12.1.10

As condições degradantes em que trabalha o Grupo de Teatro de Letras (GTL) da Universidade de Lisboa, e a falta de espaço para os seus ensaios

Vivem à margem. São escravos da emoção. Brincam aos gritos. Entre berros e beijos...soltam-se vontades, libertam-se pulsões e criam-se tensões. Bem-vindos ao GTL, uma orquestra dirigida por Ávila Costa. Há 20 anos a experimentar Teatro.

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa é a morada do espaço que serve de laboratório aos apaixonados pelo Teatro de Ávila Costa, único encenador que o grupo conhece desde sempre, desenvolvendo um trabalho psico-físico com os actores numa linha experimental

O GTL, Grupo de Teatro de Letras, da Universidade de Lisboa, prepara afincadamente a estreia da peça "Terrorismo", dos irmãos Presniako, sob a direcção de José Ávila Costa, encenador do grupo desde há 20 anos. Apesar de todo o seu historial, e da acção teatral que sempre o animou, o GTL debate-se actualmente com problemas graves, ligados à falta de espaços para os seus ensaios e representações, num contexto académico que deveria propiciar apoio para a promoção e divulgação do teatro, coisa que, pelos visto, anda arredia por aquelas bandas.

Por isso, nada mais oportuno que uma chamada de atenção para a actividade do GTL, Grupo de Teatro de Letras.



Reproduz-se a seguir um texto de denúncia, da autoria de um dos seus elementos, que também é aluna da Faculdade de Letras da Universidade Cla´ssica de Lisboa, da situação vivida actualmente pelo GTL




Para quem não sabe, eu assumo: há largos meses que me encontro em processo de formação teatral, no verdadeiro sentido da palavra. A paixão escondida desde sempre encontrou uma casa para se consumar, finalmente! Porque workshops a prazo, concursos televisivos, castings baratos e grupos descartáveis...nunca me seduziram à entrega desta paixão.

As audições abriram para a companhia de teatro académico mais antiga (e clássica!!) no mundo universitário de Portugal, e lá fui eu armada ao pingarelho. Tango, Valsa e Passo-Doble foram os três estilos de dança que me pediram para dançar (sozinha: só eu, uma sala pequena e vazia, e o encenador do grupo a anotar numa folha, sabe-se lá o quê). Tive ainda de escolher um tema para cantar e interpretar: "Solta-se o beijo" (não me ocorrendo mais nada...e estando completamente desprovida de truques, aliás nunca eu tinha feito uma audição na vida). Por fim, e decisivamente, seguiu-se o momento mais estranho que experienciei até hoje: recitei um poema de José Régio - Cântico Negro - de todas as formas possíveis. O encenador estava a dirigir a minha expressão dramática, corporal e vocal ao mesmo tempo que eu me sentia comandada e seguia as suas directrizes, manifestando-me conforme a pulsão assim o exigisse. Confesso que a audição me levou à exaustão, fiquei fora de mim, levei um tempo a recompor-me, e a interrogar a mim mesma: «Ana o que foi isto que acabaste fazer?» Até hoje não consigo responder.

José Ávila Costa é o encenador do GTL - Grupo de Teatro de Letras e há vinte anos que segue uma linha muito experimental com os académicos e profissionais que integram o grupo. Nunca as minhas palavras vão ser suficientes para vos transmitir o que é uma formação intensiva (quatro horas de ensaios diários - sim todos os dias, sim depois de um dia de trabalho, sim depois de um dia de aulas, sim até ao final da noite, sim sem pausas) e nunca faltei. Engraçado: nunca faltei a um único dia dos ensaios do GTL. É como se todo o cansaço, doença ou descrença que eventualmente me pudessem atormentar num ou noutro dia...fossem mínimas comparadas ao prazer que é entrar na sala e sentir a dinâmica de grupo. Nunca falhei um ensaio do GTL até hoje.

Estou a absorver matéria prima divinal...desde técnicas de voz e respiração passando pela ritualização, auto-sugestão de intenções e emoções, e por aí fora... O Ávila é magistral. Sempre me disseram que ele é "osso duro de roer", anti-TVI e séries "Z", anti-clichés, anti-efeitos especiais. O Ávila trabalha os seus actores numa vertente do chamado "teatro pobre", no qual só importa o actor enquanto atleta da alma, como um ser capaz de esconder mil e uma intenções, de contracenar de forma dialética, de comunicar e transmitir uma mensagem que se pretende humana e provocadora, que não faça o público adormecer mas, sim, que o atraia para o palco, para a cena, para os actos e actores.

"O Terrorismo" dos irmãos Presniakov, contemporâneo, é o mote para o espectáculo do GTL 2010...realismo fantástico (nada de naturalismos)! Eis que a minha vontade empreendedora se manifesta...e acabo por assumir a Produção do grupo este ano. A máquina já está em movimento e a assessoria de imprensa em curso. Contactos, financiamentos, bolsas, tudo encaminhado. Estou literalmente EM CAMPO para que não nos falte nada este ano. Mas infelizmente há coisas que me ultrapassam e começo a achar que os apelidados de "serviços de acção social da universidade de lisboa" têm tudo menos de "acção social". Para vos elucidar: há dezenas de anos que os grupos de teatro académico da Universidade de Lisboa ensaiam (e apresentam) os espectáculos anuais durante cerca de dois a três meses (sem cobrar bilheteira) no auditório da cantina velha. O ano passado (2009) devido a causas que me ultrapassam: esse auditório foi fechado. Os serviços já foram contactados mas alegam falta de condições para receber qualquer grupo e ou peça. E como o orçamento é curto (dizem eles) não podem financiar nem providenciar nenhum outro espaço para o GTL trabalhar. Eis o problema: onde raio vamos apresentar a peça este ano? Ainda são dois meses (Março/Abril) 5ªs, 6ªs e sábados em cena...e durante este tempo temos de ter acesso ao espaço para os ensaios! Até agora temos ensaiado numa sala de exposições manhosa (e onde chove lá dentro!), com uma acústica péssima, gelada e suja. Só a nossa vontade de fazer teatro e a força anímica do Ávila nos fazem continuar o processo para a apresentação da peça: sim porque vamos mostrar-vos o que é o verdadeiro "Terrorismo" ou, pelo menos, vamos tentar.

Enquanto "produtora" ando à caça de espaços (já contactei e fiz democráticos pedidos de cedência de espaço a mil e um teatros, estúdios, auditórios, centros culturais e afins: e nada). Até agora o que consegui foi uma mostra da nosso espectáculo no Cabaré do Espaço Evoé dia 13 de Fevereiro (depois avanço com mais detalhes!) e uma participação no festival do 4º Encontro Anual de Escolas no Teatro patrocinado pelo Centro Cultural da Malaposta e que nos vai receber numa das suas datas (foi milagre conseguir isto: o calendário estava quase bloqueado!)

Entretanto, prevê-se uma participação no FATAL 2010 (na Comuna, à partida... depois também vos avanço com informações porque será só para Maio). Até lá, o GTL continua a trabalhar no "Terrorismo" sem ajuda da Universidade de Lisboa, sem espaço para apresentar a peça (em Março e Abril) e sem desistir: sala de exposições das 18h às 22h todos os dias de 2ªf à 6ªf na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa...são bem-vindos e convidados a testemunhar o que acabei de escrever.

Numa época em que tanto se fala e defendem as políticas culturais, talvez não seja má ideia pôr em causa a forma como o grupo mais antigo a experimentar teatro em Portugal seja delegado a bodes expiatórios que o impedem de se afirmar e de se fazer sentir nos corações dos senhores e doutores que se vestem de intelectualizações defensoras da expressão artística nacional...


http://deixamepassar.blogspot.com/2010/01/denuncia.html

http://teatrosemletras.blogspot.com/