5.12.09

Globalização da Pobreza; Pobreza da Globalização (termina hoje o colóquio internacional que decorreu na Universidade Nova de Lisboa)


A globalização, conduzida pelo princípio de uma interdependência assimétrica (baseada na desigualdade) discriminada (em benefício dos mais fortes) e controlada (para manter os privilégios adquiridos), é um dado central de base da experiência contemporânea. Apesar das suas potencialidades terem alimentado sonhos de um mundo melhor, os seus efeitos são devastadores se considerarmos, por exemplo, a sua flagrante incapacidade em fazer beneficiar os mais pobres dos alcances mais significativos da civilização ou privando mesmo uma grande maioria da humanidade dos recursos mais elementares (tais como alimentação, alojamento, cuidados de saúde…). Mas, para além dos efeitos negativos que ela produz por defeito, temos de considerar ainda aqueles que ela produz por excesso: os modelos de produção e de consumo seguidos conduzem ao esgotamento dos recursos naturais e a uma destruição desenfreada do meio ambiente, colocando progressivamente em perigo as condições de vida em zonas significativas do planeta.

As crises que vivemos, precipitadas pela falência do sistema financeiro globalizado, motivam um profundo questionamento sobre a lógica do conjunto do sistema e levam a que nos interroguemos sobre as orientações modais da globalização considerando, designadamente, os seus conteúdos, os seus dispositivos de governança e os princípios éticos que a conduzem.

Enquanto momentos de crispação, as crises constituem bons analisadores dos modos de construção das sociedades, para além de fazerem vislumbrar possibilidades de mudança. É nesta perspectiva que gostaríamos de situar os objectivos do nosso Colóquio. Em que medida, primeiro, as crises actuais poderão conduzir para situações de mudança e quais poderão ser as alternativas que se apresentam? Em seguida, deveremos questionar a viabilidade, a amplitude e o sentido das possibilidades de mudança que são propostas. Para isso teremos de conhecer as lógicas em presença e definir quais os valores e os interesses que as apoiam, os actores que as servem, a legitimidade que lhes é reconhecida e os recursos de que dispõem. Quais são os trunfos das forças que apostam numa mudança de continuidade, limitando-a a uma reestruturação do estado de coisas existentes ou a uma simples substituição de algumas das suas peças defeituosas. Quais são os interesses alternativos que apostam na possibilidade de uma mudança de ruptura? Em que medida estas diferentes esperanças de mudança serão capazes de rasgar os sulcos que conduzirão os seus projectos?

Sabemos bem, por que a isso nos habituámos, que as mudanças se lêem preferencialmente nas cartas dos poderes ou através das leituras que eles promovem. Os sinais da mudança lêem-se, por hábito, em referência aos pontos cardinais dos sistemas e dos actores que os representam.

Neste Colóquio pretendemos sugerir uma outra pista de análise. Com efeito, para além de estarem sujeitas às inércias dos sistemas, as mudanças ancoram-se, igualmente, nas práticas e nas representações dos indivíduos; nas competências que eles puderam adquirir e que significam em relação àquelas que eles não puderam adquirir ou que eles já perderam; na destreza que eles demonstram para se apropriarem, de forma inovadora, ou para recusarem os recursos disponíveis, ou para criarem outros nos interstícios ou contra as práticas admitidas; nos modos como eles fazem significar as suas escolhas e as suas estratégias. As possibilidades e as orientações da mudança ancoram-se, ainda, nas comunidades e nos grupos que os indivíduos constituem, nos sentidos que eles atribuem às relações e aos laços sociais, nos vincos normativos das suas instituições e com as quais eles participam no jogo social.

Assim, saber se a mudança é possível, ou em que medida ela é possível e compreender quais as orientações que ela pode tomar, exige que saibamos ler o modo como a mudança se inscreve, já, nas experiências dos indivíduos e das comunidades que eles constituem. É provável que, a este nível, os sentidos das mudanças não sejam lineares, já que eles se tecem, muitas vezes, através de sinuosidades inesperadas, que exigem que o caminho se faça entre avanços e recuos.

O objectivo deste Colóquio, para além de considerar análises das dinâmicas e dos movimentos que se jogam preferencialmente ao nível do sistema, é de levar a que sejam jogadas as cartas analíticas que permitem auscultar os estremecimentos desta outra globalização presente na experiência quotidiana dos indivíduos, nas transformações das representações, no desenvolvimento de novas práticas solidárias, nas alternativas locais. As provas e as provações que a globalização impõe aos indivíduos obrigam-nos a reajustar a sua relação ao meio ambiente e aos outros, a desenvolver novas formas e novos conteúdos para definir as suas identidades e a buscar novas formas de cooperação. Trata-se de compreender como temas que são objecto de profundos debates normativos e políticos, atravessam já a experiência concreta dos indivíduos e informam as suas práticas quotidianas. É claro que não podemos esquecer quanto as desigualdades face aos recursos e às perspectivas marcam estas experiências. Espera-se que a acção pública ponha à prova a sua capacidade de inovação a fim de evitar o efeito de desigualdade redobrada que poderiam pesar sobre a situação dos mais pobres.

Este Colóquio propõe, assim, uma dupla leitura dos desafios que coloca a redefinição da globalização. Uma primeira, suportada essencialmente pelas conferências plenárias, procurará fazer uma reflexão diagnóstica sobre a globalização, de natureza macro social, no sentido de desenhar as suas principais orientações e as possibilidades e perspectivas de mudança. Uma segunda, que se inscreve mais particularmente nas sessões dos grupos de trabalho, procurará dar conta da forma como a globalização se inscreve no quotidiano dos indivíduos, seja para lhes impor novas situações ou moldar as suas práticas e representações à imagem dos modelos globalizados ou seja, pelo contrário, para fazer emergir práticas inovadoras que permitem aos indivíduos enfrentar essas situações, apropriarem-se, de forma original, dos modelos propostos ou para lhes resistir.

Privilegiamos a análise de situações ou de acções onde sejam mobilizados recursos ou capitais, de qualquer natureza que eles sejam. Os seguintes temas sugerem possíveis domínios de intervenção:

1. Novas respostas das políticas públicas face à agravação de problemas sociais ou aos desafios da globalização
2. (Re)definição de problemas sociais motivada por um alinhamento com critérios de avaliação internacionais
3. Situações críticas e experiências sociais inovadoras
4. Estratégias individuais de mobilização ou de criação de recursos em situação de precariedade
5. Novas formas e sentidos da mobilização comunitária e solidária
6. Ética da responsabilidade perante o Outro no quotidiano
7. Modos de tratamento dos problemas e reajustamento pelos parceiros das modalidades e do sentido das intervenções de terreno
8. Potencialidades e limites da utilização de critérios internacionais para avaliação de situações e de acções no plano nacional




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