque era muito verdadeira.
Está, pois, confessado que o governo deixou progredir a revolta para armar aos incautos, para aumentar a lista dos criminosos, e que do seu mirante policial espreitou a maré em que devia recolher as redes, para que trouxessem maior e mais abundante pesca!
Se são verdadeiras as declarações de força e previsão que e governo aqui nos tem feito, a insurreição devia ter durado menos, e ter-se-ia poupado o inútil incómodo de toda a guarnição da capital, a vista de cuja vigília a cidade acordou entre os aparatos de uma bela parada, com marchas e contramarchas, colunas sobre colunas, a testa das quais eu, da minha janela, vi, encapotados, alguns dos Srs. ministros.
E tal é a sede de aprovações e maiorias que devora o ministério, que o Sr. ministro da guerra, na narrativa que nos fez dos sucessos da noite, declarou ter visto pintado em todos os rostos o horror pelos acontecimentos que se estavam passando. Ora esses acontecimentos passaram-se desde as onze até as três horas da noite; e em tal tempo S. Ex.a só poderia ver os seus horrores pintados com o auxílio de alguma lanterna. De manhã S. Ex.a só poderia ver sinais de satisfação e interesse nos que presenciavam a bela disciplina, asseio e galhardia com que as tropas marchavam e contramarchavam, representando nas ruas de Lisboa as cenas do Campo Grande!
Também o Sr. ministro do reino disse que o governo estava prevendo que sabia de todos os planos dos conspiradores; e o Sr. ministro da guerra lastimou que a insurreição rebentasse, quando menos se esperava. E daqui é forçoso inferir que, ou todas as revelações da polícia estão monopolizadas no ministério do reino, ou que um dos Srs. ministros quis ostentar a sua previdência, e outro quis alardear a sua fortuna!
Sr. presidente, com estes fundamentos, com estas considerações se apresentou a esta câmara uma lei, que não tem exemplo nem paralelo em Lei alguma saída dos nossos corpos legislativos; uma lei que, tomada como lei de represália, vai muito além das ofensas que a inspiraram; uma lei que, considerada como medida de cautela, é superior as exigências que o estado do país reclama; uma lei que, encarada em relação as nossas circunstâncias, as tendências do governo, e as apreensões públicas, é a declaração mais formal e arrogante de que os princípios, que nos vão reger, são os do despotismo puro!
Suprime-se a liberdade de imprensa, estabelece-se a retroactividade no julgamento para todos os crimes políticos, suspendem-se todas as garantias, e depois disto que nos fica de liberdade, que direitos nos restam? Fica apenas esta voz, que os frenéticos economizadores de tempo em breve sufocarão, ou com algum novo regimento, ou com a introdução da tirânica ampulheta prescrita em uma assembleia francesa. Que nos resta, Sr. presidente, depois de tantas perdas? Apenas uma ficção de liberdade, quatro ministros com o séquito da sua maioria, o absolutismo com criados parlamentares, o absolutismo arrancado do segredo dos gabinetes para o melo desta sala, o absolutismo discutido, sancionado e aprovado na presença de centenares de testemunhas - o absolutismo com escândalo! (Profunda sensação na câmara).
Sr. presidente, e exigirão as circunstâncias do país a lei que se nos pede? É para o facto consumado que o governo a quer? Se a câmara ousa votá-la para satisfazer esta indicação, bastam a retroactividade e os tribunais especiais, mas não é precisa a suspensão das garantias para todos os cidadãos e em todo o reino. É para factos futuros? Oh! Sr. presidente, pois hão de suspender-se as garantias só pela possibilidade de revoluções, só pela possibilidade de ataques a ordem pública? Se se entroniza tal princípio, a liberdade fica um receio constante, o despotismo uma prevenção permanente, o arbítrio o direito comum, a lei a excepção!
Por outro lado, não declarou o governo que no momento de perigo se viu cercado dos homens notáveis de todos os partidos? Não declarou que fora ajudado de uma grande soma de influências morais, que concorreram para obviar aos efeitos dos acontecimentos da noite? Pois o governo, com o auxílio destas influências, de que tirou tantas vantagens, auxílio que reputa devido aos seus princípios e aos seus projectos, sendo esses princípios e esses projectos abraçados com mais sinceridade nas províncias, não deve contar aí com mais apoio, com mais serviços, com mais auxílios, que o induzam a não vir exigir uma lei, que, requerida por acontecimentos passados na capital, e já consumados, vai contudo estender os seus efeitos a todo o país, ora tranquilo e inocente? o governo ostenta segurança; alardeia que o seu sistema é abraçado geralmente, e apresenta-nos uma lei que desmente essas asserções; uma lei que denuncia os receios que o inquietam, os perigos que o cercam, a fraqueza que o consome! E onde esteve essa numerosa corte da honestidade e ordem? Quem eram os seus grandes dignitários? Que títulos possuía cada um deles? Por que serviços foram divididos?
Alguns dos Srs. ministros vi eu a frente das colunas, e bem pequeno era o seu estado maior. Onde estavam pois essas falanges de homens honrados de todos os partidos que, graças aos princípios e aos programas do governo, o ajudaram a debelar essa grande revolta de que há frequentes exemplos em todos os distritos do reino? Em todos os distritos, digo eu, porque os acontecimentos da capital nada diferem destas rixas de feiras, em que o povo de duas vilas ou aldeias se apresenta em campo, e vitoriando cada um a terra do seu nascimento, por exemplo, um: Viva a Mourisca! outro: Viva Águeda! Levantam os cajados e derreiam-se uns aos outros de pancadas. Esta noite também uns diziam Abaixo a ministério! Outros: Fique o ministério! Viva a Mourisca! Viva Águeda! Daqui não passaram! (Hilaridade).
Sr. presidente, isto não foi revolta, isto não foi rebelião: foi uma émeute, um motim, e estes motins sucedem frequentes vezes nos países constitucionais, onde a ordem pública tem fiadores maiores para tais aparatos e para tais solenidades - o desprezo público, o ridículo. O escárnio cobriria os ministros que tal importância lhes dessem, e as câmaras que apoiassem tais ministros.
Sr. presidente, tudo o que se tem passado nesta câmara com os sucessos desta noite é uma verdadeira farsa: o governo tomou esse acontecimento como um pretexto para satisfazer os seus fins políticos; para estabelecer seus planos com menos embaraço. E eu sinto, magoa-me profundamente que o ilustre relator da comissão, cuja cabeça eu julgava superior a estas pequenas considerações de partidos, cujo espírito elevado me parecia estar ao nível dos acontecimentos e da moralidade desta forma de governo, sinto muito, digo, que essa cabeça lhe inspirasse e que a mão escrevesse um relatório mil vezes mais fulminante, mil vezes mais inexacto, mil vezes mais faccioso que o do próprio governo.
Sr. presidente, os jornais são também suspensos!!! E o governo priva-se desse primeiro veículo de confiança pública, do primeiro censor das calúnias, da primeira vigia contra os conspiradores: o governo quer estender no país um silêncio de morte, e por ao abrigo da censura os seus actos administrativos e o espírito da sua gestão.
O governo, Sr. presidente, que em circunstâncias tais toma semelhantes medidas, descrê completamente das forças morais, não compreende o que é a razão e a justiça, só reconhece a religião dos factos.
Sr. presidente, os jornais têm incendiado as paixões, têm chamado a anarquia, os jornais concorreram para os acontecimentos da última noite: tal foi a acusação sobre eles lançada pelo Sr. ministro do reino! Ah! Sr. presidente, quanto é belo ver num grande homem um arrependimento tão solene, e ouvir, da boca de quem talvez entre nós desse os primeiros e mais flagrantes exemplos de conspirar pela imprensa, uma protestação tão franca contra os seus erros passados! O Examinador e o antigo Correio foram os mestres da licenciosidade da imprensa, e o Sr. ministro do reino tem a honra de ser suspeito de ter parte nesses jornais. (Sensação).
Mas o jornal O Tempo pôs em dúvida os direitos da rainha a coroa portuguesa - disse o Sr. ministro do reino. Deixo a consideração de S. Ex.a o qualificar este procedimento de S. Ex.a, quando, chamada ao júri a folha aludida, um ministro da coroa vem aqui prevenir a sentença desse mesmo júri, lançando na balança das opiniões a do governo, já de si pesada, e hoje pesadíssima pelo acrescentado peso das garantias e liberdades públicas, que em poucos minutos vai ter na mão. E esse jornal, a que S. Ex.a aludiu, pronunciou semelhante blasfémia? Não; sustentou um princípio que eu adopto, um princípio a que quero prestar solene homenagem, porque talvez não esteja longe o tempo de o vermos desconhecido e postergado. Esse jornal disse que sua majestade nunca podia ser rainha absoluta de Portugal. Também eu o digo, também deve dizê-lo a câmara, se é fiel a seus juramentos, e deve dizê-lo o governo se é constitucional! Sr. presidente, ou os direitos de sua majestade a coroa portuguesa provenham duma abdicação, ou de uma revolução, ou lhe fossem transmitidos por seu pai ou dados pelo povo, esses direitos estão unidos às liberdades escritas nos códigos, em que o seu direito de governar esta marcado. Esquecidas, rotas essas liberdades, o governo, que delas nasce, morre, desaparece, e o trono de sua majestade, que nelas se assenta, abale-se debaixo de seus pés!
A opinião contrária injúria a mesma augusta pessoa que se pretende lisonjear com tão iníqua teoria; a opinião contrária faria cair da sua cabeça a coroa que, com enfeites de liberdade, lhe doou seu piedoso pai e meu bravo general; a opinião contraria faria suar sangue as pedras da veneranda sepultura do libertador do nosso país!
Mas disse o Sr. ministro do reino: «o júri não condena estas doutrinas, e se o júri não condena, o governo é desairado, e o governo não quer sofrer desaires!» E que ilação se tirou daqui? Que não deve haver júri para a imprensa, que deve suprimir-se a liberdade de escrever! Sr. presidente, nunca os princípios absolutistas foram proclamados a face de um país bárbaro de um modo mais rude! Para que o governo não seja desairado caia a garantia da liberdade individual, caia a garantia da propriedade, caia todo o povo português, com as suas vidas, com as suas cabeças, com a sua fazenda e com a sua honra, aos pés de quatro homens, que não querem e não podem ser desairados! Sr. presidente. boje em Constantinopla não se ouve tal linguagem aos depositários do poder!
Um Sr. deputado uniu as suas imprecações as do governo contra a imprensa; mas permita-me S. Ex.a que lhe note que a sua nímia sensibilidade o toma suspeito em tal questão, e que se os seus conhecimentos de historia natural lhe ensinaram a conhecer a vida e o carácter de uns certos animais, que S. S.a diz que mudam frequentes vezes de pele, também os seus conhecimentos de higiene política o deviam ter aconselhado a usar de alguns remédios, que tomem a sua cútis menos melindrosa e menos sensível aos tiros da imprensa.
Sr. presidente, eu sinto que a impaciência da câmara me não deixe analisar, como as circunstâncias requerem, o projecto modificado pela comissão, e que foi mandado para a mesa; eu sinto não ter a vista cada uma das suas disposições para lhes fazer reflexões adequadas. Esse projecto põe todos os crimes políticos debaixo da lei militar, para serem julgados no tribunal militar E felizmente ainda a comissão encheu a tempo uma lacuna importante: deve-se-lhe a graça de uma declaração liberal: a comissão acaba de propor que o processo de tais crimes seja o dos conselhos de guerra! A comissão ainda prestou, pois, homenagem a todos os bons princípios, decretando que este país é um grande quartel, que todos os portugueses são soldados, que o governo é o coronel deste grande regimento, e que os prebostes serão escolhidos a sua vontade! (Sensação e hilaridade.)
Sr. presidente, sinto que os factos me arrastem a convicção profunda de que o fim principal desta lei é um fim apaixonado, é um fim de partido, é um fim de vingança, a convicção de que esta lei exprime um desejo de sangue, uma precisão de cabeças. E não fora melhor e mais nobre reunir essas cabeças num campo, juntar esses inimigos à ponta de baionetas? Não fora melhor prescindir de todas as formulas? Não fora melhor marcá-los com o ferrete de desafectos, e entregá-los logo ao carrasco? Não fora melhor tratá-los como obstáculos materiais, esmagá-los debaixo do ferro, ou pisá-los aos pés?!!
Em circunstâncias mais penosas, quando assolava o país uma revolta que se não intentava para uma mudança de ministério, mas para a destruição da lei fundamental, revolta que tinha todo o carácter de guerra, que teve todos os efeitos dela, revolta que usurpou todas as prerrogativas da coroa, constituindo autoridades, nomeando empregados, estabelecendo-lhes ordenados, dispondo dos dinheiros públicos; uma assembleia, que zelava com lealdade o princípio governativo de então, a despeito dos embaraços que a cercaram, não precisou fazer uma lei tão rígida e sanguinária: declarou suspensas as garantias. Não instituiu tribunais revolucionários, não autorizou conselhos de guerra, nem pôs o país debaixo de uma lei militar. Então votaram por essa lei, não a pediram mais forte, muitos dos Srs. deputados, a quem agora, em presença de tão pequenos acontecimentos, não tremeu a mão quando assinaram cegamente todas as indicações do governo!
O SR. DERRAMADO (com velocidade): - Peço a palavra.
O ORADOR: - Sr. presidente, esta lei, como lei de represália, desonra quem a faz, e honra quem deu motivo a ela…
O governo, Sr. presidente, deu parabéns ao país porque não tiveram resultado os acontecimentos da noite. O país rejeita tais parabéns. Parabéns ao país? Porque? Pela honra de continuar a ser governado por um ministério opressor? Pelas fortunas e delícias da suspensão das garantias? Parabéns aos ministros, porque só eles lucraram com o desfecho da insurreição; parabéns aos ministros, porque não estariam agora nessas cadeiras se a fortuna tivesse favorecido o motim!
Esses negros acontecimentos, esses nefandos projectos, essa revolta espantosa, essa rebelião armada, esse arrombamento criminoso e feito, segundo o Sr. ministro do reino, as pancadas de um aríete que S. Ex.a nos pintou deitado a porta do Arsenal, com uma voz tão lúgubre, temerosa e arrebatada, que julguei nos comunicava ter ficado morto no campo da batalha algum elefante, que os revoltosos, seguindo a táctica de Mitrídates, tivessem conduzido para escalar os muros da Fundição, um arrombamento feito as pancadas de um aríete a que na minha terra se chama alavanca ou pé de cabra.... (Hilaridade.)
O SR. MINISTRO DO REINO: - Nem uma, nem outra cousa.
O ORADOR: - Sr. presidente, onde iriam os amotinados buscar um aríete para baterem as muralhas do Arsenal?! Onde esta esse depósito de máquinas de guerra da velha táctica? Onde estão as catapultas, as balistas? O aríete do Sr ministro do reino é um anacronismo militar, é uma amplificação ridícula.
Dizia eu, esses negros acontecimentos, esses nefandos projectos, essa revolta espantosa, essa rebelião armada, esse arrombamento criminoso, deram ao governo força, glória, crédito, vida e salvação, porque o livraram da morte, não a mais tormentosa, mas a mais desonrosa para o poder a morte de inanição, que lhe estava iminente, e que já tinha sido precógnita pela sua maioria, que nas últimas sessões, por tal motivo, havia dado exemplos de pouca subordinação e muita fraqueza.
Os amotinados pois, por insofridos, prejudicaram o facto que por qualquer modo estava a consumar-se, e os Srs. ministros devem render muitas graças a cegueira que os precipitou!
Sr. presidente, eu respeito a prerrogativa da coroa, rejeito estes meios de ascensão ao poder, não me associo a eles, e no governo esta quem sabe se estas são as minhas antigas opiniões. Mas também reconheço que se as armas da lealdade portuguesa se levantassem neste momento, e dentre elas rebentasse um brado de indignação contra o ministério que nos desonra, este procedimento, pouco constitucional, limparia a coroa de uma nódoa negra, que lhe lançou a diplomacia, quando levantou em seus braços a administração de 26 de novembro!!.... Nódoa, Sr. presidente, que esta denunciada a face da Europa e nos seus parlamentos; nódoa que é já um facto histórico e que nenhum dos Srs. ministros pode negar!
O que destas observações se sente é que o motim armado desta noite é filho do motim áulico e diplomático de 26 de novembro; o que destas observações se segue é que uma aberração constitucional desafia outra aberração, e que é preciso que todos os partidos, de uma vez para sempre, prestem sincera homenagem aos princípios do sistema representativo. Porque, se eu não quero ver escaladas as prerrogativas da coroa pelas armas, também quero que se fechem as trapeiras da diplomacia, que para o poder são avenidas defesas aos homens de talento e de probidade.
Eu não sei quais são preferíveis, se as vociferações apaixonadas de um dos Srs. ministros se as lamentações fementidas do outro! o Sr. ministro do reino lamentou que, em acontecimentos de semelhante natureza, os autores fiquem sempre ocultos, e que as vítimas de suas instigações, os mais pequenos, os mais miseráveis, sofram o castigo que pertencia aos outros. Pensamento honrado, pensamento nobre!.... Sim, maldição ao homem que desvaira a razão do outro para satisfazer os seus interesses particulares! Maldição ao homem que leva outro ao campo do perigo, e que fica em casa! Maldição ao homem que vê outro vitimado por sua influência e não o socorre com a sua voz e com a sua bolsa! Maldição.... Não! perdão, perdão ao homem que de cima do fastígio do poder vê sem mágoa gemendo numa masmorra os seus cúmplices, os seus companheiros! Perdão a esse homem, mas não a mim, que nunca cometi, nem hei de cometer tal crime!… (Sensação.)
Sr. presidente, eu reconheço que a resistência armada é em certas ocasiões, não digo um direito, mas uma obrigação! (Sussurro.) Se não me quereis conceder este princípio, se o reputais criminoso, ponde todos as mãos sobre o cepo, porque as mãos de todos hão de cair junto dele! Se a minha doutrina é pecaminosa, todos tendes pecado Mas se o Sr. ministro do reino nas suas insinuações teve o pensamento de se dirigir a minha pessoa, quero desenganá-lo que Se eu fosse chefe de uma conspiração…
O SR. MINISTRO DO REINO: - Dá licença? Já me constou que o nobre deputado desconfiava que eu fizesse uma insinuação a sua pessoa: declaro-lhe que não a fiz.
O ORADOR: - Bem: e todos assim devem fazer; porque, Sr. presidente, se eu fosse chefe de uma conspiração, se eu entendesse que os meus deveres de honra, que as necessidades do meu país, exigiam que eu renunciasse a minha procuração para tomar uma arma, que eu largasse esta cadeira para ir para o campo, os meus adversários, os chefes do poder, os Srs. ministros que combatessem essa conspiração, haviam de certo ver-me no meio dos conspiradores, e a vitória não lhes seria tão fácil como a de ontem, porque desgraçadamente tinha de ser mais sanguinolenta! (Sensação).
Seja-me permitido citar dois factos, que não são estranhos à questão.
O secretário da administração do concelho de Tondela foi demitido pelo administrador geral de Viseu. Aquele pobre empregado veio à corte e trouxe carta de recomendação para o Sr. ministro do reino, e S. Ex.a prometeu-Ihe que havia de ser reintegrado escreveu ao administrador geral para este fim…
UMA VOZ: - Ordem!
O ORADOR: - Isto é ordem, e eu o vou provar. o administrador geral respondeu que não podia anuir as instâncias de S. Ex.a. Agora o administrador geral mandou prender por vadio o empregado que demitiu, e ele, depois de esgotar todos os meios legais, se quis escapar à perseguição que lhe faziam, teve de fugir para Lisboa! E aqui se acha!!
Ao administrador geral de Vila Real queixou-se um morgado, um potentado, ou um homem que tinha foros a cobrar, que os seus foreiros lhos não pagavam, e pediu para este fim ao administrador geral alguma força armada. E foi com efeito uma força militar incumbida da missão de obrigar os povos a pagar os foros ao Sr. senhorio!!
Sr. presidente, se com as leis constitucionais que ainda temos, se com as garantias que ainda possuímos, os empregados do governo desconhecem todos os princípios de moralidade, e se arrojam a estes arbítrios, que será quando esse arbítrio for declarado lei, e a obediência a ele a primeira virtude cívica?
Sr. presidente, vou terminar. Julgo ter falado com bastante sinceridade; aos Srs. ministros é baldo todo o trabalho para descobrir em mim pensamentos que julguem ocultos; se quiserem saber mais do meu coração e da minha cabeça, dirijam-se a mim por interpelações directas, porque os satisfarei com respostas curtas.
Reputo esta lei uma especulação feita sobre os acontecimentos da noite, cuja gravidade é muito pequena, e de nenhum modo própria para fundamentar tais medidas. Reputo que esta lei dará frutos de tirania, ainda mais amargos que os da usurpação! E pela minha parte termino o meu discurso, e talvez a minha carreira pública, e de certo as minhas orações nesta sessão, porque em breve tenho de me retirar daqui por motivos de moléstia, declarando, Sr. presidente, que tenho a profundíssima convicção de que, se o ministério actual continuar por dois anos na gerência dos negócios públicos, ficaremos sem os menores vestígios da honra, do nome, da liberdade e da fazenda da nação! (Sensação, agitação). São estas as minhas profundas, desgraçadas e penosas convicções, a que eu não posso resistir, assim como não posso resistir ao dever de as exprimir nesta hora extrema, nesta hora soleníssima, nesta hora a mais negra da nossa vida política!.... (Silêncio profundo.)